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11/05/2019 às 18h29min - Atualizada em 11/05/2019 às 18h29min

Desemprego cresce e população negra é a mais atingida

Negros registram um índice de desemprego de 4,6% maior do que a média para a população branca

Alan Magno

No Brasil o número de desempregados registrado no primeiro trimestre de 2019 aumentou em 1 milhão e 235 mil em relação aos últimaos três meses do ano passado. Negros registram um índice de desemprego de 4,6% maior do que a média para a população branca. Os dados são referentes à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgado no dia 30 de abril. Segundo o levantamento, o total de pessoas à procura de emprego no país chegou a 13,3 milhões e a taxa de desocupação marcou 12,7%, uma alta de 1% com relação ao trimestre passado.  Apesar do cenário geral, a crescente realidade do desemprego esconde em si, marcas de desigualdades históricas, sociais e culturais.

Conforme dados da PNAD, ao longo de toda a série de análises, iniciado em 2012, a taxa de desocupação da população preta foi maior do que da população branca. Em 2017 alcançou uma média nacional de diferença de 4,6 pontos percentuais, a maior já registrada. No Brasil, o estado mais desigual foi o Espírito Santo, com a taxa de desocupação dos pretos superando a dos brancos em 6,9 pontos percentuais.

O Doutor em Sociologia, especialista em economia e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Aécio Alves de Oliveira ressalta que o cenário de crises no mercado de trabalho apresenta raízes históricas da constituição da economia nacional. Os fatores determinantes de uma crise se acumulam por anos antes de gerar uma situação problemática. “São conjunturas econômicas, governo nenhum é capaz de criar empregos. O que cria empregos é a empresa. Quando a empresa tem perspectiva de expansão ela cria emprego, quando ela não tem, ela corta”, reforça.

Para o especialista, as diretrizes do sistema capitalista geram o ambiente de crise em um movimento cíclico de expansão, declínio, recessão, depressão e uma nova expansão, afetando as estruturas da sociedade e seus indivíduos. O economista também afirma que mesmo uma crise geral não afeta todos igualmente. “Afeta mais quem ? afeta negro, vai afetar mulher, aí vai um componente cultural e histórico profundo que ninguém conseguiu superar ainda, que no caso, são as discriminações em geral”. O professor definiu ainda o mercado de trabalho como “um segmento marcado por essa história, por essa cultura de classificar e explorar um “ser” inferior”.

Traços da desigualdade

Em sala de aula, Sara Correia procura trabalhar sempre que possível questões sobre empoderamento e as diretrizes prescritas pela lei 10.639, que estabelece as normas e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira". A professora e especialista em Propaganda trabalha como educadora há pelo menos 10 anos e diz que já passou por diversas situações complicadas em sua carreira. Entre elas, o racismo.

Sara conta que um dos casos que mais marcou sua trajetória na procura por empregos, foi quando ela foi à uma entrevista, no ano de 2017,  em uma escola particular. Ela relata que foi bem recebida e apresentada às dependências da escola. Lembra que houve uma conversa sobre horário, salário e planos de aula. No final, quando Sara achava que tudo já estava certo, a recrutadora acabou perguntando sobre como ela costumava usar o seu cabelo, porque preferia que ele fosse utilizado da forma mais discreta possível.

Sara lembra que ficou confusa e indagou a mulher qual seria essa forma discreta de usar o próprio cabelo. “Finalmente fui informada que deveria alisar meu cabelo, pois os pais dos alunos veriam com maus olhos uma professora com o cabelo tipo o meu. Fiquei horrorizada, pois percebi que não seria contratada caso não cedesse e que mais uma vez eu estava passando por um caso de racismo”, desabafa.

A professora disse ainda que perguntou à mulher se ela tinha conhecimento que isso se tratava de racismo e que era crime. Sara relembra que a recrutadora ficou desconfiada, mas acabou pedindo desculpas, dizendo que não era racista, que o cabelo não tinha nada a ver com isso e que era apenas uma regra da escola.

Sara revela que ficou extremamente nervosa após o caso. Não teve condições psicológicas de tomar nenhuma medida, por isso não registrou boletim de ocorrência. “Não registrei BO, pois fiquei muito abalada emocionalmente por alguns dias, mesmo não sendo a primeira vez que isso tenha acontecido”.

Quando questionada sobre o sentimento que fica após situações assim ela diz que há dentro dela um “desejo de tentar modificar essa conjuntura de branqueamento, onde nos obrigam a anular traços e características étnicas de forma a nos aproximarmos dos “padrões brancos”. Sara afirma ainda que “o incidente não foi direcionado à cor da minha pele, mas a uma característica específica que faz parte da identidade negra, a reação é sempre de tristeza e revolta, principalmente ao me dar conta de que não foi a primeira e nem será a última vez que passarei por isso”, finaliza.

No Brasil, o racismo no mercado de trabalho não se configura somente na admissão, o recorte da pesquisa do IBGE referente a População Ocupada, aquela que exerce alguma atividade remunerada, mostra a predominância de negros em atividades de menor rendimento, maior informalidade e com mais esforço físico. No setor da agropecuária, representam 60,8% dos trabalhadores, na Construção, 63% e no setor de Serviços domésticos equivalem a 66% dos profissionais. 

Nos empregos informais, a população negra também é maioria. Já nas áreas de saúde, educação e serviços sociais, os brancos configuram a maioria. A pesquisa revela ainda que o grau de escolaridade não influencia diretamente nessa diferença. Profissionais negros com o mesmo nível de instrução de profissionais brancos, ainda enfrentam maior dificuldade na hora de conseguir um emprego.

 

 

Ceará: exemplo de resistência

O apontamento realizado pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, divulgado no dia 24 de março revela que o Ceará registrou o fechamento de 7.965 postos de trabalho, sendo 4.638 só no último mês. Fortaleza foi o município que mais fechou postos de trabalho em toda região Nordeste no mês março.

Dentro desse cenário adverso, visando combater o desemprego e o racismo no mercado de trabalho, surgem iniciativas de solidariedade e resistência. Mickaela Correia, gerente comercial, e Josélia Silvestre, estudante do curso de Engenharia Agronômica da Unilab (Universidade Federal da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira), decidiram criar uma rede de apoio e divulgação desses profissionais no Instagram, a Profissionais Negros Ceará.

Elas contam que a ideia surgiu a partir da necessidade de ter serviços de outros profissionais negros no mercado. “Eu quero gastar meu dinheiro com aquele que é semelhante a mim. O consumo pautado de forma racial e de qualidade.”, ressalta Josélia. Para isso, as idealizadoras da rede costumavam buscar no google e não encontravam nenhum preto em algumas áreas. Então começaram a buscar entre amigos e colegas e decidiram categorizar esses perfis na página. 

“Nós ganhamos menos, não somos reconhecidos, a quantidade de pretos em cargo de gerência ou criação neste país é baixíssima, apesar de sermos maioria da população. Além disso os números de negros em trabalhos informais são alarmantes”, destaca Mickaela. Os profissionais são divulgados por vontade própria, solicitando através de direct no instagram (serviço de mensagem), ou por indicação. Elas também usam o perfil para divulgação de pessoas que já conhecem. “Quando acontece diretamente, foi por algum serviço que foi prestado a nós no dia-a-dia, queríamos ver mais pessoas divulgando pretos que não estão nas redes sociais, aí sim nosso trabalho seria completo", destaca.

A veterinária Monique Santos, formada pela Universidade Federal da Bahia, foi a primeira divulgada pela rede. Ela mora no Ceará há três anos e hoje trabalha em uma clínica veterinária no Eusébio, onde atua como dermatologista veterinária. Monique conta que um cliente, amigo das idealizadoras da página, acabou indicando-a para o perfil. A partir da divulgação na página, muitas pessoas têm procurado seus serviços.

Ela avalia como positiva a criação da rede, uma vez que, além de reforçar a ideia de circulação do dinheiro entre pessoas negras, essa iniciativa valoriza o grupo, pois fortalece serviços e uma renda sendo gerada entre eles. Sobre a profissão, a veterinária sente que ainda é muito desvalorizada. Monique acredita que apesar do mercado pet vir crescendo a cada dia, as pessoas ainda não valorizam o médico veterinário da mesma forma que valorizam o médico humano.

Ser tachada pela cor da pele não é fácil e a veterinária entende muito bem disso. Ela conta que já passou por diversas situações de racismo. Em dos desses episódios, ela diz que alguns clientes reclamaram aos donos da empresa em que ela trabalha, alegando que seu cabelo não era ‘profissional’. “Foi péssimo, chorei bastante, mas depois aprendi a ignorar esses comentários”, relembra.

Quando questionada sobre seus sonhos, ela conta que quer ter o próprio consultório para atender somente na área da dermatologia. “Meu maior sonho é virar referência na área de dermatologia veterinária aqui no ceará. Por ter esse sonho, essa é a minha maior motivação. Todos os dias eu acordo e venho trabalhar porque eu quero chegar nesse objetivo”, finaliza.

Outra vida tocada pelas ações da página é a de Andy Osorio, designer, músico, e publicitário formado pela Universidade Federal do Ceará. Ele é cabo-verdiano e veio para o Brasil há 12 anos como intercambista estudar pelo Programa de Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G) e acabou ficando no país. Conheceu o projeto pelo instagram e decidiu enviar seu currículo para mostrar sua versatilidade no mercado. O fato de ser conhecido só por ser músico pela maioria das pessoas o incomoda.

“As pessoas não sabem ou não perguntam que eu me formei em publicidade. O que eu faço pra me manter, acho isso estranho. Acontece muito das pessoas quererem colocar as pessoas negras em certos papéis. Alguns teóricos já trabalham com isso, tem lugares demarcados para as pessoas negras. Algumas áreas são mais elitistas e as pessoas (negras) têm que provar o conhecimento a todo tempo”, ressalta Andy. Ele acredita que a rede é importante para desmistificar esses lugares demarcados na história, mostrar os negros em diferentes áreas do mercado. Mas acredita que é necessário fazer a sociedade entender as motivações para a criação de projetos como a  Profissionais Negros. Uma delas é a ótica do reconhecimento profissional.

Desde quando chegou no Brasil, Andy já fez amizade com intercambistas de vários países e para ele as diferenças nas relações com brasileiros são muito notórias quando se comparam a outros países. Ele entende que a aparência é um fator de peso nas entrevistas. Conta que tem sempre que cortar o cabelo e retirar os brincos, mas essas questões são muito sutis e dificilmente vão aparecer explicitamente nesse contato. “É como se fosse uma preparação de entender que no Brasil isso era levado em consideração”, salienta. Ele relembra uma situação em que enviou um currículo, sem foto, em 15 minutos recebeu uma resposta positiva e foi convidado para entrevista. A conversa continuaria pelo whatsapp, mas Andy não teve mais resposta. Ele acredita que após o responsável pela contratação visualizar sua foto no aplicativo de mensagens, não quis continuar o contato.   

A rede profissionais negros hoje tem foco no Ceará, porém iniciou um projeto na Bahia, e futuramente pretende chegar em outros estados. Além disso, Mikaela e Josélia estão  desenvolvendo um site que terá foco nacional e poderá ser visitado por recrutadores de todo o país. Pretendem promover feiras, cursos e em junho deste ano vão realizar segunda edição da Suor Preto, festa voltada aos profissionais, onde é feita por negros e para negros. “O nome vem do suor de nosso trabalho que sempre foi árduo e trilhado por nossos ancestrais”, finaliza Mikaela.

Luta

Uma das principais referência da luta pela igualdade racial no brasil é o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (hoje apenas MNU). Organização social que surgiu da insatisfação de um grupo de jovens negras e negros com o discurso nacional hegemônico no ano de 1978 e foi sendo disseminado pelo país como um elo entre todos os negros e negras do Brasil, um espaço para somar forças e lutar por seus direitos e ideais.

No Ceará, o responsável por instituir oficialmente o movimento no estado foi o advogado José Florêncio da Silva, que iniciou suas ações contra o racismo ainda na universidade, em meio ao cenário de repressão do período da Ditadura Militar. O ativista destaca que o racismo é uma fato social e histórico pertinente que se fundamenta na segregação e dominação e que exige uma resposta intensa por parte da sociedade.

Para o ativista, as políticas públicas de igualdade racial ainda são muito poucas e incapazes de lidar com a totalidade da questão do racismo, “eu acho que é um trabalho ainda muito insipiente, eu não conheço um trabalho de fato que gere uma mudança concreta por parte das políticas de igualdade racial”. Além disso, Florêncio critica a incapacidade do estado de estimular as denúncias referentes ao crime de racismo e injúria racial e também a fragilidade da lei ao enquadrar as denúncias em cada crime, para ele “as pessoas não denunciam quando denunciam não levam em frente porque se sentem desestimuladas pela polícia, pelo ambiente da delegacia”, finaliza.

Denúncia

A Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Virgínia Porto, diz que “a parte das provas são as mais complicadas, uma vez que, a relação da seleção no emprego é o empregador que escolhe uma série de variáveis, qualidades e competências para decidirem a seleção dos empregados. A prática discriminatória nesses casos fica muito velada”. Fato que faz com que muitas vezes a denúncia não seja encaminhada de forma efetiva, pela fragilidade das provas e a dificuldade de como enquadrar a denúncia dentro das diretrizes legais que condenam o racismo. Virgínia complementa dizendo que “essa é a grande perversidade do racismo estrutural que baliza toda nossa sociedade”.

Quando se sofre um caso de racismo na área das relações de trabalho o órgão mais efetivo para receber denúncias é o Ministério Público do Trabalho. Virgínia diz que as denúncias também podem ser feitas através de um boletim de ocorrência ou por meio das  Comissões de Direito do Trabalho e de Direitos Humanos da OAB-Ceará.

Virgínia diz ainda que hoje não existem políticas públicas voltadas para esses casos. Ela explica que existe apenas uma legislação proibindo essas práticas e que ela estabelece algumas penalidades administrativas. “No ponto de vista cível e criminal são as mesmas penas para qualquer tipo de racismo. Na relação de empregos, o que nós temos é uma legislação que tenta promover a igualdade racial nas relações de trabalho. Mas não existe nenhuma política pública sendo desenvolvida para esse público específico e para responder à essa demanda social, que é denunciada na pesquisa”, lamenta.

A presidente da Comissão reforça  ainda é sempre importante se precaver. Desde o primeiro contato, a pessoa pode ir analisando e guardando todo tipo de conversa, e-mails, áudios e informações que, juntas, possam culminar em provas. Além disso, se possível, a vítima também deve buscar o apoio de  testemunhas para levar o caso à frente e concretizar a denúncia, que é de suma relevância e de grande importância na luta contra o preconceito racial no país.

Como identificar

É importante saber identificar e não hesitar em denunciar. O racista quase nunca se considera preconceituoso. Caso a vítima se sinta constrangida e/ou humilhada, estando ou não evidente, a pessoa atingida tem o direito de levar o caso adiante.

Injúria Racial

A injúria consiste em ofender a honra de alguém valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem. O alvo é um único indivíduo. O prazo para denúncia é de até seis meses e há a possibilidade de pagamento de fiança por parte do criminoso. As penas estão previstas no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal. Para este caso, a pena de reclusão pode ser de um a três anos e multa, além da pena correspondente à violência, para quem cometê-la.

Racismo

O crime de racismo implica conduta discriminatória dirigida a determinado grupo ou coletividade e, geralmente, refere-se a crimes mais amplos. Nesses casos, cabe ao Ministério Público a legitimidade para processar o ofensor. O crime pode ser denunciado a qualquer momento e não existe a possibilidade de pagamento de fiança por parte do criminoso. As penas são previstas no Art. 20 da Lei 7.716/89.

Serviços de Denúncia:

Qualquer delegacia de polícia está autorizada a registrar o Boletim de Ocorrência e iniciar o processo de investigação referente aos crimes de injúrias. Para casos ocorridos no meio trabalhista, além das delegacias podem ser procurados o Ministério Público do Trabalho de sua região ou entrar em contato com a Comissão de Direitos Humanos e do Direito do Trabalho da OAB de seu estado.

Apuração de Alan Magno, Lívia Lira e Rauithy Gomes

Edição Raiane Duarte

 

 




 

 

 

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