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16/08/2021 às 16h10min - Atualizada em 13/08/2021 às 18h43min

"O mundo é que precisa de conserto, de reparo, não as pessoas": quando a forma de lidar com o outro é um problema

E o problema não é das pessoas com deficiência; o problema é da sociedade, que não é inclusiva

Fernando Azevêdo - Editado por Talyta Brito
Reprodução/ Unsplash

"Quando falamos em deficiência, o que vem à mente? Qual sentimento lhe ocorre? Da minha experiência enquanto mulher com deficiência e mãe de uma criança com deficiência, posso dizer que essa palavra, em geral, evoca termos como dificuldade, falta, problema. Às vezes, vem junto também o defeito, o demônio. Noutras, vem a vulnerabilidade. E é esse conhecimento do senso comum que atravessa as pessoas com deficiência cotidianamente. Imagina que sempre que somos recebidas, recebem uma falta, uma dó, um desconforto. Um lembrete da fragilidade da existência que se tenta esconder a qualquer custo. Nossa presença não costuma ser desejada, muito menos confortável”, escreve a jornalista Mariana Rosa em sua rede social. 

Atitudes como as descritas por Mariana insistem em permear as pessoas com deficiência na sociedade brasileira, mesmo após os avanços na legislação sobre inclusão e acessibilidade. A sociedade tem uma grande questão com o modo de lidar com “o diferente”, como se todos tivessem de ser idênticos. Um dos princípios de uma democracia é que as pessoas devem ser iguais em direitos, recebendo igual tratamento e tendo acesso aos mesmos espaços; independente de quão diferentes em suas subjetividades sejam. 


Mariana complementa seu depoimento na rede social dizendo que essa visão do senso comum é “só uma versão dos fatos”, e que há anos essa versão vem sendo transposta. “Deficiência não é um laudo, um diagnóstico, uma característica que se carrega no corpo. Supor isso é o mesmo que imaginar que há um padrão de ser humano a ser perseguido, como se fôssemos mercadorias produzidas em uma fábrica, e aquelas que não passam no controle de qualidade vão para a sessão de pequenos defeitos, são descartadas. São pessoas! Nossas diferenças são o que há de mais potente na nossa humanidade. São o que garante que a vida seja viável e sempre renovada”, escreve.

Histórico dos direitos das pessoas com deficiência

Os direitos das pessoas com deficiência e o movimento em prol desses direitos caminham e encontram obstáculos em seu percurso desde os primeiros passos, no século XIX.

Como aponta o artigo da professora aposentada e ativista Izabel Maior, as políticas que vinham sendo adotadas eram mais assistencialistas que inclusivas, como a educação especial, reformulada pelo MEC em 2007.

 

“Na área pública no século XX, desenvolveram-se políticas assistencialistas, divorciadas da inserção social. Essas iniciativas correspondem também ao modelo biomédico ou de integração, calcado nos esforços de normalização das pessoas com deficiência para atender os padrões de desempenho e estética exigidos pela sociedade, sem que se alterem seus sistemas e práticas”, pontua no artigo.

  
A consciência para surgir um movimento político que lute pela inclusão surge no fim dos anos 70. Izabel também escreve que os anos 80 foram muito positivos para que o sentimento de pertencimento de grupo das pessoas com deficiência nascesse e fosse desenvolvido. 

A professora pontua que o movimento alcançou o auge com a  “Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência”, que é internacional e foi publicada no Brasil em 2009. O momento foi propício para proteger e assegurar os direitos das pessoas com deficiência; entre eles o respeito a sua dignidade.

Além disso, a legislação é vasta. Há leis que contemplam a inclusão de pessoas com uma deficiência específica, como a oficialização da Língua Brasileira de Sinais (Libras), para pessoas surdas, por exemplo. Com caráter amplo, surgiu, em 2015, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, mais conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência

Educação, trabalho, proteção social, cultura e esporte estão entre as áreas que as leis pelos direitos da pessoa com deficiência devem atingir. O cuidado é o caminho para uma sociedade inclusiva e para a justiça social, defende Mariana Rosa em sua publicação: “Há que se pensar o cuidado como um direito fundamental, como um modo de promover justiça social”.

 

“A trajetória do movimento de luta das pessoas com deficiência descreve os sucessivos “não” enfrentados em suas vidas, marcadas pela discriminação, invisibilidade e desigualdade. Essas graves circunstâncias ainda persistem, todavia contabilizam-se avanços na sociedade brasileira, tanto devido aos esforços iniciais das famílias e dos profissionais, quanto, principalmente, em decorrência da organização do movimento sociopolítico das próprias pessoas com deficiência, sem tutela e alicerçadas no paradigma dos direitos humanos”, analisa Izabel.

  
Caminhos para uma sociedade não capacitista

O termo “pessoa com deficiência” surgiu com um tempo, e é hoje considerado o correto, pois a “pessoa” vem antes da “deficiência”. Adotado amplamente depois dos anos 2000, ele reivindica a dignidade da pessoa com deficiência, afastando dela quaisquer estigmas. No seguinte vídeo, o influencer Ivan Baron explica o uso do termo.


 

 
 
 
 
 
 

 

 

  
A inclusão é o exato oposto da exclusão. Significa a participação igualitária de todos os membros da sociedade em todos os espaços, esferas e atividades coletivas. 

Já a acessibilidade pode ser entendida como a possibilidade de acesso a bens e serviços, com independência, autonomia e sem limitações - barreiras -  ao indivíduo. A eliminação de barreiras pode ser feita de muitas formas, daí existir na comunicação, por exemplo, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e o sistema Braille.

A limitação que comportamentos discriminatórios impõem sobre as pessoas com deficiência se baseia em ideias preconceituosas. Há hoje o termo “capacitismo”, que integra essas ideias e atitudes negativas. Nesse sentido, o uso de termos equivocados e ultrapassados é evitável. Ivan Baron, em sua rede social, educa para um vocabulário não capacitista. Como no vídeo abaixo.


 

 
 
 
 
 

 


Julgar quão capaz é uma pessoa de acordo com a deficiência que ela possui é algo hoje entendido como totalmente incorreto. As formas de manifestação do capacitismo são muitas e atingem cada pessoa com deficiência de forma específica, mas é uníssono que trata-se de um comportamento desnecessário, excludente e discriminatório.

 

Em seu depoimento, Mariana Rosa escreve: “Deficiência, portanto, é o que se produz no encontro desse corpo que tem um impedimento com o mundo em que vivemos, que não acolhe a diversidade humana. Deficiência é uma situação de opressão. O mundo é que precisa de conserto, de reparo, não as pessoas. As pessoas precisam de cuidado. É o cuidado que sustenta a vida, que tece essa rede de interdependência da qual todos somos um ponto, uma parte. Todos”.

 

 O clima paraolímpico contagia

Um dos maiores eventos mundiais que reúnem pessoas com deficiência são as Paralimpíadas. São atletas de alto rendimento de diversos países, competindo em 22 modalidades esportivas. Em 2021, os Jogos Paralímpicos ocorrem em Tóquio, de 24 de agosto a 5 de setembro, logo após as Olimpíadas.

O clima paraolímpico se manifesta, sendo que o Brasil disputa em  20 modalidades e é possível torcer por muitas medalhas e feitos, como acaba de acontecer nos Jogos Olímpicos. É momento de enaltecer os atletas pelos seus feitos, sem quaisquer preconceitos limitantes. Nesse sentido, a reflexão da velocista Verônica Hipólito é muito pertinente.


Texto da imagem:  “Manual da Paralimpíada: não olhe para a deficiência, olhe para a EFICIÊNCIA. A potencialidade! Sem usar o “que superaçãããoooo” só por ver alguém sem perna, braço, cadeirante, cego/baixa visão ou com paralisia. A gente treina pra carambaaa para estar lá”.
 

 
 
 
 
 

 

 
 
 
 
 
 
 
 

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