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18/04/2021 às 11h55min - Atualizada em 18/04/2021 às 11h36min

Clarice Lispector para além dos contos e romances

Introspectivo, feminino (e feminista por vezes), profundo e intimista: o jornalismo à moda clariciana mostra que sempre há algo por trás do factual

Thiago de Oliveira - Editado por Gustavo Henrique Araújo
Foto: Clarice Lispector | Reprodução: Google

Quando falamos de Clarice Lispector, pensamos em romances, contos e ensaios. Sua face escritora é, por motivos óbvios, a mais conhecida. Todavia, a Clarice jornalista que não contrasta de maneira alguma com a escritora não é tão divulgada. Desde o início de sua carreira na imprensa carioca, Clarice já fazia uso das características que a consagrariam anos depois. Introspectivo, feminino (e feminista por vezes), profundo e intimista: o jornalismo à moda clariciana mostra que sempre há algo por trás do factual.

 

Pequena biografia 


Nascida Haya Pinkhasovna Lispector, em Tchetchelnik, na Ucrânia, a futura Clarice não viveu tempo suficiente no país para se considerar ucraniana. Fugindo da perseguição antissemita decorrente da Guerra Civil Russa, a família Lispector se instalou, nos primeiros anos da década de 1920, em Recife-PE. Foi só quando Clarice tinha 12 anos que a mudança para o Rio de Janeiro aconteceu. Viveu muitos anos em terras fluminenses e, depois de passar por diversos países devido à profissão de seu marido, retornou ao Rio para viver até 1977, quando morreu, aos 57 anos.

 

Clarice procurou diversas revistas para publicar seus contos. A revista Vamos Ler! — periódico direcionado ao público masculino de classe alta se interessou, e foi a partir daí que Clarice começou sua história na imprensa. Mesmo enfrentando dificuldades por suas pautas e por seu gênero, Clarice nunca deixou as temáticas femininas e feministas de lado. O ser mulher era um fator central em muitos de seus textos. 

 

O jornalismo de Clarice

 

Seja entrevistando, redigindo ou fazendo crônicas, Clarice sempre deixou algo de intimamente seu através do que fazia. O aspecto subjetivo dela se incorporava à matéria como a chuva que tem que cair para o mundo continuar seu ciclo. O modo como a jornalista humanizava as situações, sem deixar que o texto fosse apenas sobre ela, mas com um olhar que substitui, ou melhor, complementa, de forma empática, o olhar de outrem, é o que há de mais clariciano em seus escritos na sua época de jornalista. 

 

Em sua estreia como entrevistadora, Clarice comprova a busca pelo algo a mais além do factual ao ir atrás do amigo Tasso da Silveira. A jornalista busca em Tasso algo de si e algo de universal:

 

"Para mim, entrevistar Tasso da Silveira era continuar uma daquelas palestras tão profundas, nas quais eu assistia atenta o poeta resolver os grandes problemas do pensamento. Quando, na redação do Pan, sua mesa não estava muito atulhada de papéis e seu cigarro não queimava rápido demais, eu puxava uma cadeira e, assim como quem nada quer, dizia uma palavra, uma simples palavrinha. E em breve discutíamos a gênese do mundo, a significação da arte, a explicação do tempo e da eternidade... Eram problemas para mim, certezas para ele."
Clarice Lispector 

Suas reportagens quase sempre eram escritas em primeira pessoa. E era assim que Clarice entrevistava e vivia. Mas não era uma primeira pessoa egóica, que usa tudo para falar de si. O que ela fazia era elementar: conseguia causar identificação nos leitores ao trazer a sua própria introspecção mesmo em assuntos formais. Numa entrevista comum, temos uma pergunta e, por conseguinte, uma resposta. No jornalismo à moda clariciana, temos uma pergunta, que já vem com uma pergunta a si mesma, e uma resposta que se tornará algo a mais que apenas a resposta objetiva.


No jornalismo tradicional, temos o lead: o quê, quem, quando, onde, como e por quê. No de Clarice, temos tudo isso, porém, o “quem” retorna diversas vezes. Tudo, mesmo as mais simples perguntas, podiam conter algo de muito etéreo.

 

Clarice em entrevista com Fernando Sabino:

 

"– Fernando, por que é que você escreve? Eu não sei por que eu escrevo, de modo que o que você disser talvez sirva para mim. [...] – Como é que começa em você a criação, por uma palavra, por uma ideia? É sempre deliberado o seu ato criador? Ou você de repente se vê escrevendo? Comigo é uma mistura. É claro que tenho o ato deliberador, mas precedido por uma coisa qualquer que não é de modo algum deliberada. [...] – Fernando, você tem medo antes e durante o ato criador? Eu tenho: acho-o grande demais para mim. E cada novo livro meu é tão hesitante e assustado como um primeiro livro."

Os escritos jornalísticos de uma das maiores literatas brasileiras do século XX estão disponíveis na internet em forma abundante. Clarice deixou milhares de textos, e sua obra só pode ser completamente analisada se levarmos em consideração seu período como jornalista. 

A sensibilidade, a proximidade e muito do aspecto do ser mulher são componentes que não surgem nesse período, mas se desenvolvem nele. A pessoa Clarice tem no seu jornalismo bastante singular a ponte entre o jornalismo e a literatura; e nenhuma dessas definições comportariam os escritos de Clarice, que, ora jornalista, ora escritora, nunca deixava de ser demasiadamente humana. 

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