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13/11/2020 às 16h42min - Atualizada em 13/11/2020 às 16h35min

Chilenos aprovam nova Constituição com ampla maioria

O documento será escrito por uma Comissão Constituinte formada 100% por novos constituintes e paridade de gênero

Cesar Fontenelle - Editado por Ana Paula Cardoso
REUTERS
No dia 25 de outubro, a Praça Itália, em Santiago, voltou a lotar de manifestantes e Carabineiros (polícia ostensiva chilena). Dessa vez, não houve confrontos entre os dois lados como os vistos em 2019 e dias anteriores ao plebiscito nacional. Agora, os chilenos comemoravam empunhando a bandeira do país e a do povo indígena originário do Chile, Mapuche.

O motivo da comemoração é o resultado do plebiscito aprovado pelo presidente Sebastián Piñera para reescrever ou não a Constituição do país, que data de 1980, durante a ditadura de Augusto Pinochet. Antes mesmo de todas as urnas fecharem, as ruas já estavam tomadas por cidadãos que festejavam a decisão. Uma nova Constituição foi uma das principais demandas dos manifestantes que ocuparam as ruas do país nos últimos meses.

Com 99,8% das urnas apuradas, os resultados apontavam 78,2% dos votos como favoráveis a uma nova Constituição. Além disso, 79% preferiram que o texto seja debatido por uma nova comissão a ser eleita em abril de 2021.

A Assembleia Constituinte será formada com paridade de gênero (50% mulheres e 50% homens). Na votação do dia 25, os eleitores também decidiram que ela não será mista, com metade dos assentos destinados a parlamentares em exercício, mas sim inteiramente formada por novos membros eleitos, sem necessidade de filiação partidária.

Andres Lopez, 23, foi um dos que compareceram à Plaza Dignidade, como foi rebatizada a Praça Itália, principal local de encontro dos manifestantes nos últimos meses. Ele se diz muito satisfeito com o resultado da votação, mas afirma que os protestos não terão fim, pois ainda há vários manifestantes presos, além de desejarem a renúncia do presidente Sebastián Piñera. Desde o início dos protestos, em outubro de 2019, já foram mais de 30 mortes, mais de 4 mil feridos e mais de 10 mil presos. Um ano atrás, no dia 25 de outubro de 2019, 1,2 milhões de pessoas se concentraram na Praça Itália, conhecida nas redes sociais como “a maior marcha do Chile”. Cinco dia antes, dez mortes de manifestantes ocorreram por disparo de policiais e incêndio.

Alexandre Queiroz, doutorando em História pela USP, esteve em fevereiro em Santiago e se surpreendeu com a intensidade dos enfrentamentos entre manifestantes e a polícia, mas também com a organização dos grupos que protestavam. “As cenas de embate violento existiram, e foram bastante exploradas pela mídia, mas havia muitos espaços onde se cantava Victor Jara tranquilamente. Conviveram diferentes extratos e perfis na manifestação, de militantes que aludem ao governo de Salvador Allende a jovens avessos à política tradicional”, descreveu o pesquisador.

É importante frisar que Victor Jara, mencionado pelo Alexandre, foi um compositor chileno que gerou uma revolução na música popular durante o governo de Salvador Allende, mas que logo após o golpe militar de 11 de setembro de 1973, foi preso, torturado e fuzilado. Durante os 17 anos do regime de Pinochet, estima-se que cerca de 3.200 pessoas tenham sido mortas ou dadas como "desaparecidas", e que 28.000 tenham sido torturadas pelo Estado.

Os manifestantes divergem quanto a reforma da Constituição. Alexandre lembra que no início dos protestos, que ela não era a pauta inicial do movimento, mas sim a dimensão que as demonstrações de insatisfação adquiriram, tornou-se quase uma solução de compromisso entre o Estado e a sociedade civil.

“Mas, diante de um Estado de Direito que se mostrou ineficiente em expurgar o ‘entulho’ autoritário da Ditadura, há uma descrença, visível entre comunistas e anarquistas, mas também entre os 'apolíticos', quanto a real mudança que uma nova Constituição poderia promover. Até porque ela será promulgada sob o governo direitista de Sebastián Piñera”, disse.

Perguntado sobre a possibilidade de o processo constitucional chileno poder inspirar outros países da região por uma nova Carta Magna, mais justa e mais a ver com o século XXI, Alexandre afirma que essa abrangência é menos visível em outros países latino-americanos, mas a inspiração pode vir de duas formas. Primeiramente, pelo adensando ou informando pontos específicos, como equidade de participação política entre gêneros, a nacionalização de setores estratégicos, nos direitos indígenas ou dos homossexuais. E também mais gerais, como a própria natureza e as funções do Estado, considerando a história recente e a sociedade atual.

Por fim, o historiador lembra que convocar uma constituinte não necessariamente pressupõe uma atualização e aprimoramento das funções do Estado, essa pode ser uma brecha para a diminuição dos direitos sociais, algo que poderia ocorrer aqui no Brasil. “De forma geral, na perspectiva interna ou na comparada latino-americana, a reforma constitucional chilena não basta em si mesma, mas pode integrar e impulsionar um movimento progressista. Mais uma vez, a exemplo da via chilena para o Socialismo nos anos 1970, o Chile passa por uma experiência política significativa ao qual podemos observar e apropriar à nossa realidade”, afirmou.

 
 
 
 
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