"Quando falamos em deficiência, o que vem à mente? Qual sentimento lhe ocorre? Da minha experiência enquanto mulher com deficiência e mãe de uma criança com deficiência, posso dizer que essa palavra, em geral, evoca termos como dificuldade, falta, problema. Às vezes, vem junto também o defeito, o demônio. Noutras, vem a vulnerabilidade. E é esse conhecimento do senso comum que atravessa as pessoas com deficiência cotidianamente. Imagina que sempre que somos recebidas, recebem uma falta, uma dó, um desconforto. Um lembrete da fragilidade da existência que se tenta esconder a qualquer custo. Nossa presença não costuma ser desejada, muito menos confortável”, escreve a jornalista Mariana Rosa em sua rede social.
Atitudes como as descritas por Mariana insistem em permear as pessoas com deficiência na sociedade brasileira, mesmo após os avanços na legislação sobre inclusão e acessibilidade. A sociedade tem uma grande questão com o modo de lidar com “o diferente”, como se todos tivessem de ser idênticos. Um dos princípios de uma democracia é que as pessoas devem ser iguais em direitos, recebendo igual tratamento e tendo acesso aos mesmos espaços; independente de quão diferentes em suas subjetividades sejam.
Mariana complementa seu depoimento na rede social dizendo que essa visão do senso comum é “só uma versão dos fatos”, e que há anos essa versão vem sendo transposta. “Deficiência não é um laudo, um diagnóstico, uma característica que se carrega no corpo. Supor isso é o mesmo que imaginar que há um padrão de ser humano a ser perseguido, como se fôssemos mercadorias produzidas em uma fábrica, e aquelas que não passam no controle de qualidade vão para a sessão de pequenos defeitos, são descartadas. São pessoas! Nossas diferenças são o que há de mais potente na nossa humanidade. São o que garante que a vida seja viável e sempre renovada”, escreve.
Histórico dos direitos das pessoas com deficiência
Os direitos das pessoas com deficiência e o movimento em prol desses direitos caminham e encontram obstáculos em seu percurso desde os primeiros passos, no século XIX.
Como aponta o artigo da professora aposentada e ativista Izabel Maior, as políticas que vinham sendo adotadas eram mais assistencialistas que inclusivas, como a educação especial, reformulada pelo MEC em 2007.
“Na área pública no século XX, desenvolveram-se políticas assistencialistas, divorciadas da inserção social. Essas iniciativas correspondem também ao modelo biomédico ou de integração, calcado nos esforços de normalização das pessoas com deficiência para atender os padrões de desempenho e estética exigidos pela sociedade, sem que se alterem seus sistemas e práticas”, pontua no artigo.
“A trajetória do movimento de luta das pessoas com deficiência descreve os sucessivos “não” enfrentados em suas vidas, marcadas pela discriminação, invisibilidade e desigualdade. Essas graves circunstâncias ainda persistem, todavia contabilizam-se avanços na sociedade brasileira, tanto devido aos esforços iniciais das famílias e dos profissionais, quanto, principalmente, em decorrência da organização do movimento sociopolítico das próprias pessoas com deficiência, sem tutela e alicerçadas no paradigma dos direitos humanos”, analisa Izabel.
Julgar quão capaz é uma pessoa de acordo com a deficiência que ela possui é algo hoje entendido como totalmente incorreto. As formas de manifestação do capacitismo são muitas e atingem cada pessoa com deficiência de forma específica, mas é uníssono que trata-se de um comportamento desnecessário, excludente e discriminatório.
Em seu depoimento, Mariana Rosa escreve: “Deficiência, portanto, é o que se produz no encontro desse corpo que tem um impedimento com o mundo em que vivemos, que não acolhe a diversidade humana. Deficiência é uma situação de opressão. O mundo é que precisa de conserto, de reparo, não as pessoas. As pessoas precisam de cuidado. É o cuidado que sustenta a vida, que tece essa rede de interdependência da qual todos somos um ponto, uma parte. Todos”.
O clima paraolímpico contagia
Um dos maiores eventos mundiais que reúnem pessoas com deficiência são as Paralimpíadas. São atletas de alto rendimento de diversos países, competindo em 22 modalidades esportivas. Em 2021, os Jogos Paralímpicos ocorrem em Tóquio, de 24 de agosto a 5 de setembro, logo após as Olimpíadas.
O clima paraolímpico se manifesta, sendo que o Brasil disputa em 20 modalidades e é possível torcer por muitas medalhas e feitos, como acaba de acontecer nos Jogos Olímpicos. É momento de enaltecer os atletas pelos seus feitos, sem quaisquer preconceitos limitantes. Nesse sentido, a reflexão da velocista Verônica Hipólito é muito pertinente.
Texto da imagem: “Manual da Paralimpíada: não olhe para a deficiência, olhe para a EFICIÊNCIA. A potencialidade! Sem usar o “que superaçãããoooo” só por ver alguém sem perna, braço, cadeirante, cego/baixa visão ou com paralisia. A gente treina pra carambaaa para estar lá”.