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27/03/2021 às 19h30min - Atualizada em 27/03/2021 às 19h30min

I CAN'T BREATHE: o poder de uma música contra o racismo

Como uma canção premiada no Grammy Awards expõe a luta racial de um povo

Isabelle Marinho - Revisado por Mário Cypriano
Créditos: Metrópoles
Duas semanas atrás, no dia 14 de março, a 63ª edição da cerimônia norte-americana Grammy Awards elegeu as melhores composições, artistas e gravações das produções realizadas entre setembro de 2019 a agosto de 2020. Em meio às 83 categorias selecionadas, a artista estadunidense Gabriella Willson, popularmente conhecida como H.E.R., ganhou o prêmio de Canção do Ano com a música “I can’t breathe”. O single lançado em 2020 foi reconhecido como uma homenagem ao caso George Floyd e às consequentes manifestações do movimento Black Lives Matter, além de fazer uma abordagem sobre a vida do negro e o racismo na América do Norte.

H.E.R. é cantora, compositora e durante sua carreira na indústria musical foi indicada às premiações do Grammy por três anos consecutivos, totalizando 13 nomeações, conquistando quatro prêmios. Quando a artista ganhou os dois primeiros em 2018, as categorias vencedoras foram de Melhor Álbum R&B com “H.E.R.” e Melhor Performance R&B com a produção “Best Part”. Em 2019, embora nomeada a cinco Grammys, não venceu nenhuma das categorias, completando sua estante de troféus no último evento deste ano com quatro indicações, vencendo duas: Canção do Ano com “I can’t breathe”, mencionada anteriormente, e Melhor Canção R&B com “Better Than I Imagined”. 
 
(Reprodução: Billboard – H.E.R. em discurso de agradecimento após ganhar o Grammy de Canção do Ano)

A Canção do Ano foi lançada oficialmente com videoclipe em 26 de junho de 2020, enquanto ainda ocorriam os protestos do Black Lives Matter em decorrência da violência policial e racista contra George Floyd e outras vítimas. A composição musical, incluindo letra e clipe, mostra uma visão dos protestos e de como os negros se sentem em um país, continente e mundo que os mata injustamente, como segue no trecho:
 
This is the American pride
It's justifying a genocide
Romanticizing the theft and bloodshed
That made America the land of the free
To take a black life, land of the free
Em tradução livre: "Esse é o orgulho americano, é justificar um genocídio, romantizar o roubo e o derramamento de sangue. Isso fez da América a terra dos livres, para tirar uma vida negra, terra dos livres".
 

De acordo com Mar das Neves, que possui graduação em Música pela Unoeste (Universidade do Oeste Paulista) e mestrado em Ciências Sociais pela UEM (Universidade Estadual de Maringá), a música pode representar certas opressões que grupos minorizados sofrem, pois “através da música a gente consegue compartilhar o sentido de algumas coisas, compartilhar significados, perspectivas sobre um determinado assunto” - explica. Entretanto, para Mar, por mais que a arte musical possa carregar conceitos de cunho social é necessário que as pessoas estejam disponíveis e prontificadas à mobilização para a mudança de uma realidade. “Ela [música] sozinha não tem esse poder. Acredito que ela faça parte de um conjunto de ações que vão colaborar para esses processos de transformação”, finaliza. 

Relembrando o caso George Floyd


George Floyd, afro-americano, foi assassinado em 25 de maio de 2020, aos 46 anos, após ser estrangulado pelo joelho de um policial branco em Mineápolis, Minnesota, nos Estados Unidos. O caso viralizou com vídeos divulgados pelas testemunhas no local, onde escutaram várias vezes Floyd avisar os policiais que não conseguia respirar (fala que inspirou o título da música “I can’t breathe”), até o momento em que desmaiou, indo a óbito depois de oito minutos, aproximadamente.

Com a repercussão da tragédia, uma série de protestos envolveu os Estados Unidos e outras partes do mundo por mais de 100 dias em meio à pandemia da Covid-19. As manifestações que ocorriam de forma pacífica ou envolvendo violência física, ficaram famosas também pelo movimento Black Lives Matter, que existia desde 2013, porém ganhou mais visibilidade em 2020. 

O movimento “Vidas Negras Importam”, em tradução livre, foi fundado em 2013 por Patrisse Cullors, Alicia Garza e Opal Tometi como um protesto à absolvição de George Zimmerman, assassino de Trayvon Martin. Trayvon era um garoto afro-americano de apenas 17 anos que foi morto em 2012 em Sanford, Flórida, Estados Unidos, pelo vigilante Zimmerman que o avistou e questionou sua conduta, alegando ser suspeita. Após persegui-lo, disparou a arma contra o jovem que morreu na hora.
 
(Reprodução: The Guardian)

E o racismo no Brasil?

 
Não obstante, casos de injustiça e até morte por racismo não acontecem apenas nos Estados Unidos. No Brasil, segundo os dados do Atlas da Violência, em 2018, 75,7% das vítimas de homicídio eram negras e, enquanto as taxas subiram em 11,5% para o assassinato de negros, o percentual da relação de brancos abaixou em 12,9%, entre os anos de 2008 a 2018. 
 
Em 19 de novembro de 2020 foi relatado um caso racista envolvendo assassinato por espancamento e asfixia no supermercado Carrefour, na capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. A vítima foi João Alberto, 40 anos, morto por dois seguranças, Magno Braz Borges e Giovane Gaspar da Silva. A morte ocorreu às vésperas do Dia da Consciência Negra, despertando a revolta da população que protestou em vários mercados da franquia em todo o Brasil. O caso ganhou visibilidade internacional, incluindo o reconhecimento do movimento Black Lives Matter.
 
(Reprodução: El País Brasil)
 
A estudante de 17 anos, Melissa Silva, compareceu ao primeiro dia de protesto na cidade onde ocorreu o caso. Melissa acredita que precisar fazer manifestações por essas razões no ano e período em que vive é triste, mas ao mesmo tempo ela se anima ao saber que há uma mobilização pelo fim do racismo. “Não somos poucos lutando por essa causa e não estamos em um único lugar lutando por isso, estamos pelo mundo todo. Não são somente pretos nessa causa, mas também amarelos, pardos, brancos e isso mostra que não é 'loucura da nossa cabeça', como muitos dizem!”, a estudante se posiciona. Ademais, para a protestante, a música e o artista podem representar um grupo minorizado: “O artista nos mostra que podemos chegar onde queremos mesmo sendo pretos, que também sabemos atuar, cantar, pintar, dançar assim como os brancos e a música chega em qualquer lugar como em áreas mais pobres que não tem acesso à internet”, conclui. 

Alice Carvalho, 19, moradora da cidade de Ourinhos-SP, afirma que demorou para observar que era vítima de racismo, mas que o ato já ocorreu, inclusive, dentro de sua família. Para a vestibulanda os ataques contra ela sempre foram mais discretos: “Não é necessariamente a pessoa apontar na sua cara, é mais a forma como ela te olha e te trata [...] é engraçado porque quando você fala que a pessoa está sendo racista, geralmente ela tem aquela reação tipo 'Eu? Racista? Não, imagina, tem gente na minha família que é preta'. Sempre essa ideia de não querer ser o vilão”, observa.

A representatividade dentro da indústria musical faz diferença para a estudante, pois presenciar uma artista negra alcançar vários prêmios e visibilidade em eventos como o Grammy é sinônimo de alegria e identificação. Além da H.E.R., Alice se identifica com a cantora Alicia Keys, tendo a artista como uma referência para a luta contra o racismo. No contexto brasileiro, a jovem acredita que o rap é o gênero musical que mais fala sobre a luta social, citando o rapper Emicida como inspiração. 

Trazendo o rap como palco de discursos raciais no Brasil, o rapper Arthur Freestyle conta como é ser negro em uma indústria onde eles são minoria. Arthur ainda explica o motivo que o levou a cantar e compor sobre o racismo:

 
“Senti na pele toda a pressão e opressão vindo muitas vezes de pessoas que estavam no mesmo ambiente social. Eu acreditava que, fazendo o que eles diziam eu estaria indo para o caminho certo, só que aos 9 anos eu já era um garoto muito esperto, e comecei a perceber que algo estava errado. Ao começar a ouvir e cantar rap, ouvi muitas coisas como: rap é coisa de preto, não presta. Eu defendia com unhas e dentes meus amigos que tinha a pele preta, ficava com muita raiva, e por isso dali pra frente decidi que iria defender toda uma negritude, através das minhas rimas e principalmente a atitude”.
O cantor acredita que a representação da luta racial no meio artístico é de extrema importância para a identificação de grupos que sofrem preconceito. Ainda cita sua composição “Meus Ancestrais” como forma dessa representatividade. A música fala sobre os negros vindos da África que sofreram com a escravidão e criaram a Capoeira como uma forma de arte resistência. Para Arthur, “o discurso hoje não basta mais não ser racista, tem que ser também antirracista, tem que lutar contra quem pratica, apontando e mostrando os erros de quem comete esse tipo de crime”.

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