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12/03/2021 às 12h02min - Atualizada em 12/03/2021 às 11h27min

Mesmo após 24 anos, livro ‘Depois daquela viagem’ continua atual para falar sobre a AIDS

Em 2020, apesar da queda nos números, a mortalidade da doença continua alta em mulheres negras

Anna Sales - Editado por Andrieli Torres
Reprodução/Internet
Vinte e quatro anos se passaram desde que o “Diário de bordo de uma jovem que aprendeu a viver com AIDS” foi lançado. O livro “Depois daquela viagem” de Valéria Piassa Polizzi, conta como ela contraiu HIV quando tinha apenas dezesseis anos e como foi descobrir isso numa época em que ter AIDS era sinônimo de morte certa. 

O livro também faz alertas para os jovens, em uma linguagem bem simples e direta, da necessidade de usar camisinha, mesmo tendo um namorado (a). Ela conta que seus amigos, no começo dos anos 90, não usavam preservativo por acharem que AIDS era “doença de viado” e “namoro fixo não dá nada, não precisa usar camisinha”. Pois bem, a autora contraiu a doença com seu primeiro namorado, que conheceu em um cruzeiro nas férias. Ela conta que não se protegeu, pois seu namorado dizia que era “coisa de puta”. Numa época cheia de tabus sexuais, principalmente sobre o HIV, Valéria não teve as informações corretas antes de ter sua primeira relação sexual.

Ela também conta que o ex-namorado a agredia fisicamente e a manipulava psicologicamente. Após o término do relacionamento, descobriu que ele usava drogas. A descoberta da doença foi por acaso, após ir a um médico devido a uma dor no estômago. Na época, era muito raro os casos de mulheres com AIDS, o que fez com que Valéria se sentisse ainda mais perdida.
 
A autora conta que ficou sem saber o que prestar no vestibular, o que faria no futuro, a que se dedicaria, pois o risco de morte era iminente. Totalmente perdida e sem conseguir conversar com as pessoas à sua volta sobre possuir AIDS, Valéria vai estudar inglês nos Estados Unidos. Lá, procurava um tratamento, mas ainda ficava com a ideia fixa de que iria morrer e não conseguia pensar no futuro, além de ter medo de tomar os remédios, pois pouco se sabia sobre a doença e quais os efeitos do coquetel. Ela também não conseguia contar sobre a doença a seus amigos de curso e nem a seus amigos brasileiros, pois o preconceito naquela época era ainda maior que nos dias de hoje.
 
O livro, lançado em 1997, ainda se faz extremamente importante atualmente. Em 2020, foram registrados 41.919 novos casos de infectados pelo HIV no Brasil. Segundo Fernando Maia, médico infectologista e professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), o número é menor que nos anos anteriores e há duas possíveis explicações para isso: subnotificação ou uma diminuição das oportunidades de contato com a doença, ambos devido à pandemia da Covid-19. O mesmo relatório mostra que entre as mulheres, 86,6% dos casos se inserem na categoria de exposição heterossexual. De acordo com o infectologista, isso se dá pelo fato que as mulheres se contaminam principalmente por via sexual, ou seja: o parceiro se contamina e acaba levando o vírus para a mulher, como aconteceu com a autora do livro. 

Outro dado preocupante é a maior mortalidade entre mulheres negras: 62,1% dos casos de óbitos da doença no Brasil são desse grupo. “Uma possível causa é que a maioria delas se inserem em um menor nível econômico e social. Hoje, a doença predomina em pessoas com vulnerabilidade social. No começo da epidemia, nos anos 80, os casos ocorriam entre pessoas ricas e de grandes centros urbanos. Hoje, também há interiorização da doença e cada vez mais pessoas pobres e de pequenas cidades do Brasil tem se contaminado. A condição social das mulheres negras acaba refletindo no maior número de mortes”, esclarece Fernando.

O mesmo relatório aponta que pouco mais de 50% dos casos novos de HIV são da faixa entre 20 e 34 anos. O infectologista explica que essa é a idade onde mais se pratica sexo e consequentemente, acaba se expondo ao HIV e a outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs). “Os jovens também estão se descuidando mais. Isso se deve a vários fatores: a maior facilidade de acesso ao sexo, com uma maior liberdade sexual comparada com anos atrás. Os jovens também tem o sentimento que são imortais e imbatíveis, e acabam se expondo a riscos desnecessários. Por isso, é muito importante que existam campanhas que foquem nessa faixa etária da população, para que as pessoas não comecem a vida sexual tão cedo e de forma errada, sem usar preservativo e tomar os devidos cuidados”.

Ele também cita que as atuais campanhas feitas pelo Ministério da Saúde são muito tímidas. “Os anos passam, as pessoas crescem e envelhecem. Todo dia há algum jovem que está iniciando sua vida sexual. É preciso fazer novas campanhas educativas. Ainda há muito tabu em relação à doença. Hoje já se aceita melhor, mas ainda há muito preconceito. A maioria dos casos é por contaminação sexual e em um país com tradição cristã, isso ainda é visto como algo pecaminoso e por isso, muita gente não se cuida. Ainda há o preconceito e a aceitação com os homossexuais, que ainda são vistos de maneira pejorativa. A doença também carrega o estigma por si só. Também há os casos de usuários de drogas, onde há um preconceito ainda maior. Tem serviços de saúde e médicos que não querem tratar os portadores de HIV. Isso é uma situação muito triste. Precisamos conversar e desmistificar a doença, pois não iremos nos livrar dela nem tão cedo. Mesmo que se descubra um tratamento que cure todo mundo, nos próximos anos ainda teremos novos casos”, finaliza o médico.

 
 
 

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