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13/03/2021 às 12h19min - Atualizada em 13/03/2021 às 11h57min

Pobreza menstrual e os impactos da pandemia

No mês da mulher, vereadoras de Belo Horizonte propõem a inclusão de absorventes na cesta básica e trazem para debate a dignidade menstrual

Dara Russo - Editado por Maria Paula Ramos
Abraão Bruck / CMBH

Pobreza menstrual é a condição vivida por pessoas em situação de vulnerabilidade ao não terem acesso a saneamento básico, banheiros ou protetores menstruais, como absorventes descartáveis. Com a crise econômica provocada pela pandemia, se acentuam as desigualdades sociais e esse cenário se torna ainda mais preocupante. Dessa forma, no último dia 5 de março, foi realizada na Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) uma audiência pública sobre o tema.

Em 2014, o direito à higiene menstrual foi reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma questão de saúde pública e de direitos humanos, porém, poucos países asseguram a dignidade menstrual a todos. No Brasil, segundo uma pesquisa realizada pela marca de absorventes Sempre Livre em 2018, 22% das meninas de 12 a 14 anos não têm acesso a produtos higiênicos adequados durante a menstruação. O número é ainda maior entre as adolescentes de 15 a 17 anos: 26% sofrem com a pobreza menstrual. 

Absorventes e outros produtos higiênicos necessários para o período menstrual são tributados no Brasil como produtos supérfluos. Segundo um artigo do Estadão, um pacote com 20 unidades tem custo médio de R$ 16 e, muitas vezes, não é suficiente para o ciclo mensal. Quase sempre é necessário comprar dois pacotes - pessoas que menstruam gastam, em média, R$ 32 por mês em um produto de higiene básica - hoje, o único país do mundo que oferece produtos menstruais gratuitos e de forma universal é a Escócia.

“Saúde sexual e reprodutiva são direitos e não podem ser considerados como assunto apenas da esfera privada”, afirma a assessoria da vereadora de Belo Horizonte Iza Lourença. “Considerando que metade da humanidade menstrua, pelo menos, dos 12 aos 50 anos, e muitas dessas pessoas têm suas rotinas e sua saúde alteradas durante o período menstrual, esse tema deve ser discutido e as soluções para os problemas devem ser pensadas na esfera pública, e os custos divididos por toda a sociedade”, completa. 

Consequências desse cenário

     A pobreza menstrual geralmente está atrelada a questões de direitos básicos, como o saneamento. Dessa forma, com a falta de acesso a banheiros ou protetores menstruais, por exemplo, muitas pessoas se encontram em situação de risco à saúde. Sem recursos, muitas pessoas utilizam folhas de jornal, miolo de pão, meias, tiras de tecido ou outras improvisações para conter o próprio fluxo. 

“Entre os riscos à saúde estão a possibilidade de contaminação bacteriana, a Doença Inflamatória Pélvica, e a Endometrite que, se não tratada, pode resultar em infertilidade e até mesmo na perda do útero”, explica Andressa Moreira, membro da Organização Flores de Resistência, que promove a dignidade menstrual e a solidariedade entre mulheres em Belo Horizonte e região metropolitana.

A organização nasceu já na pandemia, em abril de 2020, com o nome “BH Fica em Casa”. “Começamos comprando cestas básicas e depois identificamos a necessidade de mulheres que precisavam de produtos de higiene e logo nos deparamos com o tema da pobreza menstrual”, explica a assessora de Iza Lourença. Hoje, a Flores de Resistência é uma campanha permanente de promoção da dignidade menstrual através de doações de kits e absorventes ecológicos.

Além dos riscos à saúde física, a falta de produtos e higiene básica durante o período menstrual pode provocar evasão escolar e profissional. “Meninas faltam às aulas em média 45 dias ao ano, justamente o período referente à duração do sangramento. Muitas têm que escolher entre se alimentar ou comprar absorventes”, diz Andressa. 

A pobreza menstrual também provoca danos à saúde mental. O tabu que ainda cerca o tema da menstruação impede que esse processo natural seja enxergado como um sinal de saúde. E o cenário de falta de recursos reforça uma visão ainda mais negativa sobre a menstruação, já que, durante o período, a qualidade de vida das mulheres é prejudicada.

Pobreza menstrual em pauta 

     O Conselho Nacional de Direitos Humanos recomendou no final de 2020 a criação de uma Política Nacional de superação da pobreza menstrual. Há projetos de lei nacionais para fornecimento de absorventes em escolas públicas e para mulheres em situação de vulnerabilidade social. Também existem  leis e projetos de lei nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e no Distrito Federal.

     Em Belo Horizonte, a Comissão de Mulheres da Câmara Municipal, liderada pelas vereadoras Iza Lourença e Bella Gonçalves realizou, no início do mês da mulher, a audiência pública "Dignidade menstrual para as mulheres que vivem em situação de pobreza e extrema pobreza no Município de Belo Horizonte". Na reunião foi abordada a situação precária de todas as pessoas que menstruam, como mulheres em situação de cárcere, homens trans, moradoras de rua e de baixa renda.

Após a reunião, foi enviado para o prefeito Alexandre Kalil o Requerimento de Comissão n° 223/21, de autoria das Vereadoras Bella Gonçalves, Fernanda Pereira Altoé e Iza Lourença. O documento sugere a inclusão de absorventes higiênicos nas cestas básicas distribuídas pela Prefeitura de Belo Horizonte a pessoas em situação de vulnerabilidade econômica. Também tem sido desenvolvido um Projeto de Lei da Dignidade Menstrual que atuará pela distribuição gratuita de absorventes em diferentes equipamentos públicos municipais, como escolas, postos de saúde, serviços de assistência social, entre outros. 

Além das políticas públicas em andamento, para promover a dignidade menstrual é necessário trazer o tema ao debate público. “Também vemos como necessárias iniciativas que combinem conscientização e educação sexual e de gênero para meninas e mulheres. Menstruação precisa deixar de ser tabu”, afirma a assessoria de Iza. “Isso pode e deve ser feito com o apoio das escolas, serviços de saúde e assistência social, pelas famílias, pela sociedade civil auto organizada e outros”, completa Andressa. 


 

 

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