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25/03/2021 às 17h51min - Atualizada em 25/03/2021 às 16h52min

Demi Lovato: a dança com o demônio e a arte de recomeçar

Em novo documentário, a artista fala abertamente sobre os traumas e a recuperação

Ana Beatriz Magalhães - Revisado por Mário Cypriano
Cartaz de divulgação do documentário - Foto: Divulgação / lovatogallery.com
No dia 17 de fevereiro foi divulgado o trailer do terceiro documentário de Demi Lovato (Dancing with the devil). As gravações começaram em 2018, mas o foco era outro: apenas imagens da “The tell me you love me tour”, sua turnê mundial de divulgação do sexto álbum de estúdio. Entretanto, devido aos acontecimentos trágicos daquele mesmo ano, a cantora decidiu mudar o documentário e contar os bastidores sobre o ocorrido no dia 24 de julho de 2018, colocando um fim em todas as especulações.

As novas gravações foram feitas em 2020 e divididas em 4 partes. O material foi lançado no YouTube no dia 23 de março
. A obra conta com a participação de artistas como Christina Aguilera e Elton John, além de depoimentos dos familiares, da equipe e dos amigos mais próximos da cantora.
 

Vida e carreira precoce


Demi Lovato é uma das artistas mais resilientes de sua época, iniciando sua carreira em concursos de beleza e no programa infantil “Barney e seus amigos” quando ainda era uma criança. Logo após, ganhou destaque nos seriados do Disney Channel e tornou-se um nome familiar entre os jovens espectadores. Além da vida na tv, escrevia e lançava álbuns – seis, no total - batendo recordes e conquistando prêmios, enquanto acumulava 100 milhões de seguidores no Instagram.

Em 2017, a Billboard informou que Lovato vendeu mais de 2 milhões de álbuns e 20 milhões de singles nos Estados Unidos. Fora da música, Demi atuou como jurada e mentora no The X Factor por duas temporadas, apareceu como personagem recorrente em Glee (2013-2014), na sitcom Will & Grace (2020) e na dublagen da Smurfette no filme de animação da Sony Pictures Smurfs: The Lost Village (2017).

Em meio ao sucesso e a fama, tentava lidar com um transtorno alimentar, um vício em heropina, traumas deixados pelo pai e a pressão constante de ser uma pessoa excepcionalmente famosa, um exemplo para os mais novos. 

 

Disney channel e a pressão para ser uma 'role model'


Os seriados da Disney usavam e ainda usam, em geral, personagens que expressam o que deveria ser o modelo ideal para as crianças. Esses programas geram narrativas que se estendem das telas à vida real, influenciando o estilo e o vocabulário. Os atores e atrizes se tornam uma marca ou um produto que podem ser comprados ou imitados, sendo assim, propriedades do canal, já que a falta de autonomia sobre a própria carreira também marca a trajetória desses artistas mirins, não só pela pouca idade, mas pela fonte de lucro que representam para a empresa. 

A partir dessa relação, pode-se observar a criação de um “padrão Disney” de comportamento para essas jovens estrelas. Os adolescentes e crianças contratados pelo canal não podiam se envolver em escândalos, sob orientação e assessoria do próprio canal, pois os problemas seriam associados aos seus personagens.

A recorrente ligação entre a figura da personagem interpretada e a figura da atriz ou do ator que a interpreta é o resultado de uma ideologia planejada pela mídia televisiva. Ou seja, a figura da personagem e a do artista se misturam para o telespectador e, por mais que seus hábitos e personalidades fossem completamente diferentes de seus papeis, precisava-se manter um comportamento imposto para evitar danos à imagem e não desagradar os fãs e os pais.

Por exemplo, se o público-alvo era predominantemente infantil, era necessário a infantilização do conteúdo para que não encontrassem problemas frente à sociedade que preza pela “pureza” dos seus filhos. A identidade era construída a partir de aspectos televisionados e uma conduta era estabelecida pela própria Disney, onde os contratados passavam a representar o canal.

 
Demi Lovato atuando na série 'Sunny Entre Estrelas' - Foto: Divulgação / lovatogallery.com

De acordo com a neuropsicóloga Marta Ribeiro, carregar o “peso” de ter um padrão a ser seguido desde muito cedo pode dificultar e criar uma responsabilidade além do que esses jovens podem lidar. Na adolescência, as crises surgem com mais facilidade, pois o adolescente se sente inseguro e fragilizado, e é nesse momento que tudo se transforma.

Tornar-se o exemplo, ser impedido de ter e viver a sua liberdade e ter o personagem como referência faz com que a pessoa se torne prisioneira de si mesma. O único desejo é se sentirem livres e donos de si, podendo recorrer às drogas e ao que é ilícito como um grito de liberdade.


Nas teorias de Douglas Kellner sobre as sociedades de consumo e de predomínio da mídia surgidas depois da Segunda Guerra Mundial, vincula-se cada vez mais a identidade ao modo de ser, à produção de uma imagem, à aparência pessoal. Um padrão era estipulado, ditando como uma garota deve se portar, por exemplo. As jovens estrelas que representavam a emissora deviam se portar dentro do que se espera diante do modelo imposto.

Com Demi não foi diferente. Ela foi inserida nesse plano e moldada para que as fãs tivessem alguém para se espelhar, não havendo distinção entre a ficção e sua vida pessoal.


Foi colocado na cabeça de Lovato, assim como na de outras estrelas da Disney, que ela deveria ser a número 1 em tudo, um modelo a ser seguido. Isso agravou o transtorno alimentar que ela desenvolveu muito nova, devido a sua participação em concursos de beleza, e que a acompanhou ao longo de sua carreira.
      

Drogas, distúrbio alimentar e a overdose de 2018


No início de outubro de 2010, a estrela, que tinha acabado de fazer 18 anos, parecia estar no ápice de sua carreira, mostrando trabalho árduo, inocência e integridade. No entanto, em 28 de outubro, as coisas começaram a ficar mais complicadas. A bordo do jato da turnê dos Jonas Brothers, Lovato socou uma das dançarinas – ela fala sobre isso em seu documentário lançado em 2017, Simply Complicated (Simplesmente Complicado, em tradução livre) - e, em poucos dias, deu entrada em um centro de tratamento. Foi nesse momento que o mundo ficou sabendo do problema que a cantora enfrentava com as drogas, além do transtorno alimentar e do costume de se cortar. Depois dessa descoberta, sua imagem e sua carreira foram afetadas diretamente.

O tratamento deu resultado, já que em 2018, Demi Lovato comemorou 6 anos de sobriedade. Durante esse tempo, ela se abriu e falou sobre seus vícios, problemas com a comida e com o corpo, sempre destacando a importância do autocuidado, tornando-se uma porta-voz de sucesso sobre a conscientização da saúde mental.

Nesse mesmo ano, no dia 24 de julho, a artista teve uma recaída. No novo documentário, Lovato conta, em detalhes, como tudo aconteceu e como ela teve uma overdose que causou uma parada cardíaca, três derrames cerebrais, pneumonia por asfixia em seu próprio vômito e falência múltipla dos órgãos. Ainda revelou detalhes mais profundos como a situação em que o traficante que a levou às drogas naquela noite a agrediu sexualmente e a deixou próxima da morte.
 
Dancing With the Devil” está repleto de confissões que revelam assuntos nunca comentados. Sua overdose veio após 6 anos de sobriedade, durante os quais, Lovato conta que se sentia cada vez mais limitada pelas medidas que seus gerentes de longa data tomavam para ajudá-la a permanecer no caminho certo.

Nas gravações, seus amigos mais próximos contam que era necessário 'pisar em ovos' quando estavam perto da cantora, pois ela não podia conviver com pessoas que não estavam 100% sóbrias. Sua assistente pessoal, Jordan Jackson, completa dizendo que muitas vezes lhe foi orientado a dormir ao lado de Demi para que a artista não extrapolasse na comida.

 

Recuperação, a nova era e o ativismo 


Apesar dos últimos acontecimentos, Demi Lovato brilha como nunca. No início de 2020, abandonou a antiga equipe e passou a ser gerenciada por uma nova, liderada por Scooter Braun, o gerente e empresário que supervisiona as carreiras de Justin Bieber e Ariana Grande. A cantora voltou a se apresentar em grandes eventos como o Grammy e o Super Bowl, desacelerando apenas pela pandemia do novo coronavírus.

A cantora e atriz americana passou a se dedicar bastante ao ativismo e às questões sociais. Entre outros artistas, Lovato também fez campanha contra o ex-presidente Donald Trump, lançando a música “Commander In Chief” como um recado para Trump, logo após os ataques ao Capitólio, além de usar seu Instagram para conscientizar as pessoas acerca de assuntos como racismo e transfobia.

 
 
“Comandante da nação, honestamente/ Se eu fizesse as coisas que você faz, não conseguiria dormir a noite/ Seriamente, você sabe a verdade? / Estamos em um estado de crise, as pessoas estão morrendo/ Enquanto você enche os bolsos de dinheiro”.  
A cantora anunciou também, na madrugada de terça-feira (16), o lançamento de seu sétimo álbum de estúdio "Dancing With the Devil: The Art of Starting Over" (Dançando com o diabo: a arte de recomeçar, em tradução livre) que chegará às plataformas de streaming no dia 2 de abril.

 

Capa do novo álbum de Demi Lovato - Foto: Divulgação / lovatogallery.com
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