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09/05/2019 às 22h00min - Atualizada em 09/05/2019 às 22h00min

As palavras que desenham o cenário das favelas brasileiras

Livro – Quarto de despejo: Diário de uma favelada

Pâmela Dias - Editado por: Leonardo Benedito
Reprodução da Internet
Na década de 50, a cidade de São Paulo encantava os olhos dos viajantes e dos moradores locais que insistiam em ignorar que a metrópole mais afamada da América do Sul estava enferma e necessitava de cuidados. Tinha úlcera: as favelas.

Nas favelas habitavam os favelados, em seus quartos de despejo. A lei Maria da Penha ainda não existia e os maridos castigavam suas esposas escancaradamente, para cego ver e as crianças também. Lá, bebida era o paliativo nos momentos bons e ruins e a única coisa que não existia era solidariedade. Ver o vizinho com um pedaço de carne que custou 28 cruzeiros causava inveja, era luxo em tempos em que o arroz e feijão tornaram-se os novos ricos.

Imersa nesse enredo da realidade encontra-se Carolina Maria de Jesus, mãe de três filhos: João José, Vera Eunice e José Carlos que, juntamente ao resto (assim considerados), na favela do Canindé, vivem o mal da época e dos pobres: a fome. Sem nada para comer, em vez de xingar como os outros, Carolina escrevia em seu diário todas as lembranças que praticavam e vivenciavam os favelados, incluindo ela mesma, a fim de não suicidar-se em meio às desilusões.

A fome tinha cor amarela e os castigava diariamente. Então, como forma de sobrevivência, a mãe, condenada e sem marido, catava papel e ferro nas ruas e os vendia, o que lhe rendia o pão e o açúcar para o café da manhã. Mas, em tempos de chuva e egoísmo dos coletores de lixo, que também vendiam os materiais recicláveis e não deixavam para os desempregados, ela ia ao lixão e recolhia os restos de alimentos estragados que eram descartados pelas indústrias nas favelas. A culpa de todo sofrimento era de Kubitschek, Jânio e todos os outros políticos, que direcionavam-se para os favelados para pedir votos, mas, assim que eleitos, os esqueciam. Não congelavam os preços e nem os davam auxílio.

Mas, o mal dos pobres também era oriundo do preconceito. Ser preto favelado era sinônimo de rejeição, pois, ou era marginal ou bebum, quando não os dois. Se até os pretos não gostavam dos seus, a única coisa que restava, para Carolina, era que “Deus iluminasse os brancos para que os pretos fossem felizes”.

Ao escrever um diário, um gênero de texto pessoal e singular, a autora, que é personagem, ultrapassou os limites da individualidade e deu voz à coletividade miserável e anônima que habita nos diversos quartos de despejo do país. A narração diária com linguagem simples, a que os erros gramaticais só conferem maior realismo, faz compreender e imaginar o que não se esperava que existisse. Nas periferias da cidade o povo não tem voz, o governo age por interesse e os animais são todos considerados irracionais.

Escrito de 1955 a 1959, o diário de Carolina Maria de Jesus descreve a atualidade.

A fome ainda mata.

O preconceito ainda corrói.

Os favelados ainda são animais.

O governo ainda não os assiste.

Em uma de suas linhas, Carolina dita a dicotomia da vida: “Segui pensando nas desventuras das crianças que desde pequeno lamenta sua condição no mundo. Dizem que a princesa Margareth da Inglaterra tem desgosto de ser princesa”.

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