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19/02/2021 às 10h08min - Atualizada em 19/02/2021 às 10h02min

Crônica: a violência deixa suas marcas

Apenas um instante, e estava feito

Ana Paula Alves - Editado por Gustavo Henrique Araújo
Foto: Reprodução/FreeImages

Foi apenas um instante de descuido e estava feito. O pequeno Gabriel deixara que seu copo caísse, logo em seguida se ouviu o som do vidro se quebrando em múltiplos pedaços, em segundos não restava nada além de uma poça de suco e cacos no chão. Isso foi o bastante para a gritaria começar. Seu pai lhe mostrava, a plenos pulmões, o quão desastroso havia sido o erro de Gabriel. "Um copo quebrado! E ainda por cima fez sujeira no chão!" Por essa falta, a criança ouviu os xingos e os gritos calada, de cabeça baixa, enquanto tentava segurar as lágrimas.
 

Depois disso, num outro dia, Gabriel gritou com seu colega, pois ele, sem querer, quebrou a caneta que ele havia emprestado.

 

Em outra ocasião, o menino viu na TV um quarto cuja parede era repleta de desenhos. Ele ficou inspirado, achou lindo! Queria que seu quarto ficasse daquele jeito também, então pegou a caixa de giz de cera e se pôs a trabalhar como um artista em sua parede. No meio da obra, sua mãe viu o que ele estava fazendo, gritou e puxou o menino pelo braço, sem chance de explicação, sem chance de ser ouvido, não demorou para a dor dos tapas ser tudo o que ele conseguia pensar.

Sua mãe bateu forte, tamanha a raiva que estava sentindo, pensando na parede que fora pintada recentemente, no trabalho que seria tirar as manchas de giz. Mas para Gabriel, ele só apanhou por desenhar e tentar decorar o quarto da forma como queria.
Não muito tempo depois, ele bateu em sua prima, pois ela estava desenhando no caderno do menino sem sua permissão.

 

Inevitavelmente, o menino se tornou homem. Transpôs as asas dos pais, construindo sua própria vida. Os gritos e surras ficaram na infância. Ou talvez não.

 

Gabriel ia de carro para seu trabalho todos os dias, o trânsito era uma rotina. E também era rotina que Gabriel ficasse irritado e começasse a gritar e a xingar qualquer um que estivesse no outro carro. Fosse porque o outro estava lento demais, ou por ter cortado seu caminho, ou por demorar muito para começar a andar quando o sinal mudava para o verde. Mesmo as pequenas coisas, comuns para quem dirige diariamente, o faziam querer gritar com desconhecidos.

 

Quando chegava no trabalho, a coisa não melhorava muito. Embora ele não gritasse com seus colegas, também não falava muito com eles. Sua interação se resumia a conversas educadas ou voltadas ao serviço que tivesse que ser feito, com o adicional de um ou outro comentário sobre o jogo do fim de semana. Nada muito profundo. Tinha certa dificuldade em se abrir e conversar mais espontaneamente, então preferia permanecer um pouco recluso.
 

Mas Gabriel não era assim com todos. Quando chegava em casa, seu namorado já o esperava. Os dois passavam a noite toda juntos, vendo TV, descansando, conversando ou fazendo qualquer coisa que quisessem. Já moravam juntos havia algum tempo, ambos se amavam e a convivência funcionava bem. Exceto pelos gritos de Gabriel. 
 

Não precisava de muito, uma situação desagradável, uma toalha em cima da cama, uma carne que seu namorado esqueceu de colocar para descongelar, um copo quebrado, até essas pequenas coisas eram o suficiente para Gabriel começar um briga e expressar seu desagrado a plenos pulmões.
 

E muitas vezes, no final do dia, ao pensar em tudo o que havia feito e dito, ele se perguntava: “Por que eu sou assim?”

 

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