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26/05/2019 às 03h19min - Atualizada em 26/05/2019 às 03h19min

Crônica: Caso Lorena da Paulista

“Eu preciso que vocês me ajudem a sair da rua”

Rafael Campos | Revisado por Delane Barros
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O dia estava quase no fim. Já havia encerrado minhas obrigações, restava-me agora apenas gastar o meu tempo livre no egocentrismo das redes sociais. E passando meio tempo já, depois de ver muita gente reclamando da vida, sorrindo artificialmente em um local bonito ou sendo engraçado para ganhar curtidas, eis que surge um vídeo de aparência bem séria. Abdiquei aquele meu tempo, cliquei.

Neste vídeo que somava um minuto, descobri basicamente uma história de vida. Ainda acho irônico essa evolução da tecnologia, mas é tão simples de acostumar agora e perceber que a distância agora é apenas um detalhe. E  que, independente disso, agora nós podemos ser parte da trajetória de uma pessoa, diretamente ou não. E neste que exponho, será o caso de Lorena. Lorena da Paulista.

Logo na introdução,  já dava para ver que se tratava de uma travesti e negra. E afirmava, nos poucos segundos, sobre o receio que ela tinha em aproximar das pessoas, devido aos olhares pejorativos de preconceito que ela mesma presenciava sobre a sociedade. Ela, que também é moradora de rua, relatava seu desejo de sentir que as pessoas tivessem empatia por sua pessoa e não a julgasse por causa do seu físico, de seu gênero e muito menos da sua raça.

É incrível pensar que esses argumentos ainda nos chocam, pois não estamos acostumados a ver o lado alheio em âmbitos positivos. É como se estivéssemos preocupados apenas com o nosso umbigo; em coisas que nos favorecem e/ou com os problemas dos outros. Nunca ao contrário.

Terminando seu relato nesse vídeo, Lorena foi abraçada por três jovens que a apoiaram imensamente, responsáveis por sua viralização. Só que nem eu e nem esses três meninos imaginavam que aquilo dito por Lorena, podia ser uma intuição do que viria a acontecer. Infelizmente, no dia 11 de maio, véspera do Dia Das Mães, Lorena foi agredida até desmaiar, pelo segurança de um supermercado muito renomado. Segundo as testemunhas, Lorena havia sido desdenhada pelo segurança após pedir comida nos arredores e logo depois, ser agredida. “Ele saiu de dentro do mercado dizendo que já tinha acabado o expediente e que agora poderia fazer o que ele queria. E bateu até ela desmaiar”, declarou.

Lorena da Paulista apareceu no outro dia, em vídeo, com marcas de sangue por todo corpo e seu cabelo loiro arrancado, sem contar do choro que brotava em seus olhos e a dor que dilacerava seu interior. Que mesmo invisível diante da câmera, era perceptível aqueles que se comoviam com a situação. E nesse novo vídeo de comoção, desespero e tristeza, a mobilização se tornou maior e a favor da travesti.

Logo que a viralização tomou conta e o pessoal pediu para que isso fosse resolvido de alguma forma, o estabelecimento tomou as providências e informou que o agressor não fazia parte daquele local, na verdade, ele vinha de outra repartição como substituição. Porém, mesmo assim, o mesmo havia sido punido e retirado do quadro de funcionários. E como forma de sanar os transtornos, a empresa procuraria Lorena para dar suporte e auxílio naquilo que ela precisava. Os internautas esperaram.

E isto se passaram cinco dias, até que Lorena surgiu de novo. "Olha só quem eu encontrei", disse a menina que filmava a moça toda sorridente. E em seu último vídeo até o momento, Lorena parecia ser outra pessoa. Com um boné rosa e seu aplique loiro refeito caindo sobre os ombros, a travesti dizia que ainda sentia dores, mas que estava feliz. Ela havia sido surpreendida pelo gerente, e o subgerente do estabelecimento que prometeram um emprego a ela, apóes resolvidas todas as pendências de seus documentos. 

Em sua fala, Lorena dizia que ela não queria aglomeração, mídia em cima, mas apenas ajuda para sair da rua. Eu, mais uma vez, tive que ver esses vídeos e mais uma vez, me encontro emocionado por lidar com essa história. Realmente, não estamos preparados para ouvir estes tipos de argumentos. Como disse, isso ainda nos choca, de forma que nos faz pausar o tempo e se tornar reflexivo.

E vendo estes vídeos todos, com meu café na estante e impactado com o que a história que eu acabara de escrever, pensei: Se reunirmos todo esse visual que conta a história de Lorena, não dá cinco minutos de vídeo, mas muda um pouco o conceito que achamos a nossa vida.

A famosa Pepita disse um dia em entrevista que as travestis são as que mais sofrem no mundo LGBT+, porque não conseguem viver em uma cortina de fumaça disfarçando o que elas são. Todos conseguem ver de cara, que elas não pertencem a heteronormatividade, aquilo que a sociedade espera, aquilo que a tradição diz. O que faz que com isso, o ataque vem com mais frequência, fazendo Lorena comprovar toda a situação. 

Não sabemos e não temos afinidade por extenso com Lorena mas, basicamente em duas semanas, sua história nos comoveu. Ainda espero que a tecnologia e a internet sejam úteis para isso, para lutar contra algo que nos incomode e fazer atos sempre a favor de um bem. Que a internet seja voz. Como eu acredito que teve importância quando o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou que todo preconceito contra o universo LGBT+ é crime.

“Lorena nasceu e ela veio por causa de vocês e sobreviveu por causa de vocês”. Talvez se não existisse todo esse alvoroço, o estabelecimento não teria escutado sua história e nós também não.

#TodosJuntosPorLorena


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