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02/04/2021 às 00h00min - Atualizada em 02/04/2021 às 00h01min

A situação diplomática ambiental entre Brasil e EUA virou motivo de preocupação

Não cumprimento da agenda ambiental pelo Governo Federal pode prejudicar as relações internacionais do Brasil

Emanuele Almeida - Editado por Júlio Sousa
Embora a demora de 38 dias de Bolsonaro para reconhecer publicamente a vitória de Biden, a resposta do democrata foi positiva em relação à manutenção da amizade entre os dois países. IMAGEM: AFP/ARQUIVOS
No dia 18 de março, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, respondeu a carta encaminhada por Jair Bolsonaro (sem partido). O conteúdo da carta reforçava a continuidade das relações entre Brasil e EUA, principalmente na luta contra a pandemia e as mudanças climáticas. Você pode conferir a carta na íntegra através deste link.
 
Muito se temia acerca da diplomacia entre Brasil e EUA após a derrota de Donald Trump - quem Bolsonaro defendia e apoiava fielmente -, pois a agenda política de Biden é contrária à várias atitudes tomadas por seu antecessor e reproduzidas pelo presidente brasileiro. 
 

 
O que a carta pode dizer à política brasileira atual?
 
Ainda quando Trump estava sob o comando dos EUA, o Brasil não sofria pressões e críticas sobre o gerenciamento das políticas ambientais - as quais nunca foram prioridades na agenda do governo brasileiro -, porque o negacionismo climático e negligência a temas ambientais também faziam parte do discurso de Trump. Porém, desde sua campanha eleitoral, Biden reforçava a pressão sobre a agenda ambiental e de combate à pandemia pelo Brasil.
Entretanto, com a entrada do democrata no cenário político, o governo brasileiro se vê isolado em relação à sua posição negacionista frente aos outros países. Um dos poucos apoios que Bolsonaro possuía no exterior era Trump, que compartilha dos mesmos ideais. 
Além disso, Biden também reforçou, em sua resposta, o cumprimento das agendas ambientais e a participação dos dois países na COP26 (Convenção da ONU sobre mundanças climáticas) e na Cúpula sobre o Clima, que será sediada pelos EUA em 22 de abril deste ano.
 
Dessa forma, todas as ações do governo brasileiro subsequentes à carta e aos pronunciamentos do governo norte-americano, influenciarão o destino das relações diplomáticas do Brasil. 
 
 
O que a política brasileira está dizendo para Biden?
 
Desde que assumiu a presidência do Brasil, Bolsonaro afirma com todas as letras que a gestão ambiental não é prioridade em seu governo. E as atitudes de seu ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, reforçam seu discurso. 

Presidente Bolsonaro e o Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles. IMAGEM:Zanone Frassat/Folhapress

 

Segundo a Professora do Departamento de Relações Internacionais da UNESP, Fernanda Mello Sant’Anna, o Brasil vive um desmonte das políticas ambientais:
 
“Diversos colegas tem chamado de "desmonte" da política ambiental brasileira este período (e eu concordo), pois se trata de um conjunto de ações articuladas e pensadas para desregular e enfraquecer as instituições e normas ambientais, bem como diminuir a participação da sociedade civil em diversos órgãos importantes”, afirma Fernanda.
 
E isso pôde ser visto nas vésperas das eleições presidenciais em 2018, onde Bolsonaro afirmou que, se eleito, retiraria o Brasil do Acordo de Paris - o qual rege as medidas internacionais para a diminuição de emissão de gases estufa. Mas frente às pressões políticas, a ameaça de retirada nunca foi concluída.
Porém, atualmente eleito, é possível enxergar outras ações maléficas às políticas ambientais dentro de seu governo: de janeiro a setembro de 2020, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) gastou apenas 0,4%  da verba anual prevista para a proteção da biodiversidade e luta contra as mudanças climáticas. Ou seja, dos R$25,5 milhões disponíveis, apenas R$105.409,00 foram usados nos primeiros oito meses de 2020.
 
E não obstante, ainda acontece o desmonte das instituições regulamentadoras e de amparo ao meio ambiente. Como exemplo, houve a extinção da Secretaria de Extrativismo, Desenvolvimento Rural e Combate à Desertificação, além das demissões e mudanças dentro do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).
Além disso, em 2020 o país viveu - e ainda continua a viver -  a pandemia de covid-19. E para a Doutora em Ciências do Sistema Terrestre, Graciela Tejada, em 2020 o aumento do desmatamento no cenário pandêmico é um reflexo das políticas públicas adotadas e o desmantelamento de instituições ambientais, como o IBAMA.
“De 2004 a 2012 o desmatamento havia diminuído 80%. A partir de 2012 a curva de desmatamento só aumentou. E agora temos dados que confirmam o ano de 2020 tendo o maior desmatamento da década. Isso é o reflexo das políticas públicas adotadas e do desmantelamento do Ibama; a pandemia e a manutenção do meio ambiente estão altamente associadas”, afirma Graciela.
De acordo com Tejada, a associação entre a pandemia e o meio ambiente se dá pela contenção da destruição das matas, pois, se o desmatamento e, consequentemente, o clima não forem controlados, a sucessão de outros vírus mantidos dentro das matas, icebergs e animais virão para o meio urbano, ocasionando outras crises sanitárias.

 
Será possível manter as relações diplomáticas entre Brasil e Eua?
 
Frente às ações aplicadas pelo governo Bolsonaro nos últimos anos e a agenda política de Biden, é possível desconfiar na continuidade de uma relação saudável entre os dois países - principalmente na questão ambiental e de combate ao coronavírus. 
 
Para Fernanda, o Governo Federal brasileiro não será capaz de cumprir os compromissos ambientais de contenção da emissão de gases estufa:
 
“Uma das políticas ambientais mais impactadas no Brasil nos últimos dois anos foi a de mudanças climáticas que teve um dos maiores cortes de orçamento, bem como passou por várias reformulações. Esta estratégia, em conjunto com a impossibilidade de ações de fiscalização do desmatamento ilegal pelo IBAMA, e com a tentativa de desestabilizar e desacreditar os dados fornecidos pelo INPE sobre o desmatamento da Amazônia, são indicativos de que não existem políticas e ações concretas para que o Brasil possa reduzir as suas emissões de GEE (gases do efeito estufa), que em sua maior parte estão relacionadas com o desmatamento”.
 
Já para Graciela, ainda existe esperança para que o Brasil consiga manter sua agenda ambiental:
 
“No Brasil, comparando-o com o resto da América Latina, possuímos uma qualidade enorme em tecnologia de obtenção de dados para vigilâncias e estratégias de contenção - principalmente do desmatamento da Amazônia - que nos permitem ter uma visão positiva para conseguir manter as promessas firmadas para a agenda ambiental”.

 

 
 
 
 

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