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27/01/2021 às 17h02min - Atualizada em 27/01/2021 às 16h50min

Drama, medo e angústia - Um raio-x da violência contra a mulher

A violência psicológica afeta tanto a vítima, que ela nutre o sentimento de dor e culpa na hora de expor todo do sofrimento

Lorenzo Rivero - Editor: Ronerson Pinheiro
Ilustração pede o fim da violência contra a mulher - Foto: Agência Brasil/Reprodução
Um tema muito presente, mas pouco discutido nos tempos atuais é a violência contra a mulher. Com a pandemia e o isolamento social adotado para conter o avanço da Covid-19, o número de denúncias de agressões contra as pessoas do sexo feminino, teve um aumento de 2% no primeiro semestre de 2020 em comparação ao mesmo período de 2019. É o que aponta um levantamento realizado com exclusividade pelo portal G1.

Só no primeiro semestre de 2020 1.890 mulheres vieram a óbito de forma violenta. 33,1% desses crimes foram motivados pelo simples da condição de ser mulher. Casos de lesão corporal tiveram uma queda de 11%, estupro 21% e estupro de vulnerável 20%.

Rondônia é o estado que teve o maior aumento no índice de mortes de mulheres; 255%; 4,4 a cada 100 mil, seguido do Acre que apresentou a maior alta no número de feminicídios; 1,8 a cada 100 mil.

De acordo a Delegada Tatiana Bastos, da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM), é importante que a vítima tenha um atendimento, os encaminhamentos corretos e seja amparada pela Lei Maria da Penha, para que consiga sair desse ciclo de violência. “É importante que a vítima tenha todo o atendimento e todos os encaminhamentos da Lei Maria da Penha o quanto antes, justamente para que ela possa sair o mais rápido possível desse ciclo de violência evitando a tendência que é a progressão e as violências continuadas”, explica a delegada.

A Lei Maria da Penha também enquadra agressões psicológicas. O crime de violência verbal, afeta profundamente a saúde mental da pessoa agredida, e muitas das vezes, tem o namorado ou ex-companheiro como principal agressor.

A violência começava com falta de respeito e transformava em violência psicológica. “O meu relacionamento durou cerca de um ano, onde houve casos de abuso psicológico e violência. Dentro desse tempo a gente começou a confundir desentendimento e falta de respeito. Tudo começou quando ele me afastou das minhas amizades, controlava as fotos das minhas redes sociais, roupas que eu usava e depois começou os xingamentos e alteração de voz”, conta Luana Silva, 21, vítima de agressão verbal.

Normalmente as agressões começam com uma pequena briga ou uma alteração de voz. Logo após, podem se transformar em uma violência ainda mais grave. “Aconteceu a primeira violência física. Foi em uma noite que ele dormiu aqui em casa e nesse dia ele ameaçou me bater e realmente bateu. Ficaram marcas no meu corpo e nesse dia eu resolvi botar um ponto final nisso. Demorou alguns meses para ele aceitar o término, pois ele vinha em minha casa sem avisar, gritava na frente da minha casa e mandava mensagens me desrespeitando”, desabafa, Luana.

Sentimento de culpa

Segundo dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação, do Ministério da Saúde (Sinan), 48 % das vítimas apontam namorados, cônjuges ou ex-parceiros como principais autores das agressões. O Disque 180 registrou um aumento de 36% em casos de violência doméstica no ano de 2020, segundo a Agência Brasil.

A violência psicológica afeta tanto a vítima, que ela nutre o sentimento de dor e culpa na hora de expor todo do sofrimento, explica a Psicóloga Yene Rossana. “É um misto de dor e culpa, que bloqueia a pessoa na hora de falar sobre o assunto, inclusive, em muitos casos, de denunciar o abuso sofrido. Como boa parte deles acontece na infância e adolescência, o medo de ser questionada, de que não acreditem na sua versão dos fatos, é paralisante”, explica Yene.

De mãos atadas

A violência doméstica oriunda entre quatro paredes pode vir do próprio pai, padrasto, tio e até os próprios avós. Ana Clara, 25, começou a ter medo de ficar sozinha dentro da sua própria casa por causa do padrasto. “Eu tinha 12 anos, minha mãe trabalhava no hospital, ela fazia muito plantão à noite. Quando minha mãe ficou com meu padrasto, eu comecei a ter sentimento de pai por ele. Eu tinha 10 anos quando eles se conheceram, ele não morava com a gente, eu ficava sozinha em casa quando a mãe trabalhava”, conta. “Em uma dessas noites eu estava dormindo e acordei sentindo uma mão na minha perna. Quando eu olhei era ele (padrasto) ele ficou todo sem graça e eu sem reação. No outro dia isso se repetiu. Falou que estava me tapando. Passou duas semanas, eu senti uma mão nos meus seios, quando abri o olho era ele novamente. Perguntei o que ele estava fazendo e ele apenas falou: estava te tapando”, completa Ana.

Os abusos se transformaram em assédio psicológico uma vez que “agressor” começou a ameaçar a vítima, lhe dizendo “eu posso fazer o que quiser contigo que a tua mãe não vai acreditar”. Em um determinado momento, Ana Clara, ficava com receio de permanecer em casa sozinha. “Chegou num ponto que eu tinha medo de a mãe ir trabalhar e eu ficar sozinha em casa. Minha mãe notou. Numa dessas noites, ela foi trabalhar e ele veio de novo com a mão nas minhas roupas íntimas. Ele pediu e implorou para eu não falar para a mãe e eu não falei. Eu acho que na cabeça dele ele pensou que eu gostei ou que eu estava com medo. Passou uns dois meses ele começou a fazer tudo de novo, eu estava tomando banho e ele olhava. Um dia eu esperei minha mãe chegar e contei tudo que estava acontecendo. Ela não acreditou em nenhuma palavra que eu falei”, explicou Ana Clara. “Em uma briga que tivemos ele me bateu e minha mãe não estava em casa. Tudo começou de novo, começou a me torturar, me bater, debochava da minha cara e falava: eu posso fazer o que eu quiser contigo que tua mãe não vai acreditar”, completa a vítima.

O medo de represálias por parte do agressor e em expor todo o sofrimento para terceiros, faz com que a grande maioria das vítimas, sofram caladas, uma vez que os abusos e agressões trazem marcas familiares. “Eu acabava aguentando muita coisa por medo. Eu perdi as contas de quantas vezes ele fez isso comigo. Uma delas eu falei que ia contar tudo para a mãe e ele pegou, me segurou, tirou a cueca e começou a se esfregar em mim. Ele realmente quis ter relação sexual comigo. Acho que ele só não conseguiu ter por Deus, porque não tinha nada para impedir. Ele não pensou em nada, parecia que estava com ódio no olhar”, desabafa.

Violência e seus tipos

Violência contra mulher: é qualquer conduta – ação ou omissão – de discriminação, agressão ou coerção, ocasionada pelo simples fato de a vítima ser mulher e que cause danos, morte, constrangimento, limitação, sofrimento físico, sexual, moral, psicológico, social, político ou econômico ou perda patrimonial.

Violência de gênero: violência sofrida pelo fato de se ser mulher, sem distinção de raça, classe social, religião, idade ou qualquer outra condição, produto de um sistema social que subordina o sexo feminino.

Violência doméstica: quando ocorre em casa, no ambiente doméstico, ou em uma relação de familiaridade, afetividade ou coabitação.

Violência familiar: violência que acontece dentro da família, ou seja, nas relações entre os membros da comunidade familiar, formada por vínculos de parentesco natural (pai, mãe, filha etc.) ou civil (marido, sogra, padrasto ou outros), por afinidade (por exemplo, o primo ou tio do marido) ou afetividade (amigo ou amiga que more na mesma casa).

Violência física: ação ou omissão que coloque em risco ou cause danos à integridade física de uma pessoa.

Violência institucional: tipo de violência motivada por desigualdades (de gênero, étnico-raciais, econômicas etc.) predominantes em diferentes sociedades. Essas desigualdades se formalizam e institucionalizam nas diferentes organizações privadas e aparelhos estatais, como também nos diferentes grupos que constituem essas sociedades.

Violência intrafamiliar/Violência doméstica: acontece dentro de casa ou unidade doméstica e geralmente é praticada por um membro da família que viva com a vítima. As agressões domésticas incluem: abuso físico, sexual e psicológico, a negligência e o abandono.

Violência moral: ação destinada a caluniar, difamar ou injuriar a honra ou a reputação da mulher.

Violência patrimonial: ato de violência que implique dano, perda, subtração, destruição ou retenção de objetos, documentos pessoais, bens e valores.

Violência psicológica: ação ou omissão destinada a degradar ou controlar as ações, comportamentos, crenças e decisões de outra pessoa por meio de intimidação, manipulação, ameaça direta ou indireta, humilhação, isolamento ou qualquer outra conduta que implique prejuízo à saúde psicológica, à autodeterminação ou ao desenvolvimento pessoal.

Violência sexual:  – ação que obriga uma pessoa a manter contato sexual, físico ou verbal, ou a participar de outras relações sexuais com uso da força, intimidação, coerção, chantagem, suborno, manipulação, ameaça ou qualquer outro mecanismo que anule ou limite a vontade pessoal. Considera-se como violência sexual também o fato de o agressor obrigar a vítima a realizar alguns desses atos com terceiros.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019, a pena para “estupro” pode variar de 6 há 10. Quando o ato é praticado e a vítima tem entre 14 e 18 anos, consideramos “estupro de vulnerável”, com um agravante na pena de 8 há 14 anos de reclusão. “Quando eu tinha uns 13 anos, eu fazia curso de inglês e costumava pedir táxi pelo aplicativo para poder ir para o curso. Em um dia, peguei um taxi e era um motorista já de idade e no caminho ele começou a puxar assunto, fazer elogios, começou a acariciar meu rosto, minha perna, parava na sinaleira e ficava me olhando”. Na hora eu mandei mensagem para minha mãe, tirei print do aplicativo que constava a placa, nome do motorista, carro e número de celular. Logo registramos o B.O (boletim de ocorrência) e no outro dia tive que depor para explicar o que tinha acontecido. O meu pai chegou a ligar para o motorista para pedir explicações, mas ele negou o que tinha acontecido”, relata Sophia Alves, 19, vítima de estupro de vulnerável.



Editora-chefe: Lavínia Carvalho. 

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