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05/09/2021 às 14h00min - Atualizada em 04/09/2021 às 21h06min

Os remakes e o "hate"

Odiar produções novas já virou coisa do passado, agora o negócio é odiar produções novas que na verdade são velhas

Lucas Campos - Editado por Ana Terra
Estamos presenciando a época dos remakes, reboots, reinvenções e “filmes nada como os anteriores” há alguns anos. Diversas franquias antigas se renderam aos remakes como estratégia para reunir novos fãs e reviver de suas tumbas os antigos. Uma estratégia que muitas vezes sai pela culatra, mais ou menos. De um lado temos aqueles que ficam felizes por ver suas obras favoritas com uma nova e mais atual roupagem. Melhores efeitos, melhores diálogos, narrativa, ambientação, atuações... Enfim, tudo que é necessário. Do outro lado temos aqueles que odeiam a ideia em si. “Vão destruir a minha infância!”, esbravejaria Fulano, de 48 anos, "E meu filho não pode crescer vendo isso!", completaria. Mas por quê? Por que é tão abominável para alguns a ideia de um novo público poder aproveitar uma obra nos seus próprios termos e contexto?

Quando um anúncio de remake ou reboot é feito, não é difícil ver que o hate se acumula rapidamente nas redes sociais. A depender da obra, tags são levantadas, reações negativas chovem em postagens sobre e os comentários são infestados por falas de repúdio a uma ideia que sequer saiu do papel ainda. As primeiras imagens então são o alvo mais rápido a ser julgado. Simplesmente porque tocou em algo que é visto como sagrado pela sua base de fãs.

Talvez o maior exemplo de ódio por um remake seja Teen Titans Go! (Jovens Titãs em Ação, no Brasil). Muitos millenials cresceram assistindo TV GlobinhoBom Dia & CiaSábado Animado e semelhantes. Um dos desenhos que marcou essa geração foi Os Jovens Titãs. Uma adaptação dos personagens de quadrinho, que possuía uma aura séria, mas também cômica, com alguns traços e expressões bem semelhantes aos de anime. Foi um sucesso aqui no Brasil, porém nem tanto em seu país de origem. A série estreou em 2003 e durou por 65 episódios e logo foi cancelada em 2006.


Por se tratar de uma série “legalzona”, é de se imaginar que fizesse sucesso com as crianças e adolescentes. Lutas maneiras, bons arcos de personagens, poderes e traição (por aqui a Terra ainda não foi perdoada). Mas isso sozinho não foi possível para manter a série na ativa. E então veio a derrocada das viúvas que sequer lembravam que a série tinha acabado. Em 2013 foi lançada Teen Titans Go!, uma série cômica, voltada para o público infantil, que deu logo o que falar pelo traço infantil e falta de profundidade e seriedade.

A série nova, que não possui vínculo com a anterior, além de usar os mesmos personagens e dubladores, logo fez sucesso entre as crianças com episódios curtos de 10 minutos que contam histórias, na maioria das vezes, isoladas, sempre com muitas piadas e sátiras a outros personagens e até à própria série e seus haters. Atualmente possui mais de 300 desses episódios, metade desses está disponível na Netflix. Mas por que então, uma série que já começou odiada fez tanto sucesso? A resposta para este caso é simples. Teen Titans Go! usou da própria “fama” para criar conteúdo. Além de alcançar um novo público, ela também garantiu que o antigo assistisse, por bem ou por mal. Várias piadas se voltam a antiga série, alguns episódios têm um traço completamente diferente do comum para satirizar a si própria e isso é o que a faz tão engraçada. A nota de
Jovens Titãs em Ação! é muito inferior a de Os Jovens Titãs, segundo o IMDB, mas crianças normalmente não votam por lá.

Para os haters, aparentemente, as crianças de hoje não podem ter seu próprio tipo de diversão. Piadas mais inteligentes e um filtro de censura ofendem quem cresceu vendo desenhos “mais brutos”, por assim dizer. “Na minha época é que era bom, não tinha esses desenhos idiotas! Com traço feio e os bonecos todos iguais”, afirmaria Ciclano, de 55 anos, seu desenho favorito deve ter sido He-Man. O que nos leva ao próximo ponto, a masculinidade dos novos desenhos parece também ser um assunto para debate e explosão de hate.

Em 2018 a Netflix lançou o reboot She-Ra e As Princesas do Poder. Uma versão mais atualizada da animação quase homônima dos anos 80. Um desenho que era formado majoritariamente por mulheres. As personagens agora não usavam apenas biquinis e maiôs, possuíam mais características para diferencia-las. Eram mais reais.

A versão dos anos 80, apesar de ser protagonizada por uma mulher, Adora, era claramente mais voltada para o público masculino, visto a exposição a qual as mulheres eram postas. Enquanto a versão da Netflix tinha uma abordagem mais infantil para todos os públicos, com uma mensagem de amizade e amor.

Uma das principais reclamações sobre o reboot foi, com certeza, a aparência de Adora, que recebeu a aparência de uma adolescente com alguns músculos graças ao treinamento militar, diferente da antiga Adora que era alta, esbelta e bem feminina, apesar de ambas terem 16 anos. Isso causa desconforto para saudosistas de plantão que esperam ver mulheres apenas em situações fantásticas ou comuns se isso de alguma maneira satisfizer seus desejos. “Essa Adora aí não tá sexy!”, argumentaria Beltrano, de 42 anos. Não é novidade que o meio nerd é sexista e, portanto, ver uma mulher normal, ainda que em desenho, causa incômodo.

Adora de 2018 além de tudo é lésbica (ou talvez bissexual), como mostrado ao fim da série quando ela beija sua arqui-inimiga redimida, Felina. O suficiente para deixar qualquer marmanjo bravo na internet por meses.

E os exemplos não param por aí. Thundercats recebeu um reboot em 2011 que foi um completo fracasso mesmo seguindo todas as regras dos haters para o sucesso e mal durou uma temporada. História séria, traços sérios, abordagens sérias e lutas. O motivo do fracasso? Nem mesmo quem se dizia fã viu a série! Ter boas memórias da animação é uma coisa, mas assistir, aí já é demais! E um outro reboot foi feito, Thundercats Roar!, que segue mais a linha do Jovens Titãs em Ação!. Nem é preciso dizer que sofreu na mão dos saudosistas.

Na maioria dos casos, essas pessoas que reclamam de algum remake ou reboot só se importam de fato quando não está de acordo com seus gostos. Apenas pelo prazer de ir reclamar por uma infância que acabou décadas atrás. Às vezes, esses tão fervorosos fãs sequer têm tempo para assistirem a novas obras. Mas é mais comum que não seja possível para essas pessoas se alegrarem que um novo público que não teve contato com a obra original possa se integrar ao meio ou se divertir com as coisas novas. Só se for pelos clássicos de animação estática onde só a boca se move e as mesmas animações são repetidas várias vezes durante o episódio.

A parte triste, é que não há como remediar isso. Pessoas vão ter preconceito com tudo aquilo que não lhes agrade para sempre, mesmo que seja algo simples como um desenho. Talvez ninguém seja obrigado a gostar de um remake, ou sequer assistir, mas talvez também não seja obrigado a odiá-lo. Deveria ser possível viver sabendo que pessoas gostam de coisas que outros não gostam, ok, boomer?


REFERÊNCIAS:
JOVENS Titãs. Teen Titans Wiki, 2021. Disponível em: <https://teentitans.fandom.com/pt-br/wiki/Jovens_Tit%C3%A3s_Wiki>. Acesso em: 03 de setembro de 2021.
SHE-RA e as Princesas do Poder. IMDB, 2021. Disponível em: <https://www.imdb.com/title/tt7745956/>. Acesso em: 03 de agosto de 2021.
SHE-RA e as Princesas do Poder. In: Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/She-Ra_e_as_Princesas_do_Poder>. Acesso em: 03 de setembro de 2021.
TEEN Titans Go! (série animada). In: Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Teen_Titans_Go!_(s%C3%A9rie_animada)>. Acesso em: 03 de setembro de 2021.
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