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26/02/2021 às 11h50min - Atualizada em 26/02/2021 às 11h47min

Tribunal do Twitter: você já foi julgado?

Rede social do passarinho que já foi considerado apenas um mini blog, tem mostrado seu potencial para julgamentos de famosos e anônimos

Karoline Miranda - Editado por Andrieli Torres
Reprodução: Dado Ruvic/Reuters/VEJA

Não há como fugir: as redes sociais dominaram todas as principais discussões do mundo. Por elas passam opiniões, notícias, informações, comentários, entretenimento e outros. Dentre as mais famosas, uma em particular se destaca pelo seu potencial de comentar tudo, a qualquer hora, em tempo real; o Twitter. A rede social criada por Jack Dorsey, Evan Williams, Biz Stone e Noah Glass, em 2006, hoje, alcança números estratosféricos, são 1,3 bilhões de contas no mundo, sendo 335 milhões ativas por mês. O Brasil é o 6º país com maior número de usuários ativos no mundo, com 8,28 milhões. Mas o que faz dessa rede social tão sedutora? 

 

A capacidade de se informar sobre algo e comentar a notícia em menos de um minuto é um dos grandes atrativos do Twitter. Porém, apesar de parecer um grande avanço para o mundo da informação, isso tem seus efeitos colaterais. Ele tem funcionado muitas vezes como um grande tribunal, onde as sentenças podem inclusive gerar verdadeiros linchamentos virtuais. A rede tão popular e crescente no país também se posiciona como a quarta no ranking mundial das redes que mais adoecem mentalmente os jovens no mundo. 

 

Quem sofreu na pele o que o tribunal do Twitter pode fazer, foi Wyllian Torres, que recebeu diversos ataques após comentar sobre uma resposta considerada grossa da drag queen e youtuber Rita Von Hunty, que dizia “não ter tempo” para legendar os vídeos quando cobrada por um seguidor com surdez. O jornalista diz ter tentado puxar a conversa para um diálogo acerca de capacitismo e foi atacado por diversos usuários da rede. “Nesse dia eu fiquei muito ansioso, porque era muita gente me atacando sem tentar me ouvir, me entender. Eu até tentei estabelecer o mínimo de diálogo, mas quando o pessoal chega como tribunal eles nem tentam ouvir”. Wyllian disse que ficou atordoado e sem saber o que fazer, mas que logo após adotou uma postura mais tranquila. “Depois eu entendi que isso não tinha nada a ver comigo, mas sim com essa cultura do Supremo Tribunal da Internet”. 

 

O ciberativista Levi Kaique Ferreira também foi fortemente atacado na rede do passarinho, quase sempre ligados a denúncias de situações racistas. “Me lembro de alguns [ataques]. Quando falamos sobre o racismo que Babu sofria no BBB20, ou na época do trainee da Magalu, na qual apontávamos a importância da medida. Geralmente em casos grandes em que denunciamos racismo aparece várias pessoas para atacar”, conta o engenheiro civil.

Porém, às vezes, os ataques passam apenas da discordância e se transformam em manipulação da realidade. Foi o que ocorreu com Levi quando tiraram uma crítica sua de contexto para justificar que ele seria a favor da sexualização infantil - algo importante salientar, que beira o criminoso. A saúde mental do palestrante ficou abalada. “No começo [os ataques] me faziam mal, hoje em dia eu consigo lidar mais tranquilamente. Me afeta quando é algo tirado de contexto para me fazer sair como algo que não sou, sabe?”, desabafa.

 

O limítrofe entre o que é real e o que é virtual parece ser fluido quando o assunto é o Twitter. Muitos usuários fazem referência a isso usando o termo “terra de ninguém” para designar a facilidade com que as pessoas podem não só julgar outros com ferocidade, mas também manipular falas, caluniar, inventar, linchar e até mesmo criminalizar pessoas por algo que elas não fizeram. Alguns exemplos são os linchamentos virtuais dos ex-BBBs: Nego Di e Karol Conká, que ultrapassaram os comentários sobre o reality na rede social e viraram ameaças de morte contra a família de ambos os brothers na vida real.

Apesar da chamada cultura do cancelamento ser profundamente abarcada em várias redes sociais, o Twitter experimenta um potencial diferente: o de linchar e julgar alguém em 280 caracteres. “As coisas aqui são muito fáceis de serem compartilhadas e o Twitter engaja muito com isso”, comenta Levi.

“Parece a rede perfeita para disseminar rumores e boatos sem verificação. Distorções tem muito alcance. Embora o suporte do Twitter seja melhor que o suporte que temos do Facebook e Instagram. Temos denúncia pra racismo, o que não tem no Instagram, por exemplo”.

Wyllian, que tem o Twitter como sua rede social preferida, também encara que ela potencializa o usuário como juiz. “Ele empodera muito as pessoas de que podem criticar de qualquer maneira, xingar, atacar, cancelar”, comenta o fundador do blog Universo em Pauta. “É uma forma de fazer justiça com as próprias mãos, e eu acho que o Twitter tem essa potencialidade, pela dinâmica dele, por ser algo que é só escrever um tweet e pronto, é bem mais fácil de circular do que o Instagram, por exemplo”.

 

Por outro lado, o Twitter abriu portas para diálogos importantes na sociedade, como o racismo, o machismo, o capacitismo e a LGBTfobia. Os debates levantados acerca dessas questões é um ponto positivo, embora muitas vezes esse tiro também saia pela culatra. Willyan acredita que o debate é muito válido, mas que infelizmente o mais comum é “dar soco em ponta de prego”.

“A gente deixa de aprender, de trocar e de somar porque as pessoas estão empenhadas em atacar”, comenta o jornalista. Levi Kaique, por outro lado, interpreta isso como um efeito colateral da ampliação dos debates sociais. “Eu acho que toda discussão é válida e tem muita gente muito bacana trazendo essas discussões pra cá. Precisamos ocupar os espaços. Julgamentos rasos e esvaziamento de nossas pautas é um problema que vamos enfrentar em todo ambiente, não seria diferente por aqui. Acho que é potencializado nas redes, mas é um sintoma de ampliação também”.

 

Tornar o Twitter uma rede social mais saudável não parece ser uma tarefa fácil. Para Wyllian, a maneira como nos relacionamos em nosso próprio círculo deve ser o primeiro passo para essa transformação. “Estou sempre tentando dialogar com pessoas que pensam diferente de mim, não só como um exercício jornalístico, mas também para exercitar o meu senso de democracia”.

De acordo com o Levi, a mudança deveria partir não só do usuário, mas também da rede social. “Acho que primeiro a própria plataforma precisa parar de fomentar esse tipo de conteúdo preconceituoso. Sinto que há uma falta de interesse em frear o crescimento desse ódio a minorias porque eles lucram com isso e ampliar vozes que trazem conhecimento e informação”, finaliza o colunista do site Mundo Negro. 

 

Talvez, experimentar o Twitter como uma rede social que influencia o real seja o primeiro passo para entender o quanto torná-lo um tribunal pode ser perigoso, doloroso e adoecedor. A pergunta que devemos nos fazer é: e se nesse tribunal, você fosse o julgado?

 

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