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07/05/2019 às 11h25min - Atualizada em 07/05/2019 às 11h25min

Como Mortal Kombat 11 ajudou a fortalecer a imagem da mulher guerreira

O lançamento do jogo foi criticado por uma parcela de homens insatisfeitos com o novo formato das personagens femininas. O design, contudo, é um reflexo das mudanças ocorridas em nossa sociedade

Carolina Rodrigues - Editado por Bárbara Miranda
Personagens femininas no Mortal Kombat 11. Na ordem: Frost, Kitana, Cetrion, Cassie Cage, Skarlet e Jacqui Briggs | MONTAGEM: Carolina Rodrigues
Não é de hoje que transformações vem acontecendo em várias mídias. No mundo dos vídeo games não é diferente. Adaptações são providenciadas com o objetivo de fornecer uma experiência satisfatória aos jogadores. O problema é quando uma mínima parcela desse nicho se mobiliza nas redes sociais para “chorar” por um motivo que se revela, nos dias de hoje, como necessário. Basicamente, jogadores de Mortal Kombat se uniram nas redes sociais para culpar o socialismo por remodelar as personagens do jogo, tornando-as feias. A primeira matéria sobre o caso foi postada por Alex Dalbey e Ana Valens no site The Daily Dot, logo traduzida pela equipe do Garotas Geeks.
 
Em abril, William Usher, do blog One Angry Gamer tuitou: "todos estão rindo das mulheres feias em #MK11. Se as decisões de design no #MK11 são para alcançar algo, então espere por personagens femininas no modo ‘#BatalhaDeBurca’ no #MK12, assim você não precisa se preocupar em ver suas caras feias". Seu tuite alcançou mais de 500 curtidas e mobilizou diversas pessoas que, em parte, responderam debochando de sua infantilidade ou concordando com a crítica descabida.
 
 

FONTE: printscreen
 
"Fodam-se as pessoas que gostaram do design feminino da NetherRealm em MK11 também! Vocês são o motivo por termos um lixo de personagens femininas como essas", um seguidor comentou, revoltado, sobretudo, com o novo design da personagem Sheeva, agora com o rosto quadrado marcado, cabelo em estilo moicano e com uma armadura que a protege de verdade. Assim como as outras personagens, já estava na hora de ser desenvolvida de acordo com as suas principais características. Sheeva é metade humano e metade dragão. Que aspectos ela deveria ter?
 
Sheeva em jogos anteriores | FONTE: tumblr.com
 
Não podemos deixar de parafrasear Liao em sua matéria para o site Garotas Geeks:
 
 
“Até porque as personagens femininas de Mortal Kombat 11 ainda são muito atraentes e, sinceramente, mesmo que não fossem, são personagens de um jogo de luta, não atrizes pornô. O propósito delas não é fazer seus pintos subirem, é fazer vocês lutarem, criarem estratégias e batalharem ¯\_(ツ)_/¯”.

 
A constante objetificação e submissão das personagens femininas dentro dos jogos faz com que esse tipo de idealização seja tomada na vida para além dos jogos. Ainda mais quando vemos, há tantos anos, mulheres indefesas esperando algum príncipe encantado salvá-las ou usando trajes que não condizem com a sua verdadeira missão – como Lara Croft, sexualizada há mais de 15 anos com roupas justas e curtas, o que não faz sentido, já que ela vive correndo perigo em suas aventuras.
 
Desde que o mundo é mundo, a mulher é reprimida ao universo doméstico, a servir ao homem e viver sob caracterizações que as denominam como inferiores, submissas, indefesas e dependentes. No mundo dos jogos não é diferente. O decorrer da história eletrônica edifica a objetificação do corpo feminino e a construção do que é ser mulher dentro desse cenário.

Acontece que a realidade é outra há muito tempo.

AH NÃO! MULHER NA PARTIDA. PERDEMOS
 
De acordo com a quinta edição da Pesquisa Game Brasil (PGB), realizada em 2018, 75,5% dos brasileiros jogam jogos em smartphones, consoles e computadores. Desse total, 58,9% são mulheres. Elas são maioria entre os jogadores do país há três anos.
 
Mesmo assim, muitas delas já passaram por situações constrangedoras. Para escrever essa reportagem, cinco mulheres envolvidas no mundo dos jogos foram convidadas a falar como é ser mulher numa indústria que ainda permeia o machismo. Todas elas afirmaram já ter passado por situações de preconceito apenas por serem mulheres.

Depoimento de alguma das entrevistadas | MONTAGEM: Carolina Rodrigues
 
Trazer modelos femininos mais reais para dentro dos jogos é uma das formas de incentivar mais mulheres a fazerem parte desse mercado. Até porque, segundo a analista de eSports e streamer, Ravena Lunarfox, “não existe nenhum motivo particular para que as mulheres não recebam o mesmo reconhecimento que os homens nos jogos”. Ela e a narradora de eSports, Jéssica Lilian, não levam em consideração se o personagem é mulher ou homem, mas as habilidades que podem proporcionar a elas uma jogatina muito mais interessante. 

Já as outras três streamers, Larih Mage, Feefa e Dani Vinci gostam quando encontram personagens femininos disponíveis para jogar.

Dani se sente poderosa quando encontra uma personagem feminina. Para ela, quando a protagonista não reflete apenas seu lado “sensível”, é como se fosse uma reafirmação de que podemos ser o que quisermos. Por mais que também jogue com personagens masculinos, na maioria das vezes, a streamer Larih Mage prefere jogar com mulheres, numa tentativa de buscar representações de si mesma. “Eu nunca gostei da sexualização criada em cima das personagens femininas de Mortal Kombat”, ela comenta e explica seu ponto de vista: “Não vejo problema em existir personagens femininas ou masculinas que tenham parte do corpo mais exposta, mas também quero outras opções. Eu curto a ideia de role-play, então se eu puder sentir que aquela personagem representa o que eu sou, provavelmente será a minha escolha”.

Feefa acrescenta ao comentar sobre o acerto na reformulação das personagens de Mortal Kombat. Na sua opinião, nos jogos anteriores as roupas não condiziam com o tipo de ação executada no game. “Não sexualizar as mulheres é importante, porque valoriza a história das personagens, tornando-as cada vez mais interessantes, para além dos corpos”, ressalta. Como aconteceu com a já citada Lara Croft. Em 2013 a personagem ressurgiu numa versão remodelada, em trajes adequados, de acordo com a história do jogo.
 
Suas personalidades são representadas em suas formas mais genuínas, sem distrações por conta de trajes curtos ou homens que aparecem para salvá-las. Mulheres que inspiram outras mulheres a, justamente, provarem que podem. - Feefa
 
A inserção da mulher como parte do público alvo no ambiente gamer, junto às discussões sobre feminismo, representatividade e inclusão, mostra um cenário que a cada dia passa por renovações.

O território, antes, marcado pela presença masculina em peso começa se a inverter. O mercado se modifica de acordo com reivindicações feitas, também, pelas jogadoras.

As entrevistadas são unânimes em suas conclusões: ter mais modelos femininos tanto dentro dos jogos quanto na própria indústria traz mais representatividade ao dia a dia delas e de várias outras mulheres gamers.

Para Jéssica Lilian, muita coisa mudou, mas ainda há um longo caminho pela frente. “É só acompanhar campeonatos femininos e o caso das Vaevictis em League of Legends para perceber o quanto a comunidade ainda precisa melhorar. Quanto mais mulheres no cenário, mais estímulo o público feminino recebe para ser mais participativo. Se não tem representatividade, as mulheres acham que não são capazes de chegar lá”.

A participação das mulheres em jogos competitivos, feiras e empresas quebra o paradigma de que o mundo gamer é só para os homens. Dani Vinci sublinha esse novo momento em pleno crescimento. “Ocupar esses espaços é oficializar que podemos gostar e ser o que quisermos”. Isso gera apoio, convite e força entre as mulheres gamers.

Larih, streamer desde outubro de 2015, conta ter visto muita coisa mudar de lá para cá.  Mesmo ainda existindo preconceito contra meninas no universo gamer, elas persistem, marcando território e conquistando seu espaço e sucesso. A valorização da personagem feminina fortalece comunidades e incentiva outras produtoras a lançar mais jogos com mulheres fortes; reflexos da nossa sociedade atual.

As coisas estão mudando. A cada dia, conseguimos desmistificar ideias ultrapassadas e mostrar a relevância social da mulher. Quando um jogo de grande alcance como Mortal Kombat traz modelos femininos apropriados ao ambiente do jogo, o discurso de gênero é fortificado, mostrando que a objetificação da mulher a mero símbolo sexual é coisa do passado. Novas massas são atingidas, criando, de forma gradual, uma comunidade menos tóxica e mais abrangente. Agora, guerreiras estão ganhando o papel que mereciam há muito tempo. E o diálogo permanece; imprescindível para que essas mudanças – pequenas, mas com uma carga simbólica muito grande – ocorram.

Para conhecer as mulheres que participaram da reportagem:

Larih Mage: Instagram - Twitter - Twitch
Feefa: Instagram - Twitter - Facebook
Dani Vinci: Instagram - Twitter - Twitch
Jéssica Lilian: Instagram - Twitter - Twitch
Ravena Lunarfox: Instagram - Twitter -  Twitch

REFERÊNCIAS:
 
Redação Galileu. Mulheres são maioria entre gamers brasileiros, revela pesquisa. Disponível em: <https://revistagalileu.globo.com/Tecnologia/noticia/2018/05/mulheres-sao-maioria-entre-gamers-brasileiros-revela-pesquisa.html>. Acesso em 3 de maio de 2019.
 
Liao. Gamers estão culpando o socialismo por fazer mulheres em Mortal Kombat "feias". Disponível em: <http://www.garotasgeeks.com/gamers-estao-culpando-o-socialismo-por-fazer-as-mulheres-em-mortal-kombat-feias/>. Acesso em 2 de maio de 2019. 

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