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02/10/2020 às 09h19min - Atualizada em 02/10/2020 às 09h03min

"Flor no peito": 100 anos de Clarice Lispector

Análise do livro "A hora da Estrela"

Adélia Fernanda Lima Sá Machado - Editado por Bruna Araújo
Academia Brasileira de Letras, Brasil Escola; Livro: A hora da Estrela
Capa do Livro/ Editora Rocco
“Esta história acontece em estado de emergência e de calamidade pública. Tratasse de livro inacabado, porque lhe falta resposta. Resposta esta que alguém no mundo me dê. Vós? É uma história em tecnicolor para ter algum luxo, por Deus, que eu também preciso. Amém para nós todos.” Essa é uma das primeiras partes da dedicatória ao autor, no caso, Clarice Lispector, da obra intitulada: “A hora da Estrela”, a sua última publicação em vida.

Logo após a dedicatória, Clarice Lispector enumera vários títulos possíveis que ela pensou para sua obra:

“A hora da Estrela” foi publicada pela primeira vez em 1977 e ganhou uma adaptação para os cinemas em 1985, que inclusive, em novembro de 2015, entrou na lista feita pela Associação Brasileira de Cinema (Abraccine) dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos. É um dos livros da 3° fase do modernismo mais conhecidos pelo público leitor.


Clarice Lispector traz um narrador para a sua história, o Rodrigo S.M, que na sua dedicatória, logo no início, deixa claro para o leitor que se transformará nesse ser fictício, com o intuito de mostrar uma outra faceta da escritora. Acredita-se que Clarice escolhe um homem para ser o narrador objetivando ser mais agressiva em determinados comentários e situações no decorrer da trama, deixando explícito uma crítica social (a primeira de várias) ao comportamento feminino, onde uma mulher deve conter-se ao expressar e se posicionar. 

A autora traz como protagonista dessa narrativa a jovem Macabéa, uma nordestina perdida no Rio de Janeiro. A jovem protagonista é órfã de pai, mãe e da tia que veio a ser sua responsável, sem mais familiares, muda-se para a capital e torna-se datilógrafa.

Quando se insere a condição de “perdida” para Macabéa, Clarice não limita a palavra apenas no contexto de ser uma jovem de uma outra realidade em um grande centro urbano, caracteriza-se como a questão da protagonista não conseguir se encontrar no seu próprio “eu”, não desenvolve sentimentos, nem afeições, possui vergonha e receio das próprias partes do seu corpo, no seu íntimo. Com isso, toda a trajetória do livro rodeia na busca do “eu”, da sua identidade, tanto de Macabéa, quanto do próprio narrador, Rodrigo S.M.

Dessa maneira, o livro caracteriza-se como um romance intimista, pois Lispector apresenta as questões psicológicas da protagonista e do próprio narrador onisciente, demonstrando sensações e emoções ao longo dos escritos, no qual até mesmo o leitor consegue se identificar. Essas características das marcações de emoções, sentimentos e análise psicológica pertence a 3° fase do modernismo e da forma de escrita da escritora, por isso o trabalho incrível na observação de cada pensamento e articulação de seus personagens.

Como citado anteriormente, Clarice apresenta várias críticas em sua obra, dentre elas as questões da condição feminina sustentado pela sociedade, vida e morte, alienação através da limitação da informação, dentre outros.

Essa pequena obra de Clarice consegue instigar diversos sentimentos em seus leitores, o que é positivo, pois mexe com os sentimentos e experiências de cada um, o que é levantado durante todo o seu escrito.

Alguns leitores apontaram pontos importantes durante uma pesquisa feita sobre a obra em uma rede social, descreveram que a obra dá notoriedade a questão do trabalho em excesso, que é o responsável por esconder ou até mesmo perder a identidade das pessoas, o que acontece com a protagonista. Já outros destacaram as questões sociais que também são muito presentes.

No caso da estudante de 20 anos, Maria Clara, a leitura de “A Hora da estrela” foi um espanto positivo.

Foi um espanto [positivo], o fim realmente me impactou. Eu tinha 16 anos quando li [foi a primeira história de Clarice que tive contato] e fui muito inocente. Revendo algumas partes hoje, percebo o quanto Macabéa existe no “meu eu” e no “eu” de Clarice. Enfim, todos deveriam ler e ter suas próprias experiências. A leitura é rápida, trata-se de uma novela, visto isso, o livro tende a ser curto.

O fim que a estudante de 20 anos aponta, realmente choca o leitor e deixa-o com uma positiva ressaca literária. Macabéa, em vida, não soube o que foi viver, foi submissa por todos, até mesmo pelas três Marias que dividiam o quarto em São Paulo com ela, “namorou”, foi desacreditada, traída e colocada sempre como inferior. Por não encontrar sua identidade, acreditava em tudo que falavam para ela, fosse pelo seu pequeno rádio (demonstrando alienação e inocência) ou o que fosse proferido pelo seu “namorado” Olímpico.


Macabéa: – O que quer dizer eletrônico?
Olímpico: – Eu sei, mas não quero dizer.
Macabéa: – O que quer dizer “renda per capita”?
Olímpico: – Ora, é fácil, é coisa de médico.

ALERTA DE SPOILER.

Clarice coloca o leitor a pensar sobre a obra e o seu fim por longos dias, sobre a vida e a morte. Será se foi o melhor para Macabéa morrer no fim? Será se ela morreu para de fato encontra o seu “eu”? Essa e outras dúvidas pairam no ar logo no fim da leitura, quando a obra se finda com:

“E agora — agora só me resta acender um cigarro e ir para casa.
Meu Deus, só agora me lembrei que a gente morre.
Mas — mas eu também?!
Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos.
Sim.”

 

De fato, Clarice Lispector foi uma grande escritora e o seu centenário deve ser lembrado e exaltado, grandes escritos e enormes reflexões.

As três linhas de reflexão dessa obra são: filosófica, social e estética, observar cada um deles presentes na obra são essenciais para a sua compreensão.

A hora da Estrela é só uma das várias obras incríveis dessa mulher inspiradora que compartilhou seus escritos com a importante 3° fase do modernismo brasileiro.

Leia “A hora da estrela” e conheça mais sobre Clarice Lispector.


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