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28/08/2020 às 17h10min - Atualizada em 28/08/2020 às 16h21min

De Trump a Bolsonaro: A crescente onda conservadora na América

Entenda o fenômeno decorrente no mundo todo e como ele pode ser observado em países americanos

Gabriela Pereira - Editado por Caroline Gonçalves
O termo “Onda Conservadora” vem sendo amplamente discutido atualmente. Esse fenômeno tem ocorrido por todo o mundo e após a eleição de Donald Trump nos EUA, a discussão ganhou maior fervor na América.

No Brasil, o movimento fica mais evidente após as manifestações de 2013 e o impeachment de Dilma Rousseff, tendo seu ápice com a eleição de Jair Bolsonaro em 2018. 

ENTENDA O CONCEITO

Primeiramente, é necessário entender o conceito. De uma forma simplificada pode ser explicado como maior adesão a políticas de direita e extrema-direita e a ascensão de lideres políticos com esse viés ideológico.

De acordo com a Doutora em comunicação e movimentos de protesto político no Brasil pelas redes sociais, Anelisa Maradei, “a América Latina tem transitado entre fases de políticas neoliberais e fases dominadas por políticas de esquerda”.

Políticas de esquerda tendem a ser mais liberais no que se refere a direitos individuais e tem maior adesão à iniciativa publica. Por outro lado, políticas de direita são mais conservadoras e visam ampliação da iniciativa privada.

 
AS IMPLICAÇÕES NO CRESCIMENTO DO CONSERVADORISMO

Um estudo realizado pela Universidade de Sidney e divulgado no Jornal of Cross-Cultural Psychology, afirma que essa Onda Conservadora é fruto de uma síndrome global.


Geralmente, os líderes conservadores eleitos são populistas, ou seja, tem grande apelo perante a população.  Ainda de acordo com a doutora, “Uma tática comum entre o Trumpismo e o Bolsonarismo, por exemplo, é a pregação da nostalgia por um passado idealizado. Trump adotou o lema ‘Make America Great Again’ (Faça a América grande de novo), negligenciando detalhes da história norte-americana, como o genocídio de povos indígenas, a escravidão e os longos períodos de discriminação contra mulheres, negros, e migrantes. Bolsonaro, por sua vez, percorreu os obscuros caminhos da exaltação da Ditadura Militar no Brasil, período em que ocorreram práticas de tortura no País”, afirma.

Esses líderes dão voz á pensamentos preconceituosos e atitudes agressivas, exaltam o nacionalismo e apagam a diversidade e individualidade. Em entrevista dada em 2010, o atual presidente da republica afirma que 
“ter filho gay é falta de porrada”. Dados apontam crescimento no numero de casos de violência contra a população LGBT+ após a posse do atual presidente.




O mundo passa por um grande momento de transição, pautas sociais têm sido amplamente discutidas e alguns posicionamentos não podem mais serem aceitos. No entanto, o aumento do pensamento conservador significa um retrocesso para os movimentos sociais.

Além disso, existe um movimento negacionista da ciência no movimento conservador. Dados apontam que países liderados por líderes de ideologia de direita têm lidado mal com a pandemia do novo coranavírus.

Para além do vírus, o presidente dos EUA Donald Trump saiu do acordo climático de Paris e existem deu declarações em seu Twitter que negam a existência do aquecimento global. Ademais, em um discurso afirma “A partir de hoje encerraremos nossa relação com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e redirecionaremos estas verbas para outras necessidades globais, urgentes e merecedoras na saúde", disse o presidente dos Estados Unidos.

RELAÇOES INTERNACIONAIS

Com relação ao relacionamento geopolitico, a Dra. Anelisa afirma:

 
“Os episódios como o ocorrido entre Brasil e França, quando o presidente brasileiro demonstrou seguidamente desprezo pelo mandatário francês (e ainda seu filho, deputado Eduardo Bolsonaro, replicou um vídeo em que o presidente Macron foi chamado de “idiota” por um youtuber), denotam o amadorismo do atual governo no campo das relações internacionais”.

Via Twitter, o presidente chegou a chamar o  Líder Supremo norte coreano Kim Jong-un de “Gordinho da bomba”, fazendo referencia ao suposto poderio atômico norte coreano.
ALGUNS PAÍSES AMERICANOS QUE TEM LÍDERES CONSERVADORES

Brasil – Jair Bolsonaro eleito em 2018
Bolivia - Jeanine Áñez Chávez eleita em 2019
Chile - Sebastián Piñera Echenique eleito em 2018
El Salvador- Nayib Bukele eleito em 2019
EUA – Donald Trump eleito em 2016 e empossado em 2017
Colômbia - Iván Duque Márquez  eleito em 2018
Guatemala - Alejandro Giammattei eleito em 2020
Honduras - Juan Orlando Hernández eleito em 2018
Paraguai- Mario Abdo Benítez eleito em 2018   
Uruguai - Luis Alberto Aparicio Alejandro Lacalle Pou eleito em 2019


CONFIRA A ENTREVISTA COM A DRA ANELISA MARADEI NA INTEGRA 
 
De que modo o contexto histórico consegue explicar a crescente onda conservadora?

A história é cíclica, toma emprestado e reordena elementos do passado. A América Latina tem transitado entre fases de políticas neoliberais e fases dominadas por políticas de esquerda. Por exemplo, durante a década de 1990, ocorreu uma forte onda neoliberal que dominou, principalmente, a América do Sul. Essa tendência iniciou-se após um período de políticas desenvolvimentistas e estatais que culminaram numa crise profunda em 1980.
 
No final dos anos 1990, ocorreu uma nova reviravolta que recebeu o nome de Onda Rosa, período em que a maioria dos votos foram destinados a trabalhistas, com demandas latentes como políticas de estado que garantissem a seguridade social da população.  Esse movimento iniciou-se na América do Sul com a eleição de Hugo Chavéz. Houve por aqui a ascensão de partidos de esquerda, mas que se caracterizavam por possuir administrações diferentes dos governos de esquerda tradicionais, pois não buscavam a substituição do capitalismo. Foi o que ocorreu, por exemplo, com o governo de Lula, do PT. Essas esquerdas alcançaram o poder com foco em políticas sociais, como, no Brasil, Fome Zero, Minha Casa Minha vida e o Bolsa Família.

 
Esse período de administração de governos de esquerda só começou a ser comprometido a partir de junho de 2013, ainda no governo Dilma Rousseff, do PT. Já havia ali, num então governo de esquerda, muito descontentamento e críticas armazenados se expandiram levando ao impeachment da ex-presidente do Brasil. Inicialmente, surgiram demandas por melhores condições de transporte, que motivaram as famosas Manifestações de junho de 2013. Posteriormente, surgiram outras tantas reivindicações: protestos contra gastos com estádios construídos para a Copa do Mundo de 2014, crítica à qualidade de serviços públicos: saúde, educação, segurança, revoltas contra a corrupção no cenário político e empresarial.  

O agravamento de uma grave crise econômica e os escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava Jato, envolvendo partidos tradicionais como o PMDB, PSDB e PT, fomentaram disputas ideológicas. Emergiram narrativas nas redes sociais que prejudicaram políticos não só de esquerda, como Fernando Haddad, como também de centro-esquerda.  Tanto aqui no Brasil como nos Estados Unidos, por exemplo, a candidatura da extrema direita soube explorar esses espaços abertos pelo crescimento de desigualdades e erros cometidos por partidos tradicionais da social democracia.

A paralisia dos principais partidos à época, PT e PSDB, bem como a incapacidade de implementar mudanças estruturais, a ênfase dada pelo próprio governo do PT muito mais à multiplicação dos consumidores (ao aspecto econômico) do que à construção da cidadania, levou o País à nostalgia nebulosa por uma política conservadora radical, autoritária, saudosa por regimes ditatoriais. Assim, o fenômeno Bolsonaro foi sendo impulsionado. O político, de perfil conservador, soube se apropriar da oportunidade estrategicamente.

Como se vê, há, atrelado ao contexto histórico, tantas outras questões que podemos observar que fomentaram a ascensão de Bolsonaro: fatores conjunturais, sociais, econômicos e políticos.
 
Países americanos sempre tiveram uma política apaziguadora, como explicar essa postura tomada pelos grandes lideres?

Não me sinto à vontade para um aprofundamento dessa questão, pois não é minha área de pesquisa e atuação. Entretanto, me arrisco a dizer que no caso do Brasil a tendência é de mantermos nossa posição apaziguadora e diplomática, a despeito de recentes episódios protagonizados pelo governo brasileiro que geraram tensão internacional e devem ser revistos e reavaliados.

Creio que o que temos presenciado em momentos recentes são situações pontuais, embora de grande repercussão internacional e que, espero, ficarão como aprendizados (muito embora essa lição já deveria ser de domínio de qualquer governo). Os episódios como o ocorrido entre Brasil e França, quando o presidente brasileiro demonstrou seguidamente desprezo pelo mandatário francês (e ainda seu filho, deputado Eduardo Bolsonaro, replicou um vídeo em que o presidente Macron foi chamado de “idiota” por um youtuber), denotam o amadorismo do atual governo no campo das relações internacionais.

Também vale aqui recordarmos outro trágico episódio, mais recente, protagonizado por Brasil e China, em março de 2020, em pleno cenário de Pandemia. Dessa vez, Eduardo Bolsonaro replicou mensagem nas redes sociais dizendo “A culpa pela pandemia de cornonavírus no mundo tem nome e sobrenome. É o Partido Comunista Chinês”. O embaixador Chinês, pelo Twitter, imediatamente protestou contra a desastrosa manifestação. Nessa oportunidade, o que ficou evidente é que as  consequências comerciais  e os impactos para as cadeias produtivas brasileiras em decorrência da manifestação, nem de longe, foram observadas. A relevância da situação levou o presidente da Câmara dos Deputados,  Rodrigo Maia, a pedir desculpas em nome do parlamento brasileiro, acrescentando que a atitude não condizia “com a importância da parceria estratégica Brasil-China e com os ritos da diplomacia”. De fato.

A China, bem como a União Europeia (grupo no qual a França é país estratégico), são fundamentais para as relações comerciais brasileiras. Restrições comerciais ao Brasil por parte da China, por exemplo, representariam um desastroso golpe ao PIB nacional. De qualquer forma, ainda que de maneira trágica, essas recentes crises diplomáticas deixaram importantes lições: uma delas é que foram fomentadas pelo despreparo pontual e desastroso do presidente brasileiro e de seu clã em relação às práticas de políticas internacionais. Não vejo, assim, o Brasil fora do eixo de uma política  apaziguadora. Acredito que devemos e continuaremos a caminhar diplomaticamente, com cautela, no cenário internacional, como é nossa tradição. Temos que estar atentos para os embates e jogos da política externa, pois existem interesses do Brasil, que devem ser perseguidos. Devemos estar atentos para um bom posicionamento na disputa geopolítica, tecnológica, comercial em nível mundial.
 
Como explicar um país que elege Trump após o governo Obama?

A eleição de Trump tem muito a ver com as estratégias contemporâneos utilizados na política. Uma tática comum entre o Trumpismo e o Bolsonarismo, por exemplo, é a pregação da nostalgia por um passado idealizado. Trump adotou o lema ‘Make America Great Again’, negligenciando detalhes da história norte-americana, como o genocídio de povos indígenas, a escravidão e os longos períodos de discriminação contra mulheres, negros, e migrantes. Bolsonaro, por sua vez, percorreu os obscuros caminhos da exaltação da Ditadura Militar no Brasil, período em que ocorreram práticas de tortura no País.

Em ambos os casos os governantes se utilizaram da tecnologia e de fake news para alavancar seus resultados nas eleições e fomentar suas narrativas nas redes sociais após suas vitórias, criando câmeras de eco, fazendo com que os eleitores fossem tomados por uma identificação com narrativas apaixonadas. Essas narrativas levam a um estado de negação em relação ao que veriam ou compreenderiam normalmente, ou seja, a possíveis críticas que fariam aos seus governantes. Trata-se de uma identificação afetiva com o grupo em que se inserem, a qual corre de forma irredutível. As pessoas, por meio de redes sociais, adotam, cada vez mais, um viés de seleção de informações por meio de grupos, como contas de Whatsapp.
 
Como a ideologia está inserida nesses níveis de pertinência?

As ideologias surgem por meio de relações sociais, econômicas e políticas, em contextos de ideias conflitantes. Um pilar das estratégias do Trumpismo e do Bolsonarismo tem sido o incentivo ao conflito,  ao medo, à raiva e ao ódio, com apologias à violência, escolhendo indivíduos e grupos minoritários para serem transformados em inimigos.

Esses grupos são eleitos como culpados pelos males que afligem a sociedade. Se tomarmos como exemplo o caso brasileiro, veremos que os inimigos elencados, além dos petistas (“comunistas”), seriam os ambientalistas (impedindo o desenvolvimento do País), os movimentos LGBTs (fomentando práticas “contraditórias aos valores da família brasileira”), os movimentos sociais, como MST (estimulando a “usurpação” da propriedade privada) etc.  No caso do Trumpismo, nos Estados Unidos,  os alvos prediletos têm incluído populações de novos migrantes, caracterizando mexicanos como ‘estupradores’ e mulçumanos como ‘terroristas’.

Essas ideias são fomentadas especialmente pelas redes sociais digitais, que têm amplificado vozes de políticos conservadores e, ao mesmo tempo, um tipo de polarização que inclui narrativas que envolvem o preconceito político, raiva, entusiasmo e ativismo em favor do ódio e da discriminação,  do moralismo, e não da discussão de ideias.  A disseminação dessas práticas extremistas são impulsionadas, muitas vezes, por agências profissionais de Marketing, usando robôs, e espalhando mensagens pré-fabricadas, muitas vezes falsas, que espalham-se de forma viral. A polarização política atinge, assim, partidos e instituições, como o Legislativo e o Judiciário. Ocorre, assim, a propagação de discursos que, na contramão do uso cívico que poderia ser feito da Internet, impõem o ódio e a difamação.
 
O que faz com que a população apoie essas formas de governo?

Penso que são inúmeros os fatores que levam os cidadãos a se alinharem a governos conservadores. Se observarmos a sustentação de acadêmicos, pesquisadores e diversos autores que se dedicam à questão encontraremos múltiplas respostas. Há alguns que atribuem o apoio da população a governos conservadores à fé: religião,  crenças  e valores (vide a clássica frase do presidente Bolsonaro “Deus acima de todos” como forma de angariar simpatizantes para sua estratégia de governo e liderança). Outros ao uso da tecnologia como instrumento de manipulação política (algoritmos e fake news induzindo a formação da opinião pública). Há ainda quem justifique o fenômeno pela crise de confiança nas instituições, em função de corrupção e desmandos dos governantes. Há também quem compute o apoio a essas formas de governo a questões econômicas (globalização, crises, desemprego galopante).

Por fim, de forma não menos relevante, há o alinhamento dos cidadãos com pensamentos conservadores e governos de direita devido à falta de condições, de aptidões para participação política, tanto no campo cognitivo, cultural  como instrumental.  Ou seja, haveria na sociedade falta de informação sobre as instituições e seus processos, bem como concepções disseminadas pelos meios de comunicação de massa, além de imagens públicas preponderantes que fomentariam o apoio da população a essas formas de governo. Nesse último caso, seriam questões do domínio do imaginário (como, por exemplo, as máximas circulantes de que todo político é corrupto).
 
A população sempre teve seus princípios conservadores e agora se sentem respaldadas com governos com essa ideologia?

Acredito que Bolsonaro percebeu brechas que outros candidatos não conseguiram mapear. Encampou temas como segurança pública e a liberação de armas, o nacionalismo, a retórica exaltada contra a corrupção e o antipetismo, o liberalismo radical almejado pelo mercado financeiro. Entretanto, o Brasil desde sempre contou com uma direita reativa, fundamentalista em relação à tradição e aos costumes. Talvez estivesse adormecida, mas não morta. Exemplos desses conservadores podem ser localizados na história do País: a entidade ultraconservadora Tradição, Família e Propriedade; a Ação Integralista Brasileira (AIB); a União Democrática Nacional.
 
Anelisa Maradei
Doutora em Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo e pela Universidade da Beira Interior, UBI, Portugal. Atualmente é Consultora na A.maradei Comunicação,  professora dos cursos de pós-graduação em Comunicação e Marketing da Universidade Anhembi Morumbi e da Universidade Municipal de São Caetano, USCS. É integrante dos grupos de pesquisa: COMUNI, Núcleo de Estudos de Comunicação Comunitária e Local,  Jornalismo Contemporâneo e Jornalismo na Comunicação Organizacional (JORCOM), vinculados ao CNPq, além de autora de diversos capítulos publicados em livros nacionais e internacionais.





 
REFERENCIAS 

CARMO. M < ONDA CONSERVADORA NA AMERICA DO SUL PASSA POR TESTE EM ELEIÇOES NO EQUADOR>BBC BRASIL. 2 DE ABRIL DE 2017. DISPONIVEL EM <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-39459751

MENDES.D < A ONDA CONSERVADORA BRASILEIRA > UNICAMP. 15 DE ABRIL DE 2019. DISPONIVEL EM <https://www.unicamp.br/unicamp/index.php/ju/noticias/2019/04/15/onda-conservadora-brasileira >

ALESSI.G < ANGELA ALONSO :"O BRASIL É UM PAÍS MUITO CONSERVADOR QUE NÃO MUDA FACÍL, NEM RAPIDO E NEM SER REAÇÃO"> EL PAÍS. 6 DE FEVEREIRO DE 2019 DISPONIVEL EM <https://brasil.elpais.com/brasil/2019/02/01/politica/1549050356_520619.html>

 
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