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05/08/2021 às 18h07min - Atualizada em 03/08/2021 às 15h52min

Luiz Fara Monteiro fala sobre os desafios de um jornalista negro no mercado de trabalho

Apresentador do Jornal da Record conta sobre sua trajetória até chegar ao comando de um dos principais telejornais do país

Pedro Lima - revisado por Jonathan Rosa
Luiz Fara Monteiro em Brasília. (Foto: Reprodução @luizfara - Twitter)

A taxa de desemprego da população preta é historicamente maior do que a de brancos, porém durante a pandemia este número alcançou um recorde histórico. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 72,9% da população negra de um total de 13,9 milhões de pessoas estavam desempregadas em 2020. Ainda de acordo com o IBGE, o perfil mais comum de desempregados no ano anterior foi de homens jovens de cor preta com ensino médio incompleto ou equivalente. 

 

No mercado jornalístico a situação também não é muito diferente. Muitos profissionais negros desistem da profissão após encarar uma serie de desafios, que vão desde a trajetoria na graduação até a busca por uma oportunidade. Para falar melhor sobre esse tema e uma jornada de sucesso, tive a honra de conversar com o premiado jornalista Luiz Fara Monteiro, atual apresentador do Jornal da Record

 

Durante a entrevista falamos sobre os desafios que um jornalista negro pode encontrar no mercado de trabalho, políticas públicas para a inclusão de estudantes em instituições de ensino, além dos percalços que pessoas negros podem encontrar ao seguirem na carreira jornalistica.   

 

O que levou você a escolher o jornalismo como profissão? Meu primeiro emprego foi aos 16 anos, como locutor de rádio em um grupo de comunicação da capital federal. Embora o universo de rádio e televisão me atraísse desde a adolescência, naquele momento jamais imaginava que fosse trabalhar no meio. Anos depois fui convidado para apresentar um programa de entretenimento na tv do grupo, e só então me interessei em cursar jornalismo. Quase cinco anos depois eu estreava na Rabiobras, atual EBC, exatamente no dia 11 de setembro de 2001, quando houve os atentados nas torres gêmeas.


Como foi sua trajetória no período acadêmico? Meu período acadêmico foi tranquilo e corrido ao mesmo tempo, corrido porque eu dividia meu tempo entre a faculdade e os três empregos. Tranquilo porque muito conteúdo do curso eu já conhecia na prática.

Ainda há poucos jornalistas negros em atividade no país. Na sua opinião qual é o maior motivo disso? Há poucos jornalistas negros, como há poucos advogados, magistrados, médicos, engenheiros, cientistas negros. Penso que a origem está na falta de acesso à boa educação da população de baixa renda, formada em sua maioria por pretos.

 

Quais desafios um jornalista negro no início de carreira pode se encotrar? O primeiro desafio de um jornalista negro, infelizmente, é mostrar que é capaz de desenvolver a função tão bem ou melhor que seus colegas de pele clara. Outro desafio é a remuneração equiparada aos brancos, se for mulher a dificuldade pode ser ainda maior. Por outro lado, algumas empresas perceberam que é possível encontrar este profissional disponível no mercado e acordaram para a importância da diversidade.

 

Mas é bom ressaltar que na prática, eu e outros colegas pretos que exercemos a função, estamos ali antes de mais nada pela competência. Sonho com o dia em que a sociedade como um todo enxergará profissionais antes de mais nada, a cor da pele não terá importância.

 

Atualmente existem programas sociais para os estudantes de escola pública ingressarem nas universidades. Acredita que há uma igualdade na taxa de negros e brancos ocupanado as universidades do país? Ainda não é igualitário porque leva tempo para que as ferramentas e sua abrangência alcancem seus objetivos. Mas há dados do mesmo IBGE que mostram que pretos e pardos são maioria nas universidades públicas do Brasil, reflexo de políticas públicas que proporcionaram o acesso da população preta e parda na rede de ensino.

 

E veja só que auspicioso! Esta informação foi divulgada em novembro de 2019, justamente quando comemoramos mais uma semana da consciência negra. Tenho orgulho de lembrar que na ocasião, a emissora para qual trabalho reuniu em São Paulo sete profissionais negros que mostraram uma série especial de reportagens sobre as conquistas e desafios dessa população.

Em 2008 você passou a ser correspondente da Record TV na África do Sul. Como foi essa experiência? A experiência foi maravilhosa, a melhor da minha vida. Estive a cinco metros de Nelson Mandela em abril de 2009, quando o ex-líder foi votar na eleição presidencial que elegeu Jacob Zuma. Não o entrevistamos porque ele já estava com a saúde debilitada e não atendia mais jornalistas, foram dois anos de viagens e experiências espetaculares com foco nos preparativos para a realização da primeira copa do mundo no continente africano.


Desde março de 2020 você apresenta o Jornal da Record, principal telejornal da emissora. Como foi a sua sensação ao alcançar essa posição? Para ser sincero, sempre achei muito difícil chegar até a bancada do JR, porque minha base era Brasília e eu nunca conversei com alguém sobre essa possibilidade. Embora tenha entrado na emissora como apresentador em Brasília, meu foco sempre foi reportagem, seja na cobertura política em Brasília, seja na África do Sul como correspondente. São muitas responsabilidades de se apresentar o JR, considerado internamente como um dos principais produtos da emissora.

Um jornalista deve estar preparado para cobrir diversas pautas, mas sempre existe uma que é um grande desafio. Qual foi a sua? Toda pauta é um desafio e o jornalismo é tão dinâmico e surpreendente que pautas que você imagina ser tranquila quando recebe, se torna de uma complexidade enorme quando você chega na rua. Assuntos que você imagina que não irá gostar acabam sendo prazerosos, costumo dizer que no jornalismo cada dia é uma história e cada pauta uma surpresa.

Qual mensagem você deixa para os jovens negres, que tem o anseio em um dia se tornar um jornalista de renome como você? Certa vez eu estava gravando um stand-up na rua em Brasília quando uma senhora me disse que o filho dela, negro como eu, sonhava em ser jornalista de tv, mas que não acreditava que seria capaz porque não via repórteres nem apresentadores negros, e que quando me viu ela passou acreditar que seria possível.

Portanto a mensagem que eu deixo é que o jovem negro que queira ser jornalista vá atras do seu sonho, e não se deixe abater por nada, mas que se prepare para um mercado competitivo, que devore livros, jornais, sites, que leia política, economia, cidades, tudo. Que se especialize em um ou mais segmentos para que tenha diferenciais dentro de uma redação, acreditar em si é o principal segredo.
 

Entrevista originalmente publicada no Portal Comenta em 17/02/2021


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