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18/05/2019 às 16h40min - Atualizada em 18/05/2019 às 16h40min

A Revolta da Cachaça, por Antonio Callado

Cecile Mendonça - Editado por: Leonardo Benedito
Foto: Cecile Mendonça
"Me dá a peça, Vito! Não aguento mais ser copeiro, punguista e assaltante. Vim aqui cobrar a fama que você me deve. Vim para morar, para morrer. Mas no meio do rio ou da rua. Chega de margem." — Ambrósio

É através de Ambrósio que o leitor sabe do que se trata a Revolta da Cachaça. Foi um episódio ocorrido no Rio de Janeiro, conhecido dessa forma pelo aumento dos impostos cobrados aos fabricantes de aguardente. A manifestação foi encabeçada por escravos e fazendeiros, e um dos homens destaques, considerado um verdadeiro herói do movimento, foi o negro João de Angola. E ironicamente para representá-lo, Ambrósio, ator negro, precisa contar com a benevolência de Vito, um dramaturgo branco em busca de ascensão e visibilidade, para terminar de escrever a peça e dar a oportunidade para ele interpretar o personagem que merecia. Afinal, nada mais justo do que um negro ser representado por outro. 

Mas para que justiça não é? É mais cômodo fazer blackface. As pessoas estão mais acostumadas a ver um branco pintado de preto. É mais aceitável.

Negro não faz papel principal. 

Negro não se destaca.

Negro, a gente descarta.

Negro é secundário.

É margem.

É esquecido.

É sombra.

É resto.

Infelizmente essa peça não foi terminada. E, talvez, nunca será. O racismo ainda está entre nós. Muitas vezes velado, onde os holofotes não conseguem chegar, mas ainda está lá e aqui.

E, assim, Ambrósio e mais outros incontáveis brasileiros procuram "sempre andar meio almofadinha, como se dizia antigamente. Crioulo tem que andar com ar de quem é troço na vida, de quem tem grana no banco e erva viva no bolso. Se ele não se enfeita e de repente pinta uma cana - quem é o primeiro a entrar no camburão? Até o negro se explicar..." 

E, então, chega o desfecho da história e você só consegue pensar: "essa é a ficção mais real que eu já li” ou “isso é tão errado, mas infelizmente é assim que a banda toca”.

Até quando negro vai precisar de branco para subir?
 

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