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16/04/2021 às 15h22min - Atualizada em 16/04/2021 às 15h02min

A ilustração de Pedro Firmino

O desenhista alagoano mistura poesia e pixel art para retratar as dores e os temas do cotidiano

Anna Sales - Editado por Gustavo Henrique Araújo
Foto: Pedro Firmino | Reprodução: Arquivo pessoal

Como uma boa criança nascida no final dos anos 90, o alagoano Pedro Firmino passava suas tardes brincando no computador. Aos seis anos, a maior diversão era desenhar no Paint, fazendo casinhas e cidades. Além dos desenhos, ele tentava fazer animação no famoso Moviemaker e, em uma ato que misturava paciência e desespero, também fazia no PowerPoint.

Desde aquela época, Pedro adorava ilustrar em
Pixel Art e o modo como a técnica cria linhas rígidas e soltas simultaneamente, além de tudo ser bem serrilhado, mas não necessariamente quadrado, podendo ser circular e solto

 

Anos depois, em 2019 e já na faculdade de Jornalismo, Pedro Firmino voltou a ilustrar em Pixel Art. Como na infância, usava apenas um mouse e uma caneta para suas artes. Após meses, com a bolsa do primeiro estágio, conseguiu comprar uma mesa digitalizadora e, desde então, não parou mais.
 

“Tento desenhar tanto pessoas, quanto ambientes. Geralmente eu uso a ilustração para complementar o que escrevo. Mas, para me divertir, eu gosto de desenhar personagens de filmes e jogos de quando eu era criança. Muita gente quando pensa em pixels lembra de nostalgia e jogos antigos. Mas minha motivação foi explorar esse novo meio e criar uma arte de Internet com a qual me identifico. Sempre gostei de animações como as do canal _wooma no YouTube. Gosto de pensar que pixel art não necessariamente é reducionista ou minimalista e, sim, uma reinterpretação da realidade”, conta. 

Para divulgar suas artes, Pedro fez um Instagram. Seu primeiro poema em Pixel art postado na plataforma foi uma versão da pintura "Saturno Devorando um Filho", do espanhol Francisco de Goya. Mas foi com as séries que falavam de política que o ilustrador fez ainda mais sucesso com o público, especialmente uma delas: a ilustração que criticava a empresa de Call Center AlmaViva.
 

“Foi um poema citando a música Como Nossos Pais, do Belchior. O poema era sobre como não dá pra ser como as gerações anteriores, fazendo crítica ao capitalismo tardio e a uberização. Não dá pra fazer como na música mais e viver como nossos pais. Muita gente compartilhou a imagem, principalmente pessoas que trabalhavam na Alma Viva. Fiz uns bons amigos”, revela. 

 Poema visual com a música "Como nossos pais"

 

O desempenho com as artes fez com que Pedro colhesse bons resultados. Em junho de 2020, ele conseguiu seu primeiro prêmio: foi selecionado no Planeta Ilustração, da Universidade do Papel, com o poema ilustrado "Morto-vivo". Pedro foi selecionado entre diversos artistas do Brasil, da América Latina e até da Europa. Tanto reconhecimento chegou até a assustar o artista.
 

“Foi engraçado, eles me marcaram no post e eu pensei que fosse só para mostrar os inscritos, mas eram os ganhadores. Daí fiquei esperando uns dias e eles postaram minha ilustração. Foram uns dias em êxtase total, eu era bestão, aliás, ainda sou. Eu escrevi primeiro o poema, que fala sobre como muitas vezes procuram a nossa desgraça. As ilustrações eu me inspirei no meu amigo que fuma eight, ele fala o tempo todo que vai morrer mais cedo porque, além de ser cigarro, é eight. Já o Elliott Smith está ali por causa do disco dele, Figure Eight, onde ele fica quase uma hora falando em morrer. Só música de qualidade". 

Poema "Morto-vivo"

Meses depois, em outubro, Pedro foi selecionado para ser colunista da Revista Alagoana, uma revista digital que fala sobre cultura. Semanalmente, ele faz ilustrações e poemas ilustrados para o Instagram da revista. O trabalho foi ficando conhecido e apreciado pelos leitores, especialmente os que retratam elementos da cultura alagoana, como o "Guerreiro" e o "Fandango", além das ilustraçõesde personalidades do estado, como o pintor Mestre Zumba e o escritor Graciliano Ramos.

 

"O Guerreiro", tradição folclórica alagoana


No fim de 2020, o ilustrador teve mais um reconhecimento: O poema ilustrado "O Fruto" foi selecionado na Lei Aldir Blanc. Mas diferente do "Planeta Ilustração", Pedro conta que ficou mais tenso com a seleção e os prazos do edital.
 
“O poema em si eu escrevi em 2019 para um livro que terminei ano passado, em 2020. Foi um período longo de preparação, fiquei algumas semanas pensando no poema em si e em qual escolher. Daí tive de adaptar o poema ao formato (tinha um limite de 2 páginas), tive de cortar uns pedaços do poema, a qualidade dele caiu muito no processo. De 4 páginas, caiu para 2 e pouco. Mas ainda assim ganhei, fiquei impressionado. Quando passei, achei estranho, eu pensei até que não tivesse sido selecionado. Fiquei confuso com a habilitação e seleção. Fiquei tenso o tempo todo, só percebi que ganhei umas semanas depois. Daí chamei mainha pra comemorar."

Poema visual "O Fruto".


Diante do estresse do final de 2020, Pedro acabou ficando bloqueado criativamente. Mas após muito pensar, conseguiu criar algo que retratasse sua essência: um mangá. Ele cita que começou esse projeto para expressar algumas "idéias estranhas" e que, inspirado no estilo de terror do escritor Junji Ito, o mangá terá histórias curtas de horror e as ilustrações terão a mistura do Pixel Art com outras artes digitais. Mas se engana quem pensa que as histórias terão assombrações, visões e coisas de outro mundo. A primeira história conta um horror que muita gente já passou: pedra nos rins. 
 

A arte

 

Apesar de parecidos, por trabalharem com pontos, as técnicas de Pixel Art e o Pontilhismo são bem diferentes. O ilustrador explica:
 

“Pontilhismo e arte em pixel são dois tipos de arte que representam por sugestão. Além disso, são artes unitárias, um ponto, um pixel. Claro que você não precisa fazer arte de pixel em pixel, mas pode corrigir de pixel em pixel. E o valor unitário sempre está presente, inevitável. Ainda sobre a questão do traço, desenhos tradicionais em papel têm muita textura por causa do papel em contato com o grafite/tinta. A pixel art, quando explorada em desenhos de alta quantidade de pixels, também tem uma textura, uma "sujeira" visual, que dá textura. Então, ambas se aproximam nesse quesito. Porque é possível criar um efeito de textura com pincéis em arte digital que não seja em pixel, mas a ilustração com grande quantidade de pixels naturalmente faz isso, sem efeito nem ilusão."

Sobre a "sujeira" criada pelo Pixel Art, Pedro conta que acredita que isso o define. Ele chegou a fazer uma série de ilustrações chamada "Traços", que foca em poemas de traços que nos definem. 

Perguntado sobre o papel que a arte tem em sua vida e quais os objetivos que ele pretende alcançar com suas ilustrações, Pedro finaliza:

“É esclarecedor fazer arte porque você descobre muito sobre si, mas eu não quero saber de mim. Se eu pudesse, eu me esquecia. O prazer de se conhecer não compensa as dores. É melhor sofrer sem se conhecer sem ter de pagar o preço de fazer arte.  Quanto aos objetivos da minha arte, tenho dois. Eu realmente quero encontrar mais gente como eu, que pensa essas coisas estranhas e compartilhe desses sofrimentos. Quero "confortar os desconfortáveis e causar desconforto nos confortáveis", por mais que seja uma ideia batida, talvez paradoxal. E meu outro objetivo é político, criticar certas empresas, trazer má publicidade para elas, causar caos nas relações públicas delas. A luta política não termina aí, mas a imagem é muito hoje para uma empresa. Já é um começo."

Ilustração feita como forma de protesto contra a mineradora Braskem
 

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