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12/02/2021 às 08h51min - Atualizada em 12/02/2021 às 08h26min

"Chapeuzinho Amarelo" e a questão do medo

O livro escrito por Chico Buarque em 1970 traz questões atuais até hoje

Ianna Oliveira Ardisson - Editado por Andrieli Torres
Fonte/Reprodução: Google
Quantas vezes sentimos medo e deixamos de realizar algo que seria importante para nosso crescimento? Quantas vezes deixamos de experimentar coisas novas e ficamos acomodados em nossa zona de conforto? Quantas oportunidades já perdemos porque o medo nos parou? É só medo que nos paralisa ou junto a isso estão o sentimento de incapacidade e a pressão psicológica por parte de outras pessoas que nos fazem desacreditar? É preciso pensar sobre esse assunto e ter atitudes em relação ao medo para termos uma boa saúde mental.
 
Chico Buarque, cantor mundialmente conhecido, nascido no Rio de Janeiro em 19 de junho de 1944, é também escritor, ele publicou em 1970 o livro Chapeuzinho Amarelo. Essa obra foi condecorada com o selo Altamente Recomendável para Crianças da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). É uma obra da categoria infantil, mas seu conteúdo consegue alcançar todas as idades. Ao ter contato com o enredo, somos desafiados a vencer nossos medos, encorajados de forma lúdica a enfrentar todo “lobo” que vez ou outra teima em nos espantar.
 
“Chapeuzinho tinha cada vez mais medo do medo do medo de um dia encontrar um lobo. Um lobo que não existia.”  Essa passagem da história nos leva a refletir sobre esse “medo do medo do medo”, foi nesse estado de pavor que Chapeuzinho Amarelo se encontrava em um momento da sua jornada. Quando o medo chega a dominar completamente a pessoa e ela passa a ter “medo do medo”, estamos diante de um problema que precisa ser superado. Paralisados nesse medo perdemos as oportunidades que surgem. Um detalhe é que ela tinha medo de “um lobo que nem existia”. Assim como a garotinha, tantas vezes nos preocupamos e criamos lobos assustadores que nos impedem de agir sendo que nem sequer existem.
 
Chapeuzinho Amarelo tinha tanto medo que ficava paralisada, nem para brincar ela tinha coragem. Medo comum nas crianças que ainda estão descobrindo o mundo, mas do qual os jovens, adultos e idosos não estão imunes visto que também enfrentam situações novas em suas vidas. Muitas vezes nossa vida se parece com a da Chapeuzinho Amarelo: “não brincava mais de nada, nem de amarelinha.”

A psicóloga Daniela de Alcântara explica como o medo pode prejudicar nossas vidas.
“O prejuízo acarretado pelo medo acontece quando alguém deixa de fazer coisas triviais do cotidiano ou até mesmo abre mão do convívio social devido a esse sentimento. Uma pessoa que vive com medo de alguma coisa, permanece em constante estado de alerta, o que pode custar inclusive, a saúde física e emocional dela”.

O medo de fazer algo antes mesmo de tentar está relacionado à intenção do indivíduo em se proteger como expõe Daniela.
“Como o medo é um regulador emocional, cada indivíduo vai sentir receio do desconhecido, na intenção de se preservar ou de se proteger. Porém, quando isso acontece com uma frequência maior do que a natural, onde as pessoas conseguem transpor os obstáculos de dificuldade, isso pode gerar transtornos ligados à ansiedade - o que pode agravar o quadro de saúde mental da pessoa.”
Também ligados ao sentir medo, estão o sentimento de incapacidade e a pressão psicológica. Segundo a psicóloga, o sentimento de incapacidade "paralisa porque a pessoa se coloca numa situação de fragilidade, onde ela mesma não consegue se defender". Já a pressão psicológica também atua na piora das situações de medo, de acordo com a Daniela, a pressão psicológica "abre possibilidades para a pessoa ser dominada em algum relacionamento abusivo, mostrando que o medo não cumpriu sua função primária de proteção".

Chapeuzinho era “amarelada de medo”. A vida dela era restrita, se privava de viver por causa dos medos. Eram muitos medos que a atormentavam, dentre tantos; tinha medo de cair, medo de pesadelo. “Não ficava em pé com medo de cair. Então vivia parada, deitada, mas sem dormir, com medo de pesadelo”.

O medo tem também sua função positiva em nossas vidas. Não podemos viver totalmente livres dele, Daniela aponta o medo como “regulador emocional”.
“A função principal do medo é nos proteger. É como se fosse um alerta do organismo informando que há um perigo real diante de nós. É a consciência que se tem diante de uma situação perigosa. Não podemos viver sem ele. Por isso, tanto a ausência dele quanto o excesso (caracterizado pela fobia) significa que a regulação emocional não está bem definida. O medo é um regulador emocional e o seu maior benefício é nos mostrar que precisamos reagir diante de um perigo”.
Aos poucos, Chapeuzinho percebe que o lobo não era assim tão terrível e se enche de coragem para o enfrentar. “Mas o engraçado é que, assim que encontrou o Lobo, a Chapeuzinho Amarelo foi perdendo aquele medo do medo de um dia encontrar um Lobo”. Diante do medo, na situação real, muitas vezes, descobrimos, assim como a Chapeuzinho, que não estávamos diante de nenhum monstro. As situações precisam ser enfrentadas para descobrirmos o que existe de possibilidades ao transpor essa barreira.
 
Chapeuzinho Amarelo consegue superar seus medos, e por fim, enfrenta o lobo e consegue até rir do medo que antes sentia. É muito prazeroso olhar para um medo que tivemos e ver que foi superado, a vontade é de fazer como ela, olhar para o medo e rir dele. Cara a cara com o Lobo foi isso que aconteceu. “Ele gritou: sou um LOBO! Mas a Chapeuzinho nada. E ele gritou: sou um LOBO! Chapeuzinho deu risada”.

Daniela orienta sobre como proceder, não para se livrar do medo, já que não podemos viver sem ele, mas para lidarmos da melhor maneira em situações em que ele aparece:
“Como ele é um regulador emocional, não podemos viver sem ele. É uma emoção que regula a euforia, por exemplo, quando ela está descontrolada. Outra situação comum é que ele regula o comportamento invasivo. Nos protegemos de pessoas violentas, tendo medo de algumas atitudes delas. Assim, o medo é fundamental. Porém, quando ele passa a dominar nossas emoções, pensamentos e comportamentos se torna disfuncional. Uma das maneiras de saber se ele está funcionando bem é identificar a situação que causa medo e se questionar o quanto esse perigo realmente existe. Por exemplo: você pode ter medo de barata e isso provocar pavor. Mas, de fato, a barata não vai lhe fazer mal somente por se aproximar de você. Ela faz mal por andar no lixo e na sujeira, sendo vetor de transmissão de doenças. Então, ela sinaliza que você deve manter a casa organizada e limpa. Dessa forma, ao pensar racionalmente no real perigo ligado ao medo, podemos enfrentá-lo. Outra dica é identificar suas habilidades e capacidades que já te colocam em vantagem para enfrentar o 'perigo eminente'. Enfrentar pequenas situações perigosas, ter pequenas ousadias, nos torna mais fortalecidos para não sentirmos medos disfuncionais”.
Chapeuzinho Amarelo enfrentou seus medos e passou a viver uma vida divertida e de grandes descobertas. Que o contato com essa história possa te desafiar a vencer os “lobos” que têm te paralisado em sua caminhada.
 

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