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03/09/2021 às 10h45min - Atualizada em 03/09/2021 às 10h00min

Os Jogos Paralímpicos como mecanismo de reinvenção humana

Com o propósito de habilitar atletas para alcançar a excelência esportiva e inspirar o mundo a se reinventar a partir de suas condições especiais

Vitoria Fontes - Editado por Talyta Brito
Reprodução.: Carmen Manadato/Getty Imagens I Petrúcio Ferreira dos Santos emocionado após tornar-se bicampeão dos 100m rasos
O maior evento esportivo mundial protagonizado por pessoas portadoras de deficiências físicas e mentais surgiu na Inglaterra com o objetivo de servir como ferramenta de reabilitação para os militares que por conta de seus ferimentos ocasionados pela Segunda Guerra Mundial tiveram que lidar com as sequelas deixadas.

O sucesso das primeiras edições foi primordial para que em 1976 o movimento paralímpico já contasse com a participação de quarenta países. O marco do evento aconteceu em 1992 nos Jogos de Barcelona, quando o Comitê Organizador responsável pelos Jogos Olímpicos, COI, também se encarregou de planejar os Jogos Paralímpicos, assim, unificando aspectos organizacionais e visuais, com isso, fundou-se em 1989 o Comitê Paralímpico Internacional (IPC) - uma organização não governamental sem fins lucrativos – com a missão de permitir que atletas Paralímpicos pudessem alcançar a excelência esportiva e inspirar o mundo. 

 
“A prática do desporto é um direito humano. Cada indivíduo deve ter a possibilidade de praticar desporto, sem discriminação de qualquer tipo e no espírito olímpico, que exige a compreensão mútua com um espírito de amizade, solidariedade e fair play... Qualquer forma de discriminação com relação a um país ou uma pessoa em razão de raça, religião, política, sexo ou de outro modo, é incompatível com os pertencentes ao Movimento Olímpico”. – Carta do COI
 

Desde os Jogos de Verão de 2004 em Atenas, “Espírito em movimento” tornou-se o lema dos Jogos Paralímpicos, logo, sendo representado pela figura de três (03) “Agitos” nas cores vermelha, azul e verde, direcionados à um único ponto em um campo branco.

As cores escolhidas compõem a maioria das bandeiras de países por todo o mundo, enfatizando a missão estabelecida pelo IPC em juntar atletas de todos os cantos do mundo para competir e inspirar a todos.

Ao todo são 29 modalidades sendo de responsabilidade de 03 organizações distintas, mas que se interligam: Comitê Paralímpico Internacional (IPC), Organização Internacional de Esportes para Deficientes (OIED) e as Federações Próprias
 

Modalidades esportivas – IPC

  • Atletismo.: divido em classes e de acordo com o grau de comprometimento de cada atleta, possui provas para todos os tipos de deficiência.
 
  • Biatlo.: agrupado em três categorias e disputado por deficientes físicos e visuais.
 
  • Esqui-alpino.: provas disputadas por deficientes portadores de paraplegia, paralisia cerebral e deficiência visual.
 
  • Esqui cross-country.: disputada por deficientes físicos e visuais, utiliza-se uma cadeira apoiada em um par de esquis.
 
  • Hóquei sobre trenó.: provas disputadas apenas por atletas com os membros inferiores amputados.
 
  • Levantamento de peso.: disputado por portadores de paraplegia, paralisia cerebral e atletas com os membros inferiores amputados.
 
  • Natação.: disputado por deficientes físicos e visuais classificados de acordo com sua habilidade para cada nado. Não é permitido o uso de próteses ou qualquer equipamento que auxilie o atleta, exceto os "tappers" - equipamento usados para bater levemente às costas dos deficientes visuais para avisá-los de que a borda da piscina está próxima.
 
  • Snowboarding.: disputado em duas categorias e por deficientes físicos.
 
  • Tiro: disputado por deficientes físicos em duas categorias, sendo uma para atletas em cadeira de rodas e outra em pé.
 
 

Modalidades esportivas – OIED

 
  • Bocha.: disputado por atletas de ambos os sexos em cadeira de rodas portadores de paralisia cerebral.
 
  • Esgrima em cadeira de rodas.: disputado apenas por atletas em cadeira de rodas.
 
  • Futebol de cinco.: é disputado por deficientes visuais (o goleiro, entretanto, pode enxergar.)
 
  • GoalBall.: é disputado apenas por deficientes visuais.
 
  • Judô.: competem neste esporte deficientes visuais, divididos em categorias de peso.

Modalidades esportivas – Federações Próprias

 
  • Basquetebol em cadeira de rodas.: disputado por atletas em cadeira de rodas.
 
  • Badminton.: disputado por deficientes visuais e físicos.
 
  • Bobsleigh.: disputado por deficientes físicos, apenas na modalidade monobob.
 
  • Canoagem.: aberta a deficientes físicos e intelectuais.
 
  • Ciclismo.: é disputado por deficientes visuais e físicos. De acordo com seu grau de comprometimento, o atleta pode usar bicicleta, triciclo, tandem ou handcycles.
 
  • Curling em cadeira de rodas.: é aberto a deficientes físicos com comprometimento nos membros inferiores que necessitam de cadeira de rodas para se locomover normalmente. É um esporte misto.
 
  • Hipismo.: hoje disputado por deficientes visuais e físicos. Homens e mulheres competem juntos, de acordo com o seu perfil funcional.
 
  • Remo.: participam das provas deficientes físicos, utilizando equipamentos adaptados.
 
  • Rugby em cadeira de rodas.: é disputado por atletas com quadriplegia.
 
  • Taekwondo.: disputado por deficientes físicos visuais e les autres, sendo apenas disputado na modalidade de demonstração.
 
  • Tênis em cadeira de rodas.: competem neste esporte portadores de deficiência física em pelo menos um membro inferior. Na categoria "quad" só podem participar atletas com deficiência em três ou quatro membros. A bola pode tocar no chão duas vezes antes de um jogador rebatê-la.
 
  • Tênis de mesa.: amputados, paraplégicos e portadores de paralisia cerebral competem em categorias para atletas em pé e em cadeira de rodas.
 
  • Tiro com arco.: disputado por paraplégicos, portadores de paralisia cerebral e amputados, divididos em três classes funcionais. Há disputas individuais e por equipes, para atletas em pé e em cadeira de rodas.
 
  • Triatlo.: é disputado por deficientes físicos, e compreende seis categorias.
 
  • Voleibol sentado.: atletas com deficiência física competem em equipes de seis, podendo compor a mesma equipe portadores de diferentes graus de deficiência.

O vislumbre de Pequim

 
Compartilhando do mesmo slogan dos Jogos Olímpicos – “Um mundo, um sonho.” - com uma figura representando um atleta em movimento, assim, fazendo referência aos enormes esforços que uma pessoa portadora de deficiência precisa fazer para ser inclusa no esporte e na sociedade. A edição de Pequim contou com a disputa de 472 provas e a participação de 3.951 atletas de 146 Centros Paralímpicos Nacionais com a presença de países estreantes, como: Burundi, Gabão, Geórgia e Haiti. Também foram quebrados cerca de 279 recordes mundiais através da competição, um deles sendo a venda de mais de 1,82 milhão de ingressos por meio da internet, bilheteria e ainda foram distribuídos 1,62 milhão de ingressos extras para escolas, universidades e grupos comunitários.

A mídia também teve sua contribuição, mais de 64 emissoras de 80 países diferentes compraram os direitos de transmissão do evento, tendo a televisão chinesa CCTV e a local BRTN com uma cobertura que chegou a durar 22 horas diárias de dedicação à programação do evento. Durante a competição, o Canal Paralímpico no Youtube alcançou o primeiro lugar na categoria de“mais vistos”, “mais vistos – diretores” e “mais vistos – parceiros”.

Com a conquista de 47 medalhas, sendo: 16 de ouro, 14 de prata e 17 de bronze, o Brasil pela primeira vez na história dos Jogos Paralímpicos, encerrou a competição ocupando a 9ª colocação na classificação geral do quadro de medalhas.


O destaque veio através do brasileiro Daniel Dias, nadador de 24 anos que subiu ao pódio nove vezes durante toda a competição, conquistando quatro medalhas de ouro (100m e 200m livres; 50m costas e 200m medley), quatro medalhas de prata (100m peito, 50m livre, 50m borboleta e revezamento 4 x 50m medley) e 1 medalha de bronze (revezamento 4 x 50m livre). O sucesso foi tão grande que em 2009 ganhou o Prêmio Laureus – considerado o Oscar do esporte – como o melhor atleta com deficiência.


Além das piscinas, o Atletismo também contou com o prestígio de Lucas Prado que subiu no lugar mais alto do pódio após a soberania nos 100m, 200m e 400m, sendo uma peça fundamental para que o Brasil conquistasse um total de 16 medalhas de ouro.

 

De volta à sua origem

 
Londres foi a cidade escolhida para ser a sede dos Jogos Paralímpicos. A Inglaterra que em 1948 foi palco para o início de uma reabilitação através do esporte para os militares que se feriram na Segunda Guerra Mundial, agora, estava muito mais estruturada e desenvolvida para receber 4.237 atletas de 164 Comitês Paralímpicos Nacionais, incluindo 15 países estreantes.

 O ano de 2012 veio para reafirmar a crescente potência que o Brasil vinha se tornando ano após ano. Mais uma vez, Daniel Dias foi destaque e viveu em Londres a sua melhor performance nos Jogos Paralímpicos. Desta vez, disputou seis (6) provas individuais e conquistou o ouro em todas elas, por conta de seu desempenho impecável, Daniel repetiu o feito e em 2013 ganhou também o Prêmio Laureus, somando 15 medalhas paralímpicas, sendo, 10 de ouro.


Alan Fonteles protagonizou um marco naquele ano superando o campeão paralímpico dos 200m nas provas de Atenas e Pequim, Oscar Pistorius, considerado favorito.

Após terminar a prova com um tempo de 21s52, para a surpresa de todos, Alan Fonteles, subiu ao pódio garantindo mais um ouro para o Brasil depois de concluir a prova em 21s45.

 

A paralimpíada brasileira

 
O período que antecedia o evento foi de enorme preocupação por conta de problemas financeiros que resultaram em um baixo interesse dos patrocinadores e do próprio público. Com o apoio de celebridades locais e internacionais, o interesse social aumentou e 2016 a primeira vez em que um país da América do Sul foi anfitrião, o Brasil, aconchegou 4.316 atletas de 159 países diferentes que competiram em 22 modalidades.


Três figuras humanas unidas pelas mãos e pés nas cores da bandeira brasileira, representa em sua singularidade o ato de abraçar, assim, simbolizando uma cultura acolhedora e receptiva.

Em questão de mídia, todos os direitos de transmissão eram do Grupo Globo que autorizou o IPC repassar para qualquer outra emissora que compartilhasse do mesmo interesse, logo, a TV Brasil e a TV Cultura passaram a exibir o evento em conjunto, onde a Cultura retransmitia as imagens geradas pela TV Brasil.

A Globosat, por meio da Sportv, transmitiu com exclusividade pela TV por assinatura. A TV Globo, desenvolveu um programa diário que era transmitido logo após o "Jornal da Globo”, que fazia um resumo dos principais acontecimentos do dia.

"Esporte Espetacular" foi responsável por transmitir algumas entradas ao vivo durante o período do programa, ao mesmo tempo, as outras emissoras abertas do país: Band, Record, SBT a RedeTV! fizeram uma discreta cobertura jornalística.

Esta edição foi marcada pela melhor campanha brasileira, totalizando 72 medalhas, sendo 14 de ouro, 29 de prata e 29 de bronze, assim, ocupando a 8ª colocação no quadro geral.

O atletismo foi a modalidade responsável pela conquista de  oito medalhas de ouro, a natação conquistou  quatro , futebol de cinco e bocha conquistaram as duas restantes.

 

2021: Os Jogos da reinvenção

 
Muito se fala sobre o “novo normal” no qual estamos inseridos por conta dos protocolos de saúde. Tudo ao nosso redor precisou ser adaptado, transformado, reinventado.

O esporte que sempre foi conhecido por unir pessoas e nações, hoje, vive uma realidade diferente. Se antes tínhamos ginásios, quadras e campos lotados de torcedores vibrando em festa, hoje, contamos com nosso palco em um enorme silencio.
Sexta feira, 27, o Brasil protagonizou seu melhor dia na competição, conquistando 9 medalhas que ocasionaram um salto gigante – 10º para a 6ª posição - na classificação geral no quadro de medalhas.



O atletismo foi decisivo – conquistando quatro ouros - e é o primeiro da fila com Petrúcio Ferreira, o atleta mais rápido da história a conquistar o bicampeonato na corrida dos 100m rasos; Silvânia Costa foi favorita no salto em distância para cegos e sagrou-se bicampeã também; Yeltsin Jacques, dominou a prova do 5.000m para atletas cegos, bateu o recorde das américas fazendo o tempo de 15m13s62 e para além disso sua vitoria atingiu o marco de 100 medalhas  na história dos Jogos Paralímpicos; Wallace Santos, dono do recorde mundial no arremesso de peso para atletas  que competem em cadeira de rodas, atingindo 12,63m, logo atrás temos Washington Junior e João Victor Ferreira com 2 bronzes.


Pela Natação, Wendell Belarmino garantiu seu espaço no lugar mais alto de pódio, Gabriel Bandeira ficou com a prata e Carol Santiago também fez questão de garantir mais um bronze para a federação brasileira.

O vôlei sentado feminino também superou as dificuldades da partida e garantiu a vitória no tie-break sua estreia contra o Canadá.

A equipe de Goalball masculino levou a melhor sobre a Argélia, garantindo vaga para disputar as quartas de finais.  No dia 03 de setembro, a equipe masculina triunfou diante da China com uma vitória significativa e emocionante que levou todos às lágrimas.

Até o dia 02 de setembro , a delegação brasileira totalizava 19 medalhas de ouro, assim, tendo enorme possibilidade de fazer história com a conquista de mais um recorde – atingindo a melhor posição na colocação geral da história.

O Comitê Paralímpico do Brasil (CPB) estabeleceu como meta chegar entre os top 10 no quadro de medalhas. Com esse objetivo já consolidado, o objetivo agora é bater três recordes:
  • Ultrapassar as 21 medalhas de ouro conquistadas em Londres;
  • 72 medalhas conquistadas no total nos Jogos Paralímpicos do Rio;
  • 7ª posição no quadro de medalhas também em Londres;
Com a equipe do futebol de cinco e Goalball já garantida nas finais e mais a participação de campões mundiais por outras modalidades as chances de pódio são muitas.
 
Os Jogos Paralímpicos vêm cumprindo sua missão de permitir que atletas alcancem a excelência esportiva e inspirem o mundo, para além disso, é reflexo de reconstrução e reinvenção.

Nossos atletas treinam incansavelmente e muitos deles vivem uma realidade diferente daquele de celebridades que imaginamos. O esporte é ferramenta social de inclusão, recuperação e humanidade.

Como nação, precisamos de uma vez por toda estarmos um passo à frente dos paradigmas pré-estabelecidos. O mesmo triunfo que está acontecendo em Tóquio nas competições, precisa acontecer no nosso dia a dia. Não só o Brasil, mas o mundo precisa ser adaptável, estamos em constante mudança e reinvenção, precisamos nos desenvolver principalmente na questão estrutural.

Que as Paralimpíadas a partir de agora venham recolher seu devido reconhecimento e importância, passou da hora de triunfarmos no quesito visibilidade.

Ser ou tornar-se portador de deficiência não faz de um indivíduo alguém inferior ou incapaz, muito pelo contrário, a humanidade vem de se reinventar a partir dos desígnios da vida.
 


 
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