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13/03/2021 às 19h54min - Atualizada em 13/03/2021 às 18h56min

Psicofobia | Saiba mais sobre o preconceito contra portadores de transtornos mentais

Mais de um bilhão de pessoas no mundo sofrem com transtornos mentais, mas, ainda assim, esse tipo de preconceito tem pouca visibilidade

Meire Santos - Editado por Ana Paula Cardoso

Criado em 2012, o termo psicofobia surgiu por meio de uma parceria entre o humorista Chico Anysio e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Anysio, que tinha depressão e sempre defendeu abertamente os cuidados com a saúde mental, viu a necessidade de dar um nome ao preconceito contra portadores de transtornos mentais.

“Falta força de vontade para você superar isso”, “Na minha época, depressão não existia”, “Há pessoas em situações piores”, são exemplos de frases ditas a pessoas que sofrem com algum tipo de transtorno mental. Frases como essas, que muitas vezes são ditas com naturalidade e passam despercebidas, revelam um preconceito enraizado na sociedade, mas que é pouco debatido: a psicofobia.

De acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), no mundo, aproximadamente um bilhão de pessoas sofrem com algum tipo de transtorno mental. Mesmo com o número alto de diagnósticos, a psicofobia ainda está muito presente na sociedade, e não tem tanta visibilidade quanto outros tipos de preconceito. Para a psicóloga Nathália Denardo, isso ocorre porque a discussão a respeito do tema ainda é muito recente e porque, por muito tempo, os transtornos mentais foram associados à loucura:
O transtorno mental é uma desordem que advém de fatores orgânicos e ambientais, como qualquer outra doença, porém, o conhecimento, os estudos e a discussão sobre transtornos psiquiátricos são muito mais recentes e têm visibilidade há muito menos tempo do que outros tipos de doença. Outro fator é que por muito tempo os transtornos psiquiátricos foram vistos como ‘loucura’ e lógicas higienistas e manicomiais conduziram a forma de lidar com os mesmos, o que contribuiu muito para a estigmatização e para os preconceitos serem criados”, comentou.

O estigma que existe sobre o tema retarda diagnósticos e afasta pacientes da busca por um tratamento adequado. Nesses casos, ignorar a ajuda de um profissional pode trazer consequências ainda mais danosas, como o agravamento e surgimento de novos transtornos psiquiátricos e até o suicídio. Segundo a Opas, uma pessoa comete suicídio a cada 40 segundos no mundo. O psicólogo Felipe Galiza ressalta que a psicofobia tem relação direta com o tema: "Pessoas que sofrem psicofobia deixam de buscar tratamento, e um transtorno mental não tratado, além de limitante e exaustivo, é a principal causa das tentativas de suícidio". 

Apesar da gravidade, a saúde mental não recebe tanta atenção quanto outras áreas da saúde pública. Ainda de acordo com a Opas, os países investem, nesse setor, em média apenas 2% do orçamento total da pasta de saúde, tornando-a uma das áreas mais negligenciadas.

Falta de Informação agrava casos de psicofobia

A falta de informação sobre o tema é vista como um dos pilares da psicofobia, pois ela abre espaço para comentários e ações psicofóbicas. Galiza comenta sobre a dificuldade das pessoas em entender a gravidade de um transtorno mental:

 
A grande maioria das pessoas ainda tem dificuldade de entender que as pessoas que têm transtorno mental, elas não estão de frescura, mas sim, impossibilitadas de fazer alguma coisa, como regular as suas emoções, regular os seus impulsos, de administrar seus desejos, dificuldade de administrar pensamentos invasivos que tomam contam dela, administrar suas motivações. Não é somente uma questão de força de vontade, mas sim, de se sentir possibilitada para isso".

O combate à psicofobia é essencial para que pessoas diagnosticadas com algum transtorno mental tenham um boa qualidade de vida. Nathalia Denardo acredita que a melhor forma de se combater qualquer tipo de preconceito é disseminando informações sobre eles. “Muitas pessoas ainda enxergam os transtornos de forma estigmatizada e disseminar conhecimento sobre eles é importantíssimo para que haja menos preconceito e invalidação. Muitos profissionais de psicologia e psiquiatria, além de pacientes psiquiátricos são muito implicados nessa disseminação e isso é muito positivo.”, aponta a psicóloga, que também afirma acreditar que a sociedade tem avançando bastante em relação ao combate a esse preconceito.

Em muitos casos, a psicofobia vem de pessoas do círculo social do paciente, como familiares e amigos, o que agrava ainda mais a situação. Nesses momentos, receber apoio é fundamental, tanto para o incentivo na busca por um tratamento quanto para a continuidade dele. Para Denardo, a compreensão e o acolhimento por parte das pessoas próximas podem ajudar na melhora dos pacientes. “Existem também casos em que a pessoa sofre com afastamentos de pessoas queridas por conta do transtorno. É válido que o paciente faça psicoterapia para compreender se ele tem comportamentos que contribui para esses afastamentos, mas também também é valido que as pessoas em volta do paciente compreendam que se elas se dispõem a uma relação de conexão e afeto genuínos, elas podem ajudar muito essa pessoa no processo de melhora dela”, disse. 
 
Em 12 de abril é comemorado o Dia Nacional do Enfrentamento à Psicofobia. Todo ano, a ABP realiza campanha nas redes sociais para o combate ao preconceito. Em homenagem, a data escolhida é a do dia do nascimento do humorista Chico Anysio. A campanha já recebeu apoio de alguns famosos, como a apresentadora Marília Gabriela e o ator Reynaldo Gianecchini.

Em janeiro deste ano, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2020 abriu espaço para que mais de dois milhões de estudantes dissertassem sobre o tema “O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira” na redação, tendo uma boa aceitação entre estudantes e professores.

Psicofobia em reality shows

Nos últimos meses, a discussão a respeito da psicofobia tem ganhado espaço nas mídias. Em outubro, o tema repercutiu bastante nas redes sociais por conta do reality show A Fazenda, onde uma das participantes, a modelo Raissa Barbosa, diagnosticada com Transtorno de Personalidade Borderline, foi vítima de comentários psicofóbicos por parte de alguns colegas de confinamento.

A modelo, que fala abertamente em suas redes sociais, pretende criar um projeto de lei contra a psicofobia. No dia 27 de fevereiro, ela levantou a tag “Lei Raissa Barbosa” no Twitter e ficou entre os assuntos mais comentados na rede social. Em outro tweet, Barbosa explicou que:

 
 “A TAG LEI RAISSA BARBOSA é apenas o início de uma jornada. Estamos elaborando uma proposta legislativa para criminalizar com penas duras quem praticar psicofobia. Meu advogado @guibelarmino está preparando o texto da lei que vamos apresentar para os Deputados e Senadores", disse.

Neste ano, o tema voltou a chamar atenção por conta de outro reality show, o Big Brother Brasil. No início do programa, alguns participantes rotulavam outros integrantes como “loucos” e “desequilibrados”. As falas mais polêmicas foram proferidas pela rapper Karol Conká, que usou termos como “doida” e “surtada” para se referir à advogada Juliette Freire, com quem não tinha um bom relacionamento na casa. Após Conká perguntar, de maneira pejorativa, se a colega de confinamento possuía algum diagnóstico psiquiátrico, a esquipe da advogada fez um pronunciamento no Instagram:
 
“Não é de hoje que nos incomodam as falas em tom de psicofobia da participante Karol. ‘Doida’, ‘surtada’, ‘piradinha’, ‘obsessiva’, ‘manicômio’ e outros termos ditos de forma pejorativa em relação às doenças mentais, sempre referidos a Juliette. Essa narrativa tem a intenção de fazer um jogo psicológico e desestabilizar os participantes lá dentro, excedendo o limite do entretenimento”, apontou.

A publicação teve mais de um milhão de curtidas.
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