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27/11/2020 às 16h04min - Atualizada em 27/11/2020 às 15h22min

Crônica: O adeus para um Deus mortal

Deus dentro das quatro linhas, humano fora delas: a vida e obra de Diego Armando Maradona

Miguel Vicente - editado por Wesley Bião
Maradona erguendo a taça da copa do mundo (Foto: Estadão Conteúdo)
Diego Armando Maradona, o gênio da pelota. El Pibe, apelido que foi lhe dado carinhosamente pelos seus apaixonados e fiéis torcedores foi um jogador incrível. Não há palavras com tamanha exatidão para definir o que esse rapaz fez com a bola, era algo extraordinário. O menino de Lanús nasceu com um dom mágico, com que poucos tiveram esse privilégio de ser concebido. As “La Cancha” desse mundo tiveram o prazer de sentir esse argentino com toda sua maestria provocar em nossas emoções um misto de admiração, carinho, enaltecimento, paixão, raiva, desespero, medo e ternura pelo seu espetacular futebol.

A vida de Maradona, sem dúvida, foi um tango: dramática, sofrida e apaixonante. Embora alguns o julguem pelo seu comportamento intenso e extravagante, não podemos negar sua personalidade forte e sincera. Como todo mortal teve seus erros e acertos. No campo que era sua casa, ele errou, falhou e se desculpou. Na sua vida pessoal ele falhou com ele mesmo. Sua luta contra seus vícios foi a parte mais dramática em sua jornada nesse mundo. Nem o tango, com toda a sua dramaticidade seria capaz de traduzir toda essa fraqueza que ele obteve em sua vida. Também não cabe a nós julgar. Até porque, como diz o significado da palavra, julgar é formar conceito, emitir parecer ou opinião sobre alguém ou algo – e ninguém tem essa capacidade de sentir o que o craque sentia. Ninguém. Como iremos achar o que era bom ou ruim para ele? Ele viveu como ele gostaria de ter vivido e ponto.

Por obra do destino ou acaso, Maradona faleceu no mesmo dia que o seu grande amigo e mentor Fidel Castro. Há exatamente quatro anos, no dia 25 de novembro, o político revolucionário deixou esse mundo. A amizade deles dois era algo marcante. "Me ligaram de Buenos Aires e foi muito chocante. Acabei caindo em um choro terrível, porque ele foi como um segundo pai para mim" – declarou na época da morte do amigo.

A Copa do Mundo teve o prazer de receber esse gênio da bola. O canhotinho deixou o mundo perplexo com seus dribles e tamanha habilidade. A sua corrida com a bola colada no pé, suas gingas de peladeiro de menino que jogava pelas “canchas” nos bairros pobres de Bueno Aires virou marca registrada. Os defensores e marcadores tremiam quando ele se aproximava. Não havia o que fazer. Como parar? O que eu faço? Nesse momento já era tarde. El Pibe já tinha passado sem nenhum pudor ou pena do adversário.

Quando lembramos de Copa do Mundo e Maradona não podemos esquecer daquele jogo de 1986, Argentina x Inglaterra, até porque seria uma blasfêmia não mencionar esse fato. Seria uma ingenuidade tamanha tratar esse jogo como um outro qualquer de Copa do Mundo. Como os argentinos e ingleses esqueceriam que há quatro anos eles estavam se gladiando Guerra das Malvinas? O sentimento ferido argentino de quem teve sua honra sendo tirada por ingleses impiedosos naquele campo de batalha dava a tônica da partida.

Quatro anos se passaram e uma nova batalha foi imposta para ambos. Foi em um jogo de futebol. Não havia sangue, feridos ou mortos, mas tinha algo naquele jogo que transcendia da esfera lúdica do esporte: o orgulho ferido dos argentinos. E, como um grande general, Maradona executou todos os ingleses sem usar nenhuma arma. Ou melhor, até usou: uma chamada “bola”. O que Dieguito fez contra os ingleses foi algo tão surreal e fantástico que a família britânica ficaria de joelhos para reverenciar o Rei –  não inglês, mas argentino. Não tem como explicar nem mesmo descrever essa exibição.

O gol à “mão de Deus” foi só a entrada. O prato principal foi um gol épico. O argentino recebeu a bola no meio de campo, sem nenhum pudor ou pena, passou por cinco ingleses como se estivesse bailando um tango de Carlos Gardel e correu com a bola colada no seu pé, como uma dançarina nas margens do Rio da Prata, e na saída do goleiro deu um toque com maestria e leveza, marcando o gol que será sempre o maior de todas as Copas. O povo no estádio, incrédulo e perplexo com a magia de um Deus mortal, aplaudiu.

Diego Maradona mudou um país. E não foi só a sua amada Argentina. A cidade de Nápoles faz reverência ao seu ídolo sempre que é possível. O jogador marcou época para este povo tão sofrido da província italiana. O meia trouxe alegria para esses torcedores. Em campo, cada partida do Napoli era um colírio para seus súditos e, ao mesmo tempo, um nó na garganta para os nortistas preconceituosos, que muitas vezes se referiam à cidade sulista como perigosa, suja e com pessoas pobres e preguiçosas. Essa paixão entre napolitanos e Maradona chegou a seu ápice na Copa do Mundo de 1990, quando a argentinos e italianos viveram um confronto nas semifinais. Dieguito, inteligente, provocou os seus súditos dizendo: “Durante 364 dias do ano vocês são considerados pelo resto do país como estrangeiros em seu próprio país e, hoje, têm de fazer o que eles querem, torcer pela seleção italiana. Eu, por outro lado, sou napolitano os 365 dias do ano”. Não houve se quer um napolitano naquele dia que teve a audácia de torcer para a seleção do seu próprio país.

Um gênio com a bola em campo. El Pibe deixou muita alegria para quem ama o futebol. Sua magia com a bola era algo inexplicável e, ao mesmo tempo, prazeroso para quem estava assistindo. Quando ele entrava em campo os craques viravam jogadores normais.
 
"Se morrer, quero voltar a nascer e quero ser jogador de futebol. E quero voltar a ser Diego Armando Maradona. Sou um jogador que dei alegria paras as pessoas e isso me basta e sobra”. Estamos esperando você voltar um dia, El Pibe. Adiós!

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