Reprodução/ Site Matéria Prima “Isso aqui não é só um cabelo, é a expressão real de quem sou. Identidade de dentro pra fora, tô nem aí se você não gostou. Deixa meu cabelo voar, deixa ninguém vai me prender (...)”. Essa é uma parte da letra da música “Deixa meu cabelo”, cantada pelo grupo Bom Gosto e o cantor Delacruz. Sinônimo de empoderamento, a letra nos lembra que os nossos cabelos são muito mais que estética propriamente dita, mas uma parte de nós, da nossa identidade.
Entretanto, apesar de cabelos serem individuais, e teoricamente, cada um deveria ter o seu como quisesse, na prática, o que acontece é o preconceito diário com todos aqueles que possuem um cabelo fora dos “padrões”, fazendo das pessoas que mantêm seus cabelos como querem, verdadeiros resilientes.
É o caso do professor Alexandre Emiliano, 35. Há pouco mais de dois anos, ele resolveu deixar o cabelo crescer, depois de algum tempo com medo de sofrer preconceito. Hoje, ele conseguiu vencer esse medo e seu cabelo passou a ser um sinônimo de protesto e combate ao racismo. “Eu sou negro, estou aqui e esse é meu lugar no mundo, então eu preciso e exijo ser respeitado como sou. Eu me aceito como sou, acho meu cabelo lindo e por muito tempo tive medo de deixá-lo crescer, por medo do preconceito que eu mesmo tinha. Mas a partir do momento que eu me aceitei e vi a beleza que há no meu cabelo, eu mudei essa visão”, falou.
De acordo com o sociólogo Paulo Cesar, o preconceito com o cabelo já está embutido na nossa história, que foi baseada no racismo e na construção cultural violenta, perpassando inclusive pela noção estética. Segundo Paulo, expressões como “cabelo ruim”, para se referir ao cabelo crespo, são de tamanha violência simbólica, que o indivíduo muitas vezes sente a necessidade de “mudar de visual”, justamente por não fazer parte dessa ideia de beleza propagada pela indústria.
Essa estética opressiva esteve presente durante toda a vida da estudante de Jornalismo, Izaura Delfino, 23. Quando era mais nova, na época de colégio, ela conta que as pessoas queriam pegar no cabelo dela, como se fosse exótico e ainda perguntavam se ela lavava ou se fedia. Além disso, Izaura não podia sentar na frente da sala, porque segundo seus colegas de turma, seu cabelo ficava “cobrindo o quadro”. Na faculdade não foi diferente, um colega de turma reclamou “educadamente” que o cabelo dela estava, novamente, “cobrindo o quadro”.
A estudante também revelou que foi impedida de uma seleção de modelos porque seu cabelo era “muito cheio”. Porém, mesmo com sequelas do preconceito e do racismo, Izaura sente muito orgulho do seu cabelo e de ser quem é. “Nós não somos anormais, não somos fora do padrão, somos mais uma parte dessa sociedade tão plural como a nossa, geneticamente e fenotipicamente falando. O padrão não existe, é uma coisa inventada pelo preconceito. O problema não está em mim, mas na pessoa que está sendo racista e me ridicularizando”, disse.
O padrão, fruto do preconceito deixa marcas profundas nas pessoas que sofrem por isso. Para Paulo Cesar, os malefícios são grandes e acabam levando a pessoa a se distanciar de suas características naturais, como o cabelo natural, para alcançar o erroneamente classificado de “cabelo bom”, um processo violento e que pode passar despercebido. “Esse é um processo que se dá desde a infância chegando até a fase adulta das pessoas, que é quando elas compreendem toda essa construção social violenta pela qual foram vítimas”, afirmou.
Nicky, 21, que também se identifica como Bruna Monique e é estudante de Design Gráfico, esteve desde os seus 14 anos sob a mira do padrão. Ele gosta de colorir o cabelo e experimentar cores novas, mas sempre teve que escutar frases como “é só uma fase”, “você vai estragar o seu cabelo”. Uma vez chegou a ser ridicularizado pela professora da faculdade, quando cursava Medicina Veterinária. Ela chegou a dizer que Nicky estaria tirando o conforto dos animais por conta da coloração de seu cabelo. Apesar disso, ele continuou colorindo o cabelo e amando estar sempre com uma cor nova. “Eu amo as cores que pinto, é como gosto de me mostrar. E se tem tantas cores bonitas, por que não posso ter elas em mim?”, falou. No presente, Nicky não está com o cabelo em cores, resolveu cortar, mas apenas porque queria um corte diferente.
NAS REDES
Longe do mundo real, o preconceito contra o cabelo se ramifica também para as redes sociais, espalhando um ódio, que em tempos antigos, ficaria restrito apenas à realidade. Um exemplo muito nítido e que teve visibilidade nos últimos dias, foi o caso da influenciadora Camilla de Lucas, que fez um desabafo em suas redes sociais, após ter sofrido ataques por usar uma lace loira.
A influenciadora recebeu comentários racistas por não estar usando o seu cabelo natural. Ela explicou que está passando por um processo de transição capilar, mas tem o direito de usar o cabelo que quiser, questionando ainda, o porquê de não haver alarde caso uma mulher branca faça o mesmo.
O exemplo de Camilla deixa muito nítido como o preconceito e o racismo não tem limites, ultrapassando barreiras físicas e se instaurando nas redes sociais. Mesmo assim é sempre bom nos perguntarmos: “Cabelo padrão para quem?”, se somos tão plurais, diversos e miscigenados, por que tentamos estabelecer padrões onde eles não existem?
Cada ser humano é singular, cada cabelo é uma identidade, uma história e não cabe a nós inibir o outro, ridicularizar, porque o cabelo faz parte de quem essa pessoa é. Que sejamos nós a não levar ainda mais dor para o outro, sejamos nós a força da empatia e do RESPEITO. E lembrem-se: cabelo bonito é aquele que te faz feliz!