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13/07/2021 às 19h12min - Atualizada em 05/07/2021 às 12h46min

Transição Capilar e o Feminismo Negro

O movimento crescente influencia na decisão de assumir o cabelo natural

Cler Dos Santos - Revisado por Damáris Gonçalves
Cabelo crespo tipo 4C/ Reprodução

O feminismo surgiu no século XIX, como um movimento social, político e filosófico. O movimento tem como objetivo principal a igualdade de gênero, entre homens e mulheres. Grandes vitórias foram conquistadas pelo feminismo, como o direito de voto das mulheres. 

Porém, nem tudo são flores. Desde o ínicio, mulheres pretas já se sentiam excluídas e mal representadas pelo feminismo. Mas por que isso? Infelizmente, a sociedade ainda é dividida e segmentada por privilégios de gênero e cor. O feminismo veio para garantir uma igualdade de direitos entre os gêneros, entretanto, não conseguiu representar todas as mulheres. 


As mulheres pretas já eram sexualizadas e tratadas de forma inferior, desde antes de serem traficadas para servirem como escravas sexuais pelos países colonizadores.  

Além disso, no momento que o feminismo surgiu, o foco era o direito universal ao voto. As mulheres que faziam parte da causa eram chamadas de sufragistas (lutavam pelo direito do sufrágio universal). Durante o fim do século XIX e o começo do século XX, a escravidão ainda era uma realidade de muitos países. Logo, as sufragistas, que eram mulheres brancas, não estavam lutando por todas as mulheres. 


Angela Davis, filósofa estadunidense, em sua obra “Mulheres, Raça e Classe”, afirma que quando o movimento das mulheres surgiu, era organizado e idealizado pelas mulheres brancas de classes ricas. Logo, essas mulheres queriam dispor da mesma liberdade que seus companheiros. 

Por isso, o feminismo deve ser considerado a partir de um recorte de raça. Visto que, as lutas das mulheres negras eram outras. Tais como necessidades básicas, liberdade, direito à vida e a alfabetização.

 

ACEITAÇÃO CAPILAR 

 

Corpos negros sofrem desde a colonização com o padrão de beleza branco imposto. Desde criança, já é ensinado que o nariz é largo demais, a pele muito escura e manchada. Mas talvez, a pior das marcas seja a que mais aparece e influencia na autoestima de uma pessoa: o cabelo. 

A crença de que o cabelo é a moldura do rosto colabora para essa realidade. De fato, o cabelo crespo e cacheado segrega mulheres negras de empregos, escolas, esportes, relacionamentos afetivos e etc.


Nos últimos anos, a difusão do feminismo negro têm ajudado mulheres pretas a romper com os padrões estéticos atuais e abandonarem o alisamento químico que as levavam aos salões de beleza toda semana. Este processo é chamado de “Transição Capilar''. É muito mais do que moda ou tendência; o movimento se tornou uma necessidade, que trás mais que entendimento sobre beleza e aceitação. Ele carrega amor próprio e resistência. 

 A cabeleleira Joana Ribeiro, de 39 anos, em entrevista ao Lab Dicas, afirma que trabalhou por cerca de 10 anos com relaxamento e progressiva em mulheres de cabelo crespo.
 

" Eu me lembro até hoje da cliente falando que estava ardendo, que a cabeça tava toda ferida do produto, mas estava feliz por estar bonita. Aí um dia eu mesma já não tava mais afim de alisar meu cabelo e parei. Uma cliente viu, pediu pra eu cuidar do cabelo dela para ela passar pela transição, e até hoje estou aqui. Não trabalho com isso [relaxamento] há anos, chego nem perto e minhas clientes estão super felizes com o black e os cachos pra jogo."

 

IDENTIDADE, AMOR PRÓPRIO E FEMINISMO NEGRO

 

Falar sobre feminismo negro e aceitação capilar vai muito além de cabelo e beleza. É sobre o direito negligenciado por séculos de assumir quem você é. O processo de aceitação capilar não é uma situação pontual e não se relaciona de forma alguma com moda ou tendências. 

Uma pesquisa feita pela Kantar WorldPanel, empresa especializada em dados, insights e consultoria mostra que o Brasil é o país com mais tipos de cabelo no mundo. A maioria consiste em variações de fios cacheados e crespos. Eles representam 51,4% da população, de acordo com o levantamento. Já os dados da parceria entre o Instituto Beleza Natural e a Universidade de Brasília (UnB) calculam índice de 70%.

A estudante de jornalismo, Isabella Leandra, de 19 anos, declarou que fez progressiva durante 2 anos, e antes do procedimento químico, fazia escova térmica e chapinha praticamente todos os dias. 


Isabella afirma que conhece o feminismo negro e se reconhece como parte dele. 

Isabella decidiu mudar e fazer a transição capilar (Foto: Isabella/Arquivo Pessoal)

Isabella decidiu mudar e fazer a transição capilar (Foto: Isabella/Arquivo Pessoal)

“O feminismo negro foi uma descoberta que fiz durante a minha transição e no meu engajamento com o movimento negro. Isso foi de grande importância para mim, principalmente ao me enxergar em outras mulheres que passaram pelo mesmo que eu. Me senti acolhida e pertencente a um grupo que me entendia e tem as mesmas dores e cicatrizes. Tudo isso colaborou muito para que eu me comparasse menos a mulheres brancas, e que eu seguisse e me inspirasse mais em mulheres como eu, com realidade parecida com a minha.” 

Ela acredita e entende que o feminismo trouxe muitas conquistas para as mulheres, mas que ainda falta um recorte de raça, visto que o movimento se volta mais para mulheres brancas e ricas, do que pretas e periféricas. “Reconheço as lutas que o feminismo tradicional e as mudanças provocadas, porém jamais devemos esquecer que ele foi feito por e para mulheres brancas”, relata. 

 

OBRAS SOBRE FEMINISMO NEGRO

 

Para entender mais sobre o movimento, o LabDicas traz uma indicação de 3 livros sobre feminismo negro:
 

- Mulheres, Raça e Classe de Angela Davis
-
Por um feminismo afro-latino-americano de Lélia Gonzalez
- Quem tem medo do feminismo negro? de Djamila Ribeiro 

 


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