A pandemia escancarou a calamidade que sempre existiu. Na verdade, é trágico pensar que foi preciso uma crise sanitária acontecer para a venda despencar de tantos olhos. A venda do negacionismo que anda de mãos dadas com o cinismo. Vejamos a situação do Brasil, onde o brasileiro parece carregar um difícil fardo: de ser pobre e brasileiro.
Com os meios tecnológicos integrando o mundo, é dada a ideia de que essa ‘’aldeia global’’ quebraria qualquer barreira geográfica e aperfeiçoaria a globalização em uma escala planetária, mas não. Não basta apenas ter um par de olhos se não enxergar que, a partir do momento em que existem pessoas inviabilizadas de usufruírem de tanta inovação, há algo de errado. Segundo dados do IBGE, 47 milhões de brasileiros ainda não possuem acesso à internet, problema que apenas foi visto durante o cenário da pandemia do novo coronavírus, onde 4,3 milhões de estudantes do país não conseguiram acompanhar as aulas remotas pela desigualdade no ensino a distância entre alunos da escola pública e privada.
A ideia de unir fronteiras e o povo em um só é muito mais multifacetado do que imaginávamos. A verdade é que existem três faces, duas nas quais nos impedem de nos aproximarmos, já que chegar até elas é como ter o vislumbre da verdade. A primeira é como uma fábula, ou seja, como querem que vejamos o mundo. Um exemplo? Há quem acredite, sim, que todos os caminhos dos indivíduos foram traçados igualmente e que a democratização da informação chega a todos. Um dos discursos mais ditos dessa face é o de que ‘’é só se esforçar que chega lá.’’ A segunda seria a verdade em si, sem nenhuma máscara. A globalização tal qual como ela é. Grupos marginalizados à deriva da esperança, com sede daquilo que mais tinham direito mas que lhes foi arrancado antes mesmo de estarem aos seus alcances: o direito à vida plena. Quer dizer, onde se encontra a facilidade de todo esse povo de acessar as inovações que tanto foi prometida? A educação, a saúde, o lazer; pilares de uma essência que estão beirando à ausência.
Vamos voltar ao ano 2000, quando ocorreu a Guerra da Água da Bolívia; revolta popular que aconteceu nos primeiros meses desse mesmo ano em Cochabamba, onde lutavam contra a privatização do sistema de água potável depois da criação de uma lei que permitia tal ato. Já no Brasil, o país mergulhou de volta no mapa da fome em 2021, registrando 14 milhões de famílias em extrema pobreza. E atualmente quase metade da população mundial ainda não possui acesso à uma rede de internet; ou por não terem condições financeiras de pagar uma taxa mensal de banda larga e eletrônicos (celular, computador) ou por uma questão de censura, onde a comunicação é muito limitada para certos territórios de regimes ditatoriais.
Diante disso, vemos que consequentemente se concretizou uma crise humanitária estarrecedora. Frente à uma sociedade capitalista, nos vemos inseridos diretamente, de mãos atadas, nesse colapso financeiro com o agravamento constante da fome e desemprego, onde ambos se encontram em uma naturalidade questionável. Quer dizer, a pobreza e todas as dificuldades que a rodeiam são cruelmente romantizadas atualmente, onde até o tópico da meritocracia é colocado em pauta. Seria justo comparar a jornada de um indivíduo que atravessou o oceano de barco com o outro que foi à nado?
A verdade é que cada uma dessas sementes problemáticas foram geradas do ventre da desigualdade. Somos forçados a viver e a enxergar por olhos que não são nossos, mas por aqueles que parecem estrategiar meticulosamente cada movimento da peça desse grande jogo de xadrez que é o mundo. Somos os peões jogados de fora do tabuleiro em busca de várias rodadas para derrotar o Rei e Rainha.