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06/02/2021 às 12h12min - Atualizada em 06/02/2021 às 11h48min

Memorial Inumeráveis: com homenagens às vítimas da Covid-19 o site mostra como é possível humanizar estatísticas

O Memorial online posta homenagens nominais às vítimas da pandemia no país, revelando por meio das palavras que por trás de cada número de mortos há uma pessoa e sua história

Maria Mendes - Editado por Camilla Soares
Fonte: Memorial Inumeráveis / Reprodução: Facebook

“Tinha dois sonhos: um era viver até os 100 anos o outro era ter sua barraca reformada pelo Luciano Huck”, o trecho faz parte do tributo à Maria de Lourdes Gonçalves Freire, uma mulher corajosa que partiu do Ceará com seus três filhos menores no colo para o Rio de Janeiro, deixando para trás os horrores da fome e da convivência com um marido abusivo e violento. Trabalhou duro para criar os filhos, foi diarista, cozinheira de restaurante, costureira, arrumadeira de motel e, posteriormente, virou camelô vendendo lanches, bolos e café no terminal 350 no bairro da Lapa (Rio de Janeiro) em sua barraca. Essa história foi uma das mais marcantes para Ana Marcarini, voluntária no Memorial Inumeráveis.


No último dia 5, o Brasil superou 230 mil óbitos pela pandemia após 16 dias com média de mortes acima de mil. “Não há quem goste de ser número, gente merece existir em prosa”, essa é a frase que o Memorial Inumeráveis traz após os tributos no site. Os números de mortes atualizados e somados todos os dias são parte das notícias diárias há quase um ano. Cada número carrega consigo e representa uma pessoa com toda sua história e subjetividade. É a partir desse ponto que surgiu o Memorial, para mostrar que os mortos pela Covid-19 são mais que apenas estatística.

 

“Memorial dedicado à história de cada uma das vítimas do coronavírus no Brasil”, assim se apresenta o Inumeráveis no site e nas redes sociais. Lançado no dia 30 de abril de 2020, o Memorial é uma obra do artista Edson Pavoni em colaboração com Rogério Oliveira, Rogério Zé, Alana Rizzo, Guilherme Bullejos, Gabriela Veiga, Giovana Madalosso, Rayane Urani, Jonathan Querubina, além de jornalistas e voluntários.

 

“Um dia eu vi o Edson dando uma entrevista na TV e ele contou sobre o Inumeráveis. Eu fiquei louca com a ideia. Porque aquilo de ver as pessoas serem tiradas do hospital num saco preto acabava comigo”, conta Ana sobre como conheceu o Memorial. Ela, após uma busca na internet, se inscreveu para ser voluntária e ingressou em maio como escritora, depois começou a fazer contato, passou para o grupo de jornalistas e virou tutora. 

 

Em 15 de março de 2020, Ana recebeu uma visita de seu filho e nora, ambos médicos do SUS, usando máscaras e mantendo distância e o motivo era para falarem da seriedade do Coronavírus, que não os veria por um bom tempo pessoalmente por segurança e fizeram ela e o esposo prometerem que iriam tomar todos os cuidados de prevenção. No começo, a voluntária consumia informação com voracidade acompanhava de telejornal a artigo científico, daqui e de fora. Além disso, conta que logo tomou consciência do impacto social, da desigualdade, da falta de recursos e do desemprego.

 

“A visão das estatísticas foi uma coisa muito impactante pra mim. Eu sempre trabalhei com estatísticas na minha área e sempre briguei com o meio acadêmico sobre a necessidade de enxergar naqueles gráficos as pessoas por trás dos números. Não interessa que 2% das crianças da região X deixem de aprender porque estão subnutridas. Eu quero saber: por que estão subnutridas? Quem são os responsáveis? Cadê o poder público? Quem são essas crianças? E o mais importante: o que podemos fazer para reverter esse quadro?”, disse Ana que é psicopedagoga e atende crianças e adolescentes com transtorno de aprendizagem.

 

“Nós estamos tirando da invisibilidade milhares de histórias de vida encobertas pelos números fatais da pandemia no Brasil. E eu vejo isso como uma sementinha de humanidade que estamos plantando”, disse Rayane Urani. Como seu marido participou da concepção digital do Memorial, ela acompanhou o processo de perto, se conectou com o propósito do projeto e, assim que teve a oportunidade, se candidatou como voluntária.

 

Rayane resolveu tirar um ano em que não está focada no mercado e se dedica exclusivamente ao Memorial. Para ela, um dos casos que mais a marcaram foi um que soou como uma confirmação em sua vida, era uma situação em que os filhos e a segunda esposa do homenageado discordavam sobre a publicação do tributo. “Começou em um tom de ressentimento e terminou com nós dois chorando ao telefone por ele ter compreendido que o mais importante era preservar a memória do pai dele”, assim a voluntária conta como foi a conversa por telefone com o filho de um homenageado. Ela, enquanto mediadora, ligou para as duas partes e conversando com amor e empatia, como destaca, conseguiu que chegassem em um lugar comum. 

 

O retorno mais significativo que Ana recebeu foi acompanhado de dois novos amigos, que por coincidência são xarás de seu genro e nora,  e um encontro marcado pós-pandemia. Tudo começou com um relato feito pelo genro da homenageada, Luiz, e a filha Mariana também começou a fazer parte do tributo.  Após um longo processo, eles escreveram uma carta aberta como homenagem para Olga Stela, aquela que “preferia aproveitar o caminho a se preocupar com o destino”, como escreveram na carta.

 

Ao longo desses meses, Rayane conta que guarda no coração muitas histórias com carinho por se conectar com homenageados, se identificar com as emoções dos familiares ou por serem de pessoas próximas. Histórias como a da costureira Genizarete que a lembra das mulheres incríveis de sua família, como o relato de Maria Tayná, filha de Francisco Luciglaucio, que tinha no seu pai o melhor amigo, assim como ela, como o Paulo que é tio de sua melhor amiga. “Outras eu consigo até encerrar a cena, como seu Luiz Schifini chegando no céu e sendo recebido por São Judas Tadeu”, disse.

 

Todas as histórias mencionadas e inúmeras outras estão disponíveis no site do Memorial Inumeráveis.


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