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04/03/2021 às 11h06min - Atualizada em 04/03/2021 às 10h35min

Do outro lado do muro

A realidade das bibliotecas comunitárias e o seu espaço na sociedade

Bianca Nascimento - Editado por Gustavo Henrique Araújo
Foto/Reprodução: Paulo Talarico
As mãos percorriam as prateleiras empoeiradas enquanto sentia as texturas das capas duras e de brochuras ao passar de uma obra para a outra. Observei que os dedos competiam com os movimentos das aranhas que saíam das páginas amareladas. No mesmo instante, os olhos brilhavam ao se depararem com uma grande quantidade de livros.

Era de se espantar como o silêncio pairava no ambiente, e que somente a minha presença naquela biblioteca me inquietava a anunciar aos quatro cantos da cidade o tamanho paraíso escondido. O meu maior desejo naquele momento era de que todos desfrutassem da distinta sensação e desejo por conhecimento.

Na comunidade periférica, lugar em que vivo desde a infância, as coisas eram diferentes, o tempo passava tão depressa que minutos priorizados para ler um livro eram considerados tempo perdido, como lutar contra os ponteiros do relógio mediante a correria para conseguir alcançar pequenos degraus.

Essa realidade se transformou ao passar dos anos, quando a arte saiu do papel e tornou-se papel de parede das ruas e, posteriormente, o cartão-postal das favelas.

Foi assim que as bibliotecas começaram a ter mais espaço e ganhar forma. As prateleiras de livros passaram a ter companhia de divisórias com jogos, CD’s e DVD’s. O ambiente que outrora era vazio foi preenchido com mesas e cadeiras para interação do público.

Sobretudo, as bibliotecas comunitárias - como foram nomeadas - transformaram-se em grande palco para saraus, teatros, balés e apresentações culturais.

Sem a intervenção do poder público, esses espaços são criados e mantidos pela sociedade civil, que planeja as ações para expandir o acesso ao livro e à literatura.

É preocupante saber que, mesmo com tantas inovações, o interesse e a participação dos moradores são escassos devido à falta de investimentos e de fornecimento de livros pelo Estado. A exclusão gera aos moradores a ideia de que alguns bens culturais não lhes pertencem e que não são necessários, ocasionando a falta de importância e desejo pela apropriação da cultura escrita.

No ano de 2019, tive a oportunidade de entrevistar o fundador da Editora e Gráfica Heliópolis e conhecer de perto o projeto através de um evento que promovia o lançamento de escritores da própria comunidade Heliópolis, localizada na zona sul de São Paulo. Aquilo alegrou o meu coração. Foi nesse momento em que percebi que a favela já não era mais como antes, e que o espaço que tanto almejavam, em largos passos, estavam alcançando.

A armadura para vencer a luta é a força de vontade da minoria que tem a oportunidade de ler livros e que buscam levar o mundo da literatura para cada viela e beco, reconhecendo a influência e a transformação dos livros na formação social.

Do outro lado do muro de um bairro nobre, de classe alta, a realidade é diferente, as ruas com asfaltos desgastados que combinam com as paredes de tijolos laranjas sem acabamento são cheias de crianças correndo de uma calçada para a outra sem sequer imaginar como é viver a emoção das narrativas de um livro infanto-juvenil.

 

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