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05/07/2021 às 21h09min - Atualizada em 05/07/2021 às 20h34min

Ódio ao som: isolamento agrava os sintomas da misofonia

Síndrome pode ser grave e danosa para os indivíduos, por isso é preciso se atentar aos sinais

Thamires Conceição - Isabela dos Santos
No Brasil, acredita-se que cerca de 6 mil pessoas sofram com a misofonia devido aos relatos destes casos. Porém, como é uma síndrome recém descoberta ainda não há a quantidade exata. (Foto: Internet Reprodução)

Com mais de um ano de duração, a quarentena gerou os mais diversos impactos nas pessoas — em especial naquelas que têm cumprido corretamente o isolamento social. Ficar tanto tempo em casa tem se revelado cada dia mais cansativo e exaustivo. 

Para aqueles que sofrem com a Síndrome da Sensibilidade Seletiva do Som (SSSS), ou misofonia, o isolamento torna-se um desafio ainda maior. Pequenos barulhos como o mascar de um chiclete, a mastigação ou batidas de caneta em superfícies geram nessas pessoas uma reação negativa forte que os fazem sentir raiva, fúria ou até mesmo pânico. 

No Brasil, acredita-se que cerca de 6 mil pessoas sofram com a misofonia devido aos relatos destes casos. Porém, como é uma síndrome recém descoberta ainda não há a quantidade exata. Segundo a psicóloga Diana Cristina Dias Santos, de 55 anos, a misofonia afeta cerca de 3% da população. "São pessoas que têm raiva de volumes baixos e repetitivos. Geralmente dá para identificar porque são pessoas que sentem raiva muito fácil e se irritam muito fácil com tudo. Elas fogem do barulho, ficam agitadas com sons simples, evitam até ir almoçar fora para não ouvir pessoas comendo, mastigando ou o toque dos talheres”.

De acordo com ela, o misofônico sente raiva de si mesmo. "Ele entra em desespero pelo fato de se considerar uma pessoa que, na cabeça dele, não é normal. Então por se considerar uma pessoa que não tem tolerância ao barulho, a estar interagindo na vida social, com a família, ele se sente uma pessoa doente”. 


























 

O diagnóstico

Infelizmente, a maioria das pessoas demora a descobrir que possui a síndrome por causa de amigos e/ou familiares que, por falta de informação, pensam ser uma bobagem ou um exagero, o que acaba por desencorajar a pessoa a procurar ajuda profissional. 

Segundo a fonoaudióloga Nuala Catalina Santos Habib, de 25 anos, geralmente as pessoas não sabem da existência dessa síndrome. "Dizem a elas que é uma frescura, e elas também começam a acreditar nisso, porque todas as pessoas conseguem suportar aquele som que só a ela desagrada. Então, começa a achar que o problema é com ela, que ela que é chata mesmo nesse sentido, mas não que existe uma síndrome para aquilo. Ela acaba não procurando ajuda profissional para fazer esse diagnóstico”.
 

Não é frescura, é síndrome

Devido a isso, boa parte dos diagnósticos geralmente é feita pela própria pessoa com a ajuda de pesquisas na internet. Foi o caso da Paula Lavínia Costa Soares, de 20 anos, que descobriu a misofonia com 10 anos de idade. “Eu comecei a perceber incômodos com alguns barulhos e desde então comentava com minha família, que achava que era uma besteira, ou problema psicológico, o que me fez pesquisar de todas as formas do que se tratava. Foi difícil achar algo correspondente, quando por fim no Google eu achei uma pesquisa com o nome Misofonia”. 

Também foi o caso da Jeniffer Silva, de 16 anos, que descobriu por meio de uma postagem no Instagram. “Comentei sobre um vídeo em que a pessoa sussurrava, dizendo que era perturbante escutar aquele vídeo, e uma menina respondeu que eu poderia ter misofonia. Fui pesquisar sobre, e tive a total certeza de que eu tenho misofonia. Percebi pesquisando, se eu não pesquisasse eu não saberia que esse problema que me afeta há anos é uma síndrome, pra mim era porque eu era chata mesmo”.

Já Alice Melo, de 22 anos, descobriu que possui a síndrome durante a pandemia com o auxílio de um otorrinolaringologista e um neurologista. Ela também não sabia da existência da misofonia. “Se algum ambiente tem gatilhos sonoros que me incomodam (sons repetitivos, falas muito altas, barulhos de motores, bater de palmas) eu começo a ficar ansiosa e posso entrar em crise - inclusive antes de entender que o barulho tinha grande impacto na minha vida, eu fugia involuntariamente dele, e tinha crises sem saber o porquê, ainda não tinha associado. Com isso também tenho dificuldades para dormir (insônia crônica) e socializar. Irritabilidade também é comum no dia a dia com sons altos constantes de propaganda na minha rua de casa, por exemplo”.

Vale frisar que a misofonia não é uma frescura ou uma chatice, é uma síndrome que, dependendo do grau em que se encontra, pode ser extremamente grave e danosa para o indivíduo. “Todo mundo tem aquele sonzinho que fica bem irritado quando ouve. Mas para a pessoa que tem misofonia não é apenas um incomodozinho ou uma irritaçãozinha, é algo insuportável. É algo que atrapalha o convívio social, que gera insônia, que atrapalha o desempenho no trabalho. Então, é algo bem sério, não é frescura, e é algo que realmente traz um impacto significativo na qualidade de vida dessas pessoas”, afirma a fonoaudióloga.

Como a pandemia afetou os misofônicos?

Para Nuala, a pandemia foi um gatilho para esses transtornos. Essa rotina de isolamento social, de ficar constantemente recluso na própria casa, o distanciamento dos amigos e dos familiares e a privação de atividades sociais aumentaram muito o estresse, provocando gatilhos para o surgimento ou agravamento de diversos transtornos como a ansiedade, a depressão e as questões auditivas, como a misofonia.  

Segundo ela, os maiores desafios enfrentados pelas pessoas que possuem essa síndrome atualmente tem sido lidar com o estresse da pandemia. "Estamos passando por tempos de muita instabilidade, então ter esse autocontrole emocional para que o quadro de misofonia não venha a agravar é algo bem complicado. Eu tenho visto algumas pesquisas que informam que após o isolamento social o número das pessoas com essa síndrome aumentou ou agravou, até porque existe uma associação desta síndrome com o estresse e com a ansiedade das pessoas”.  

Como as pessoas estão cada vez mais em suas habitações e trabalhando no modelo de home office, a misofonia vai se intensificando porque o indivíduo tem mais tempo para ouvir e focar nos sons ao redor. Segundo Cristina, os barulhos das grandes cidades foram substituídos pelo grande silêncio. "Hoje possivelmente dá para você ouvir o canto dos pássaros, dá para você ouvir o barulho do vizinho e pequenos ruídos, por menores que sejam. Então o desgaste emocional é muito grande ao ficar ligado a esses barulhos”. 

Paula Lavínia afirmou que o isolamento agravou sua misofonia e sons que antes passavam despercebidos começaram a se tornar insuportáveis. “Eu não me incomodava com pessoas escovando os dentes, lidava muito bem com isso. Depois do isolamento, se tornou mais um problema para mim. Barulhos de pratos sendo raspados também são um gatilho, sempre me incomodou, mas com o isolamento notei que comecei a ficar incomodada comigo mesma ao fazer isso. As pessoas bebendo água também”. 

Para Alice Melo, o isolamento também agravou os sintomas, uma vez que seus gatilhos foram aumentando. “Com o isolamento, muitos locais faziam e fazem propaganda usando carros de som. Muitas obras e construções que as pessoas adiavam começaram a ser feitas e em casa teve mais uso de sons e televisão que, muito alto, podem me incomodar muito”.

Como amenizar os sintomas?

Para amenizar os sintomas, o ideal é procurar ajuda profissional para realizar um tratamento adequado. Entretanto, muitas pessoas não podem fazer isso (seja por questões financeiras ou por evitar ir em clínicas enquanto o vírus permanece em circulação). 

Desse modo, conforme a fonoaudióloga Nuala, para amenizar os sintomas da misofonia a pessoa tem que se atentar a alguns atos. "Buscar não focar tanto nesses sons que provocam a irritação ou colocar algum outro som para mascarar o gerador do incômodo, além de tentar praticar atividades físicas e de lazer, não se cobrar tanto, se alimentar e dormir bem. Mas eu ainda indico que, quando possível, procurar a ajuda de uma equipe multidisciplinar para que sejam trabalhadas essas questões de um modo global. Então, pode ter um auxílio de profissionais de saúde mental, de um otorrino, de um fono… Todos esses profissionais, além de contribuírem para o fechamento desse diagnóstico, vão fazer um tratamento para direcionado para essas pessoas que possuem a misofonia”.


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