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26/03/2021 às 13h42min - Atualizada em 26/03/2021 às 13h16min

Tinder exibirá antecedentes criminais de usuários; entenda

Especialistas em Direito Digital dizem que o recurso pode ser insuficiente para impedir golpes e casos de violência na plataforma e dão dicas de como se proteger

Ana Paula Jaume - Editor: Ronerson Pinheiro
Foto: Para especialistas em Direito Digital, o recurso do Tinder pode ser insuficiente - Reprodução: Hipeness
De fotos que não retratam a realidade, a fraudes e assédios. E quando pessoas interessantes, likes e matches são pontes para crimes? No dia 15 de março, o Tinder anunciou um incremento no flerte virtual: a exibição do histórico criminal de usuários nos Estados Unidos. A tentativa é diminuir crimes mediados pela plataforma. Especialistas em Direito Digital acreditam que o recurso pode ser insuficiente para impedir a violência.

Entre 2014 e 2018, a Secretária de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP/SP) registrou um aumento de 250% em boletins de ocorrência envolvendo encontros através de plataformas de namoro. Difamação e ameaças, contra mulheres, são as principais ocorrências, seguidas de estupro e lesão corporal.
 
A advogada de Direito Digital, Laura Sthephany Pereira, explica: “Talvez a exibição do histórico criminal não impeça o cometimento de crimes na vida offline por pessoas que se conheceram através do aplicativo”, conta. “O Tinder, como qualquer aplicativo de relacionamento, coleta as informações de dados pessoais do usuário através dele próprio, sem verificação”, diz a também advogada de Direito Digital, Andreza Loverly. Ela fala do número de contas falsas no aplicativo e alerta que quem cria um perfil fake não utiliza dados verdadeiros: “Não vai utilizar seus próprios dados, mas sim de um desconhecido”, finaliza.

Como vai funcionar?
 
Segundo o Match Group, grupo dono do Tinder, a atualização será possível graças à plataforma Garbo. Esta, vai exibir antecedentes criminais dos usuários pela coleta de registros públicos de violência (ordens de restrição, condenações, detenções, assédio estão na lista). Criada, em 2018, pela sobrevivente de violência de gênero Kathryn Kosmides, a Gabo é uma organização sem fins lucrativos, que gera verificações de antecedentes criminais a partir de dados públicos da pessoa. A opção de visualização dos antecedentes criminais será paga e só está disponível nos Estados Unidos, na versão premium do Tinder. O Match Group pensa em deixar a ferramenta acessível a um maior número de usuários. 

Não se sabe quando, ou se, a utilidade chegará ao país, mas Andreza Loverly comenta o porquê que a hipótese seria inviável no Brasil. “O acesso aos antecedentes criminais de brasileiros, apesar de ser uma informação pública, não é publicizada, você precisa de vários dados pessoais do indivíduo para fazer a coleta através do site da Justiça Federal/Estadual”, explica. “Lá fora [EUA], há um banco de dados dos condenados por crimes sexuais que é público, qualquer pessoa pode ter acesso”, acrescenta a advogada. No cenário cibernético brasileiro, a coleta de dados para o histórico criminal dos matches poderia significar ainda uma discriminação de usuários, o que iria contra à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
 
O alvo

"Por muito tempo, mulheres e grupos marginalizados em todos os cantos do mundo enfrentaram com a ausência de recursos voltados à segurança", disse o chefe de segurança e defesa social do Match Group, Tracey Breeden, em comunicado à mídia.
 
Clique aqui para ler o comunicado na íntegra.
 
Carla* sabe bem o que é isso. “Recebi fotos (nudes) por aplicativo de relacionamento, sem pedir ou autorizar, mesmo depois de já ter falado várias vezes que não queria”, lembra. 
 
Os menores de idade também costumam passar por constrangimentos on-line. Sabendo disso, a jovem resolveu fazer um teste. “Eu me passei por uma criança em um aplicativo de relacionamento justamente fazendo uma pesquisa”, conta. “Os homens, na maioria das vezes, não se importavam, mesmo se eu falasse que tinha 14 anos”, destaca Carla*.
 
Assessoria do Tinder no Brasil
 
“[...] Estamos adotando essa abordagem liderada pelo usuário, em que as pessoas têm a opção de descobrir essas informações, para [...] tomar suas próprias decisões sobre sua segurança”, coloca a empresa. A área de comunicação da Match Group enfatiza “A abordagem multifacetada à segurança, que inclui uma rede de moderação automatizada e manual e ferramentas de revisão [...] tecnologias voltadas para o usuário, incluindo bate-papo por vídeo e prompts [comandos] anti-assédio”, conclui.
 
 
Única alternativa?

Laura Stephany Pereira reforça: “Incluir esse tipo de pesquisa no próprio aplicativo traz problemas desnecessários para a plataforma, [...] esses serviços de consultas relacionadas ao passado criminal das pessoas já existem de forma gratuita [...] na SSP [Secretaria de Segurança Pública] dos Estados”.
 
“Sempre há alternativas melhores para a segurança dos usuários do que o excesso de coleta de informações pelas empresas. Poderia ter uma plataforma de denúncias anônimas eficaz [...] impossibilitando que [o usuário] faça um novo cadastro, mesmo com perfil falso – o que é possível sim pela plataforma, já que ela coleta informações do dispositivo usado e a rede de conexão”, exemplifica Andreza Loverly.
 
Proteja-se
 
“[...] O ideal é sempre escolher lugares públicos, como cafeterias e shoppings; [...] não emprestar seus cartões de crédito ou passar dados desse gênero para as pessoas que acabaram de conhecer no aplicativo/site de namoro [...]; não vá até a casa, daquela pessoa que conhecerá, no primeiro encontro; [...] e faça uma pesquisa no Google Imagens com a foto utilizada no perfil do usuário [...]”, aconselha a advogada Laura Stephany Pereira. “Pode acabar parecendo um serviço investigativo, mas é necessário que as mulheres façam essa busca para não caírem em ciladas”, conclui a especialista.
 
Denuncie
 
E-mails, informações do acusado, troca de mensagens ou qualquer dado que tenha caráter de prova podem ajudar na comprovação do crime. Cabe ressaltar que o uso do print de tela como prova não é tão recomendado, já que se torna fácil de falsificá-lo. Registre esses elementos em cartório com ata notarial (instrumento que confere autenticidade às evidências). Depois, vá a uma delegacia e faça um boletim de ocorrência (BO - registro do fato). 
 
“[...] Uma dica muito valiosa é a vítima, ao invés de tirar o print que é uma imagem estática, gravar a tela do celular enquanto percorre o perfil do suspeito e [...] conversas trocadas”, orienta a advogada Andreza Loverly.
 
Veja se na sua cidade há delegacias especializadas em crimes cibernéticos.
*Nome fictício para proteger a imagem da vítima


Editora-chefe: Lavínia Carvalho 

 
 
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