O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL), em 11/02, decidiu mudar o Comitê de Imprensa para o subsolo, mas acabou reconsiderando sua posição e ordenou que a partir de segunda-feira (15/02) os jornalistas irão trabalhar em uma sala anexa ao atual comitê.
Ao se instalar na sala que é ocupada por profissionais da imprensa - e ter acesso direto ao plenário - , com o argumento de que o propósito é “aproximar o presidente dos deputados”, Lira evitará ter que passar pelo Salão Verde, onde é comum deputados serem parados e questionados a respeito de votações e medidas polêmicas. Esse é o segundo ato que se contrapõe ao seu discurso de campanha, no qual falava em maior participação dos parlamentares e transparência.
Desde a transferência do Legislativo para Brasília, na década de 1960, o Comitê de Imprensa ocupa o espaço ao lado do plenário onde ocorrem as votações. O projeto do arquiteto Oscar Niemeyer de 1958, o Palácio do Congresso Nacional é considerado um dos cartões postais da capital brasileira, que compõe-se de um edifício principal - na horizontal, com duas torres de 28 andares conectadas pelo centro, formando um “H” -, que serve como plataforma para as duas conchas, uma virada para baixo (abriga o Plenário do Senado Federal) e outra para cima (Plenário da Câmara dos Deputados). Segundo a Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (ABRIG) a estrutura da Câmara é virada para cima porque representa o povo, o poder que vem de baixo para cima.
Tombamento
Ao longo dos anos, ex-presidentes da Câmara dos Deputados formularam projetos para trocar o Comitê de Imprensa de lugar. Antes de Arthur Lira houve tentativa na gestão do PT com Arlindo Chinaglia (2007), mas não teve êxito, pois o prédio do Legislativo é patrimônio histórico tombado, e isso significa que para fazer qualquer alteração, seja interna ou externamente, precisa da permissão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Esse aval foi concedido em 2016, para o então comandante da Casa, Eduardo Cunha (MDB-RJ), que não conseguiu prosseguir com a reforma porque teve o seu mandato cassado e foi preso por envolvimento na operação Lava Jato. O assunto voltou a ser discutido na gestão de Rodrigo Maia (DEM-RJ), porém o seu destino foi o engavetamento.
“Em outros momentos quando outros líderes, inclusive na ditadura, tentaram mudar o local do Comitê de Imprensa, nós jornalistas éramos mais unidos, mais fortes. Nossa força política era muito maior do que é hoje. A mídia, por uma série de razões, perdeu muita da sua força política, do nosso prestígio, da capacidade de influência em relação aos poderes da República. Hoje o nosso esforço não é capaz de deter essa ação de Arthur Lira, coisa que em outras épocas se fazia rapidamente, essas ideias não iam pra frente”, ressalta Sclavi.
Ao se preservar, e a seus sucessores, de passar em frente às câmeras, gravadores, microfones e perguntas de jornalistas, sua decisão tem efeitos diretos na cobertura de setoristas (jargão jornalístico para repórteres que cobrem diariamente determinada instituição), pois, foi graças ao caminhar pelo Salão Verde, espaço entre seu gabinete e o plenário, que Eduardo Cunha informou à imprensa, dezembro de 2015, que acatou o processo de impeachment de Dilma Rousseff, por exemplo. E Rodrigo Maia teve de dar inúmeras explicações e ouvir pressões, como quando conduziu a votação da Reforma da Previdência.
Ao se esconder dos holofotes, julgar o momento conveniente em que vai responder as perguntas, o que Arthur Lira faz é “fechar o acesso dos jornalistas ao presidente da Câmara. A sua figura é, talvez, tão importante quanto a do presidente da República, porque no legislativo é ele quem define a pauta. Um parlamentar pode passar 40 anos como deputado e apresentar 200 projetos, mas se ele não tiver a benção do presidente da Câmara e do colégio de líderes, não vai conseguir colocar a sua pauta em votação. Por isso o governo se movimentou para eleger um aliado”, diz o professor Ronald.
“Essa mudança do comitê impacta de forma negativa, porque se perde o alcance a um cara da importância de Arthur Lira. Levando em consideração que os jornalistas, hoje, não têm acesso ao presidente da República, pois ele não dá entrevistas, com isso você também está tirando o segundo da linha de sucessão (depois o vice-presidente). É quase dizer ‘eu que decido a hora que quero e não quero dar entrevista’. No mandato de Rodrigo Maia, ele facilmente deu, em média, mais de dez entrevistas por dia, já que isso também faz parte do trabalho dele, ele precisa se manifestar para a sociedade, tem questões políticas e subjetivas que precisam dar satisfações. É disso que estamos falando, de um prejuízo de informação não só para o jornalista, mas também para a população”, afirma Ronald Sclavi.
De acordo com uma fonte segura em Brasília, que preferiu não se identificar, o clima entre os jornalistas é de preocupação com o que vai ser da cobertura e seu efeito prático mais provável será com que todos eles trabalhem sentados no chão do Salão Verde, o local mais perto do plenário.
Nas redes sociais vários jornalistas se manifestaram contra essa mudança, como a Natuza Nery ao afirmar que se não fosse o Comitê não teria acompanhado de perto articulações e outras movimentações do Legislativo.
A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) junto com a Jeduca Brasil soltaram uma nota de repúdio no qual afirma acreditar:
“... que essa medida é apenas uma mudança para atender à conveniência política e pessoal do deputado Arthur Lira. Antes de almejar ficar mais perto fisicamente de seus pares, o presidente da Câmara deveria se aproximar da sociedade e prezar pelo trabalho da imprensa.
Mudar o Comitê de Imprensa para o subsolo sinaliza desconhecimento do cotidiano dos jornalistas, desrespeito aos profissionais e falta de empatia com os esforços dos veículos para cobrir os assuntos relevantes do país em plena pandemia. A decisão também subestima os riscos que os jornalistas passam a ter em uma sala não adequada para o enfrentamento da covid-19.
A medida ainda representa uma restrição ao trabalho jornalístico, ao impedir que as movimentações do presidente da Câmara e de outros políticos de seu entorno possam ser acompanhados pela imprensa.
A decisão enfraquece o respeito e cumprimento de liberdades, direitos e deveres constitucionais, como a liberdade de imprensa, o direito à informação e o dever de transparência do Legislativo. Por fim, atenta contra a transparência pública e ataca a memória de um prédio simbólico para o país.
Diretorias da Abraji e da Jeduca, 10 de fevereiro de 2021”, finaliza o comunicado.