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26/12/2023 às 20h30min - Atualizada em 09/09/2020 às 16h02min

Os estudos dos mangás no Brasil

Bárbara Miranda - Editora Geek
Para muitos, as histórias em quadrinhos são consideradas um modo de entretenimento; para outros, pode ser um estilo de vida relacionado à Cultura Pop japonesa. No entanto, os mangás vêm se destacando ainda mais em outro conceito: o estudo da comunicação social. Por conta dessa questão, foi criado pelo Dr. Flávio Calazans o Núcleo de Histórias em Quadrinhos do INTERCOM, que tem o intuito de debater questões relacionadas à comunicação dos HQs dentro do ambiente acadêmico.
 
Bárbara Miranda: Por que você escolheu o estudo das HQs como tema das suas pesquisas?

Flávio Calazans: Fui alfabetizado por minha mãe com quadrinhos de Asterix e Tintin. Como convivo com a linguagem dos quadrinhos desde muito pequeno, cerca de três ou quatro anos de idade, muito antes de aprender a ler, não sei bem em que momento os quadrinhos chamaram minha atenção como pesquisador. Sempre pensei e questionei o que via e lia; fui ensinado assim desde muito pequeno. Minha família veio de Coimbra em 1538 para ser “notários” em Itanhaem (donos de cartório e bacharéis em Direito; minha formação jurídica vem de uma tradição familiar secular), e Itanhaem foi a segunda vila fundada no Brasil em 1532. Lá, minha família Andrade (o nome da praça da igreja é meu tio-trisavô) montou o “Gabinete de Leitura”, que foi a primeira biblioteca pública no continente da América do Sul.

Usei quadrinhos no meu bacharelado em Direito, no meu TCC em comunicação, no meu Mestrado e Doutorado na USP (estão no meu livro PROPAGANDA SUBLIMINAR MULTIMÍDIA, edSummus, sétima edição), e Pokemon é uma pesquisa de Pós Doutorado, foi feita após minha Livre Docência, que é um tipo de tese de pós-doutorado.

Sempre usei quadrinhos em minhas aulas de graduação e de pós-graduação. Também usei cinema e TV!

Bárbara: Que tipos de pesquisas são executadas no Núcleo de Histórias em Quadrinhos do INTERCOM?

Calazans: Cada pesquisador é livre e autônomo, submete sua pesquisa e três doutores a avaliam separadamente, selecionando as que têm inovação e qualidade científica para serem apresentadas no congresso. Os tipos são pesquisas científicas acadêmicas com rigor metodológico, objetivos, etc., cujo objeto seja os quadrinhos, mangá, cartum, charge, etc. Incluem-se filmes de cinema e séries de TV baseadas em personagens de quadrinhos, o efeito INTERMÍDIA entre quadrinhos e todos produtos da Indústria Cultural, de canecas e camisetas a vídeo-games e cinema, action figures, etc.

Bárbara: Como foi a criação do Núcleo de Histórias em Quadrinhos?

Calazans: Eu propus à diretoria do Intercom e, no ano seguinte, montei um protótipo; no terceiro ano, já éramos oficialmente um WORKGROUP ou Grupo de Trabalho de pesquisadores. Lançamos o livro VOLUME 7 da coleção GT Intercom “História em Quadrinhos no Brasil – Teoria e Prática” com as mais relevantes pesquisas apresentadas. Nosso grupo era o mais procurado, com plateias cheias de mais de 200 estudantes e pesquisadores. Após alguns anos sob minha coordenação, elegemos 3 doutores em comunicação para continuar meu trabalho, mas os donos do Intercom decidiram ignorar a eleição feita seguindo o próprio regulamento do Intercom e colocaram uma pessoa externa à nossa dinâmica que sequer era pesquisador de quadrinhos. Depois, colocaram um pesquisador idoso às vésperas da aposentadoria, e o grupo foi desfeito por desinteresse dos pesquisadores e do público. Dois ou três congressos depois, foi oficialmente extinto sob a responsabilidade de Waldomiro Vegueiro (Eca USP) e seus cúmplices Roberto Elísio de Santos, Gazy Andraus, Edgard Franco e Alexandre Valença Alves Barbosa.

Bárbara: Que tipo de informações/ideias os mangás podem fornecer para a discussão em sala de aula?

Calazans: Os mangás, como os quadrinhos da Europa e EUA, podem ser usados conforme o interesse de cada professor para ensinar desde matemática até Economia (Asterix, o álbum “Obelix e CIA”, o calvinista da “benção pelo lucro” Tio Patinhas da Disney, etc.) ou ciência política (Tintin no Congo, no Tibete, etc., Asterix “A cizânia” cujo personagem Tulius Detritus é a caricatura de Nicolò Machiavel, etc.) etc.

Bárbara: Os mangás podem ser usados para transmitir uma mensagem subliminar? Existem estudos sobre o tema no Núcleo? Se sim, quais estudos?

Calazans: Todas as técnicas subliminares empregadas nas Histórias em Quadrinhos, descritas por Will Eisner e Allan Moore, que desenvolvi no meu artigo, também são empregadas no Mangá.

Bárbara: Como professor universitário, você utiliza as HQs para estudo e como instrumento didático em suas aulas?

Calazans: Sim, após ter sido alfabetizado com Asterix e Tintin (e aprendendo História e Geografia neles, graças a minha mãe, avó e bisavó), sempre usei recursos áudio visuais nas aulas. Os 4 cursos na favela México 70 em São Vicente – litoral de SP – quando lecionei para professoras da rede estadual, cujo resultado foi o primeiro livro sobre HQ na escola do Brasil “História em Quadrinhos na Escola”, edPaulus terceira edição. A ideia é que nem o professor nem o aluno desenhem. Numa primeira fase, o professor deve identificar o que os alunos leem e pedir que eles tragam material. Iniciei esse projeto com cursos para professores da rede estadual de ensino de São Paulo. Em São Vicente, capacitei para o uso de HQ em sala de aula professores de escolas da favela México 70, que é a segunda maior favela do mundo, só perde para a da Rocinha. Na primeira vez, fui com a ideia de impor o que eu achava que deveria ser lido – Asterix para o ensino de História, Tintin para Geografia, super-heróis para Ciências. Tentamos levar isso para sala de aula e a reação foi terrível, porque os alunos não conheciam autores europeus. No meio do curso, eu inverti a situação. A proposta, então, foi a de utilizar o material que o aluno trazia. Em primeiro lugar vinha Maurício de Souza, em segundo lugar Disney e em terceiro super-heróis. Mas, chegavam também gibis de treinamento de fábrica e até pornô. O professor fazia a triagem e reaplicava o próprio material. Repetimos esse curso mais duas vezes e tivemos 100% de aceitação. Eles recortavam os personagens e aplicavam no flanelógrafo. Em um pedaço de madeira ou cartolina é grampeada a flanela em cima, ou ainda pode ser usada a própria flanela solta. Depois eles escrevem e colam os balões, enfim, criam sua própria história. Depois, o material pode ser xerocado, se houver verba para xerox. A ideia é trabalhar com o mínimo de verba.

Bárbara: Por que estudar a comunicação em mangás?

Calazans: A HQ é uma mídia visual tanto quanto o cinema, a TV, o outdoor e a fotografia impressa em jornal e revista; o mangá é ligado ao Anime (desenho animado), fazendo parte da INDÚSTRIA CULTURAL que Adorno descreve, grafosfera segundo a Midiologia de Debray.
Bárbara: Quais estudos estão sendo feitos sobre os mangás no Brasil?

Calazans: Considerando o tamanho continental do Brasil e ser a maior colônia nipônica fora do Japão, considero impossível arriscar uma estimativa do número de pesquisas em andamento na nossa circunscrição de espaço-tempo. Com certeza pode ser um número muito maior do que qualquer estimativa minha.

Bárbara: Que impacto os mangás podem “provocar” no comportamento (ou na formação cultural) dos leitores brasileiros?

Calazans: O mesmo impacto dos quadrinhos de super-herói, cinema e TV, com a diferença do mangá produzido no Japão trazer muitas vezes conteúdo com ensinamentos, enquanto os comics trazem apenas ação e superpoderes escapistas, e aqui raramente vemos publicado o quadrinho europeu a ponto de ser desconsiderável seu impacto.

Bárbara: Como você avalia os mangás produzidos no Brasil?

Calazans: Fui influenciado pelo Mangá de Claudio Seto e Fernando Ikoma publicados nas revistas da ed. Edrel dos anos 70. Não sou uma fonte isenta; posso dizer que marcaram meu estilo e linguagem como desenhista de quadrinhos e fizeram parte de minha formação de leitor e pesquisador de quadrinhos, juntamente com Crumb, Pichard, Wolinski e Crepax na revista GRILO e Will Eisner e Alan Moore na revista GIBI, todas revistas vendidas em bancas de jornal nos anos 70. Sobre os atuais, devemos observar se tratam-se de meras cópias de material nipônico ou se trazem algo intrinsecamente brasileiro que os distinga, se alcançam um status de produto cultural, maduro e autoral (como percebemos nas mulheres da geração 24 que revolucionaram a diagramação espacial da página e requintaram o recurso de flashback), caso contrário, nem merecem ser objeto de uma pesquisa séria.

Bárbara: De suas considerações sobre a pesquisa e o estudo dos mangás na Comunicação Social.

Calazans: Na minha avaliação pessoal e subjetiva, a mídia história em quadrinhos é muito desvalorizada nos cursos de comunicação (embora desde McLuhan nos anos 70 ter colocado os quadrinhos como preparação para entender a signagem narrativa visual da TV e Cinema no livro “Os meios de comunicação como extensão do homem”) e pouco estudada, tanto na forma de Quadrinhos tipo Comics dos EUA ou Mangá do Japão.

Refêrencia

PASSARELLI, Fernando. Flavio Calazans. Deus no gibi. Disponível em:< https://www.deusnogibi.com.br/entrevistas/flavio-calazans/ >. Acesso em: 10 de set. de 2020."
 
 
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