14/05/2021 às 14h13min - Atualizada em 14/05/2021 às 14h08min
O silenciamento de Juliette e Dona Fátima
"Eu vi a dor que ela sentia por não conseguir falar e não conseguir escrever porque eu não conseguia falar e eu não conseguia me comunicar" - Juliette Freire
Brenda Freire - Editado por Andrieli Torres
Foto/Reprodução: Instagram oficial de Juliette Freire Fátima Freire ou "Dona Fátima", ficou conhecida por muitos brasileiros após ser descoberta como a mãe de Juliette, campeã do reality Big Brother Brasil 21 (BBB 21). Nordestina, de Campina Grande - Paraíba, ela carrega uma grande história de vida com reflexos da má estrutura socioeconômica e educacional do país. Como muitas crianças dessa região, Dona Fátima lidou com os reflexos da precariedade no acesso a oportunidades de crescimento, entre elas, a de aprender a ler e a escrever na infância.
Aos oito anos de idade, começou a trabalhar. Tempos depois, tornou-se mãe de três filhos: Washigton, Juliette e Juliene, a qual faleceu após sofrer um Acidente Vascular Cerebral hemorrágico (AVC) aos 17 anos. Não apenas a filha caçula passou por esse processo doloroso, como também a matriarca sentiu o mesmo. A mãe da sister explicou no Encontro com Fátima Bernardes que: “Eu sabia um pouquinho ler, mais que escrever. Aí eu tive AVC e fiquei como uma criança. E eu não sabia mais ler e escrever.”, afirma. Após sofrer esse momento de regressão, suas filhas dedicaram-se para alfabetizar e também ajudar a falar melhor, mesmo que de modo simplista.
Elas traziam salmos e orações para que Dona Fátima pudesse copiar e a corrigia quando percebiam erros gramaticais. Apesar das falhas recorrentes, com muito carinho e graciosidade, Juliette afirmou em conversa com Gilberto, ainda no programa que "ela escreve, meio erradinho, mas ela escreve”. Dona Fátima, entre tantas outras mulheres, simbolizam a necessidade de olharmos para as crianças e o fornecimento de educação, que é cada vez mais distanciado. É necessário reconhecer que padrões e dificuldades são colocados à prova para pessoas com realidades semelhantes a dela e isso reforça não apenas a ideia de inferioridade, mas também afeta no desenvolvimento do país. De acordo com a Agência Brasil, essa problemática atinge 11 milhões de pessoas, as quais não conseguem nem ler e nem escrever um bilhete.
Dessa forma, as consequências são nocivas nas relações sociais, seja no sentido da capacitação profissional - porque a falta de conhecimento básico passa a ser um empecilho- e evidencia a exclusão. Sendo assim, a leitura e a
escrita são um meio de ligação entre as pessoas, bem como a fala também é. Foi o que aconteceu com Juliette nesses três meses de reality, onde ela conseguiu compreender o que a sua mãe passou durante tantos anos por ser silenciada. Dona Fátima, não sabia ler e Juliette, não conseguia se comunicar.
Duas realidades diferentes, mas com impasses semelhantes. Em entrevista ao Fantástico, a campeã do BBB 21 comentou sobre o momento em que então pôde ser escutada, quando venceu o programa: “E quando eu gritei ali: 'mãe, eu sou você', é que eu queria dizer a ela: eu passei o que você passou aqui depois de faculdades, de muita literatura, de diplomas, de concurso de OAB, de tudo, eu fui você. Então eu vi a dor que ela sentia por não conseguir falar e não conseguir escrever porque eu não conseguia falar e eu não conseguia me comunicar. Lá as pessoas não me escutavam. E eu gritei de alívio mesmo, de dizer: ‘eu passei o que você passou de novo’. E aí pronto”, contou.
Não ter o conhecimento gera a perda da autoestima e independência para realização de atos considerados fáceis, como entender o que está escrito no letreiro do ônibus ou numa embalagem de um produto do mercado. No caso de Juliette, mesmo tendo conhecimento, ela não conseguia ser entendida porque as pessoas não davam oportunidade real de escuta, de interpretação. Com Fátima e milhões de nordestinos, faltou oportunidade básica de ensino.
De acordo com o Valor Econômico, no ano de 2019, eram quase 6 milhões de analfabetos a partir dos 60 anos, isso equivale a uma taxa de analfabetismo de 18% para esse grupo etário. Sendo assim, a coordenadora da pesquisa do IBGE, Adriana Beringuy pontua que “o Nordeste é o grande desafio no alcance da meta do analfabetismo" e se seguirmos assim, continuará sendo, pois grande parte dos nordestinos analfabetos são idosos que não desejam mais aprender. Afinal, é preciso escutar, mas também é preciso ter quem diga. É preciso escrever, mas também ter quem leia. Que possamos alfabetizar mais, ver menos desistências ou evasões escolares, que tenhamos oportunidades para poder aprender e expressar.