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12/03/2021 às 13h55min - Atualizada em 12/03/2021 às 13h37min

Série “Mulheres na Literatura” – Entrevista com Luci Collin

“Para mim não haveria sentido em escrever se a escrita fosse apenas uma expressão autocentrada"

Talyta Brito - Editado por Gustavo Henrique Araújo
Agradecemos à ficcionista, poeta e tradutora Luci Collin pela participação na série para o mês dedicado às mulheres
Foto: Luci Collin | Reprodução: Arquivo pessoal
"o poeta finge
e enquanto isso
cigarras estouram
pontes caem
azaleias claudicam
édipos ressonam
vacinas vencem
a bolsa quebra e
o poeta finge [...]" 
 
(Trecho do poema "Deveras" extraído do livro "A palavra algo". SP: Editora Iluminuras, 2016) 
 
“Para mim não haveria sentido em escrever se a escrita fosse apenas uma expressão autocentrada. Escreve-se para comunicar, dividir, compartilhar experiências e emoções e assim, a tônica desse processo é sempre o outro. Ao escritor cabe a tarefa de observar o mundo e então, transpor a experiência da observação por meio das palavras. Logicamente é uma expressão subjetiva, mas que diz do mundo para tentar iluminar – filosoficamente, psicologicamente, socialmente – a experiência humana com suas fragilidades e forças, com suas convicções e incertezas. A literatura é um veículo potente para a ampliação da percepção das essencialidades da Vida – não só humana.”

Essa foi a reposta de Luci Collin ao ser questionada se escrevia para falar consigo mesma ou com o intuito de alcançar o outro.

Natural de Curitiba, Luci graduou-se em Piano/Performance pela Escola de Música de Belas Artes do Paraná, no Curso de Letras Português/Inglês na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e no Bacharelado em Percussão Clássica pela FEMBAP. É doutora em Estudos Literários e Linguísticos em inglês pela Universidade de São Paulo (USP).

Ao todo, ela já publicou 11 livros de poesia, 8 de contos e 4 romances. O livro “Querer falar” foi finalista do Prêmio Oceanos; “A palavra algo” foi vencedor do Prêmio Jabuti de Poesia 2016; "Papéis de Maria Dias" foi adaptado pelo Teatro de Comédia do Paraná; "Rosa que está" foi, em 2020, finalista do Prêmio Jabuti. Atualmente, ela ocupa a cadeira n. 32 da Academia Paranaense de Letras.

Durante a conversa, Luci nos contou sobre as vivências enquanto docente de literatura e suas experiências como escritora:

Talyta Brito Você sempre sonhou em ser escritora? Em que momento percebeu que era a literatura um dos campos de criação que mais lhe chamavam a atenção?

Luci Collin Apesar de gostar muito de ler desde pequena (comecei a ler antes dos 5 anos) a linguagem artística que mais me encantou na infância foi a música. Comecei a estudar piano aos 7 anos e fiz toda uma formação acadêmica como profissional de música. Mas no início da adolescência fui tomada por uma paixão avassaladora pela literatura, passei a ler avidamente tudo que fosse possível e isso me estimulou a começar a escrever. Lá pelos 15 sonhei sim em ser escritora. Parecia algo muito remoto porque eu me dedicava seriamente ao estudo da música, mas foi acontecendo, escrevi meu primeiro livro, uma coletânea de poemas intitulada "Estarrecer", aos 17 anos e o publiquei com 19 anos, em 1984, com uma surpreendente acolhida da crítica. Aquela paixão se transformou em amor pela literatura: foi assim que começou a minha carreira literária e também meu interesse pela docência de literatura.

TB Dentre todos os poemas que compõem o livro "A palavra algo" qual você considera essencial? Por quê?

LC Um livro de poemas é concebido como um conjunto, então é bastante difícil escolher só um para representar o todo. Posso destacar no "A palavra algo" os poemas que são mais comentados e analisados do livro: “Deveras”, “Insoneto”, “Meus oito anos”, “Howcool”, “Ciclorama”. Mas para citar só um, pela emoção intensa que foi escrevê-lo: “Estética da cena”, não porque o considere essencial, mas porque trata de um tema que me estimula muito que é a relação do poeta com o olhar. Inclusive é esse tema que perpassa meu novo livro de poemas, ainda inédito, cujo título é "Olho reavido"

TB Você atuou como docente na Universidade Federal do Paraná (UFPR) durante vários anos. Como você enxerga a relação dos alunos com a literatura?
 
LC Me dediquei à docência por mais de 30 anos. Na UFPR estive por 20 anos no Departamento de Letras Estrangeiras Modernas onde ministrei disciplinas de Literaturas de Língua Inglesa, principalmente de Poesia, e de Tradução Literária. Sempre tive os melhores alunos do mundo; que dizer? Quem escolhe Letras tem um perfil muito bonito; são pessoas ligadas à transmissão de saberes muito humanos – a docência de língua ou literatura, a tradução, os estudos linguísticos, o letramento – tudo isso trata de relações profundas e essenciais. 20 anos equivalem a 40 semestres em dois turnos que equivalem a 80 turmas. A Literatura é algo que existe para comover e que tem um poder de transformar visões ampliando-as para a experiência do olhar crítico. Que privilégio pude desfrutar convivendo com apaixonados pela literatura em cada uma das turmas!

TB Quais são as suas referências no mundo das Letras? No seu tempo livre, você opta por ler livros do mesmo gênero em que escreve ou é vasta a sua relação com outros gêneros?

LC Minhas referências são bastante abrangentes porque me interesso por literatura de um modo muito aberto. Mas tenho especial interesse por escritores que produziram a partir do Modernismo até a contemporaneidade. No meu tempo livre eu tento me aproximar de outras linguagens artísticas e, principalmente, da Natureza – que também pedem para serem “lidas”. É emocionante, por exemplo, ler a história de uma árvore a partir das camadas de tempo que correspondem ao desenvolvimento de seu tronco, ou a história que nos conta um inseto de sua existência ao acompanharmos sua lida em busca de alimento ou proteção, ou ainda uma pedra desgastada pela delicada ação do vento e da água - que tratado sobre a ação do tempo nos oferece. Tudo aí para admirarmos – essa imensa teia de relações. 

TB Você foi a primeira mulher paranaense a entrar na lista de leituras obrigatórias da Universidade Estadual do Maringá (UEM). Ver seu nome ao lado de escritores como Lima Barreto e Aluísio de Azevedo lhe dá uma sensação de dever cumprido? 

LC Ter sido incluída nessas listas de leituras para o Vestibular foi uma das maiores emoções que já tive como escritora. Este ano na lista da UEM e na lista da UEL está o "A palavra algo"; em anos anteriores estive com os contos de "A Árvore todas" e isso quer dizer que a um número muito significativo de jovens terei a oportunidade de apresentar minha escrita. Uma parte importante desta experiência é que tenho tido retornos incríveis de leitores que se sentem tocados a leitura dos poemas do livro e isso pra mim tem um valor muito grande porque quando comecei a escrever era considerada uma escritora “hermética”, difícil, e esse retorno carinhoso dos jovens me diz que não sou tão difícil assim, que as pessoas apreciam meus escritos. A outra parte da experiência é estar entre os grandes da literatura - uma honra indescritível, mas que não me dá essa “sensação de dever cumprido” ainda. Tenho noção das minhas limitações e grande desejo de escrever mais para aprofundar minha produção literária. Ver meu nome em companhia desses grandes escritores dá a dimensão da generosidade dos que elaboraram essas listas, trazendo visibilidade a uma autora contemporânea, experimentalista, mulher, paranaense. A todos os tipos de leitores agradeço muito. 

TB Na sua visão, o que se pode fazer para aumentar o consumo de poesia no Brasil apesar das condições culturais do país? No início, você teve dificuldades para se inserir no mercado literário? Hoje, as dificuldades persistem em maior ou menor grau? 

LC A primeira pergunta é muito complexa, envolve muitas questões de fundo não só cultural para esgotarmos com algumas palavras. As condições culturais do país são precárias desde sempre. Acredito que, se por tradição não temos um cenário favorável a esse consumo de poesia temos que tentar sempre criar condições para que a poesia tenha visibilidade. Essa é uma demanda direcionada a todos os interessados em poesia, autores e leitores; precisamos valorizar o que a poesia nos traz, tentar ler mais poesia, divulgar mais quão importante e reveladora é a manifestação do poético. A minha trajetória de inserção no mercado foi gradual, mas sempre contei com leitores que acolheram meu estilo menos convencional de escrever e isso me estimulou muito a persistir com a escrita tal como ela chegava a mim. Dificuldades sempre existem em se tratando de mercado literário, mas também existe o outro lado que são as alegrias de, aqui e ali, saber-se lida e que há tantos leitores e leitoras que dividem comigo a maravilhosa experiência de se entregar a um livro.

TB Como é o seu processo criativo? Elabora primeiro e depois escreve ou se senta diante da tela em branco e permite que as ideias fluam? De onde vem a sua, digamos, inspiração para escrever?

LC Não tenho uma disciplina fixa de escrita. Deixo que aconteça, às vezes escrevo por impulso, às vezes por encomenda, no PC, à mão, no celular, num momento tranquilo e propício, num momento turbulento ou seja, quando a escrita vem. Às vezes me desvio das obrigações de trabalho e me ponho contemplativa saboreando uma ideia que vira um conto ou poema. Às vezes sou tomada por um turbilhão de emoções que pedem pra estar no papel. Acho admiráveis aqueles escritores que são organizadíssimos e têm um horário rigoroso para escrever. Não tenho nenhum rigor. Deixo vir apenas.

TB Supondo que você pudesse escrever um livro em parceria com qualquer escritor do mundo, quem você escolheria? Qual o critério usado na seleção? 

LC Escolheria novamente meu adorado amigo e parceiro de escrita Flávio de Souza, com quem já escrevi o livro "Fascinação", um romance a quatro mãos. O critério é a experiência, a competência, a criatividade, a amorosidade do Flávio perante o texto. Poder conviver na feitura de um texto com alguém que tem uma escrita tão genuína é uma experiência indescritível. Poder desfrutar da amizade de alguém tão criativo e tão especial como o Flávio é um daqueles presentes que a vida nos dá e pelo qual devemos ser agradecidos pra sempre.
 
TB A sua formação no campo musical influenciou seu vínculo com a poesia? Como definir o intenso entrelaçamento dessas duas extensões da expressão humana em sua vida? 

LC Totalmente. Não podemos esquecer que ambas, em tempos remotos, sempre foram muito próximas. Se pensarmos que a poesia pertence à lírica e esse nome vem do instrumento musical “lira”, contemplamos essa afinidade historicamente. Entre os elementos da poesia temos sobretudo aqueles ligados à rítmica/métrica (sequência de pés fixos ou não) e à melodiosidade (recursos sonoros como rima, aliterações, repetições, refrão). Por meio da minha relação com a música, por ter lido e analisado muitas partituras (atentemos para a terminologia musical que inclui os termos “frase”, “período”, “semi-frase”, “inciso”, que também pertencem ao jargão da literatura) essa relação sempre me foi muito natural.


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