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18/09/2021 às 14h40min - Atualizada em 18/09/2021 às 14h37min

Bacurau e o potencial do cinema brasileiro

Com seu impacto e suas representações, a obra de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles é a maior evidência dos últimos anos sobre o talento da sétima arte do país

Luann Motta Carvalho - Editado por Ana Terra

O Brasil é repleto de clichês associados aos nossos transtornos. Clichês sobre a nossa política, educação, saúde... Há quanto tempo nós ouvimos que tais áreas necessitam de mudanças e desenvolvimento? Por vezes, escutamos relatos de regiões mais distantes que sofrem ainda mais com esse descaso – algo que se tornou escancarado com a pandemia da covid-19.

Nesse sentido, com certeza não seria preciso ressaltar que a nossa arte e cultura padece do mesmo problema. Por outro lado, é possível analisar atitudes mais programáticas em relação ao cinema do país. Ainda que tenhamos bons exemplos de obras nacionais e artistas brasileiros que despontam mundo afora, nós somos cercados de comentários que entram na mesma categoria citada no primeiro parágrafo. São 
clichês, falas envoltas pelo senso comum.

Então sim, ainda que seja óbvia a necessidade de maior valorização ao nosso cinema, temos uma gama de excelentes filmes que sofrem com esse desprestígio no Brasil. Tanto pela falta de incentivo quanto por essa ação programática do brasileiro de avaliar negativamente as obras sem mesmo dar a oportunidade de assisti-las. Nesse contexto, os efeitos acabam se interligando.

Por consequência, Bacurau também sofre com essa questão. Embora tenha sido aclamado pelo mundo, chegando a conquistar o Prêmio do Júri no Festival de Cannes de 2019, o filme dos diretores Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles não obteve a mesma repercussão no Brasil. É possível, inclusive, adicionar a polarização política como mais um obstáculo para o sucesso da obra.

Na tela, nós temos em torno de uma cidade do interior do Nordeste várias representações do nosso cotidiano. E um cotidiano não apenas brasileiro, já que seria possível representar em outras partes do mundo as questões ilustradas em Bacurau. Em um futuro distópico, sem esperar o auxílio de pessoas com mais poder, os marginalizados precisam atuar de maneira comunitária para defender seus pertences de invasores, sendo uma referência ao imperialismo e ao colonialismo. Com seus conceitos e um toque interiorano, o filme mistura vários gêneros, desde faroeste, drama, suspense, terror, até ficção científica.

Da mesma forma como ocorre com O Som Ao Redor e Aquarius, outras produções de Kleber Mendonça, assistir Bacurau pela primeira vez pode causar uma certa estranheza e deixar o espectador até mesmo confuso em alguns momentos, pois o roteiro busca nos ambientar com o clima, antes de tudo. No entanto, enquanto o entendimento da história vai se desenrolando, é possível apreciar as subtramas que estão formando o enredo.

Depois disso, os momentos finais vão trazendo um grande destaque ao sentimento comunitário do povo daquela cidade e gerando plots com diversas surpresas, dignas dos maiores blockbusters hollywoodianos. Além disso, a união dos habitantes de Bacurau em busca de mudanças é contrastada com a ironia sobre a hipocrisia dos mais privilegiados. Há uma análise do que é violência em visões distintas na fala do personagem de Udo Kier: “Tanta violência!”.

Se a parte narrativa não fosse suficiente para evidenciar o talento cinematográfico exibido em Bacurau, podemos ressaltar as partes técnicas da produção. A fotografia e a trilha sonora do filme captam o ambiente e colocam o espectador como parte integrante dentro da mensagem que os diretores desejavam passar. As transições wipes, que foram popularizadas nos filmes da saga Star Wars, são apenas uma parcela em uma porção de referências que a obra traz em seu catálogo.

Diante disso, Bacurau é a maior prova cinematográfica dos últimos anos sobre a capacidade cultural do nosso país, mesmo após mais de dois anos do seu lançamento. Um filme não precisa ter somente ação, mas em meio ao entretenimento, ele pode instigar o espectador com seus comentários sociais. E isso é algo que a produção brasileira realiza com inteligência e maestria. Se for visitá-la, vá na paz e aprecie com cautela.

REFERÊNCIAS:
CANDEIAS, Gilmar e DEL VECCHIO, Angelo. “A importância de Bacurau ao narrar a vitória de esquecidos e invisíveis”. CARTA CAPITAL. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/opiniao/a-importancia-de-bacurau-ao-narrar-a-vitoria-de-esquecidos-e-invisives/>. Acesso em 14 de set. de 2021.
CRUZ, Gustavo. “Bacurau – A história por trás do filme!”. GUSTAVO CRUZ. Disponível em: <https://www.youtube.com/playlist?list=PLnEb6INTJZJIIiz_pzaWg91nbDT9_C2z4>. Acesso em 14 de set. de 2021.
MALAGRIS, Marcos. “Bacurau | Colonialismo, Coletividade e Empoderamento”. FAROFA GEEK. Disponível em: <http://farofageek.com.br/filmes/bacurau-colonialismo-coletividade-e-empoderamento-critica-com-spoilers/>. Acesso em 14 de set. de 2021.
ROSTAND, Tiago. “Um ano de Bacurau: diretores falam sobre trajetória, cinema nacional e sequência”. JC/UOL. Disponível em: <https://jc.ne10.uol.com.br/cultura/2020/08/11967344-um-ano-de-bacurau--diretores-falam-sobre-trajetoria--cinema-nacional-e-sequencia.html>. Acesso em 14 de set. de 2021.
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