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04/10/2021 às 17h32min - Atualizada em 30/09/2021 às 22h38min

Os desafios do ensino remoto

A falta de estrutura e formação para o uso da tecnologia no ensino remoto tem afetado professores e alunos

Rebeca Spínola - Editado por Larissa Bispo
https://anped.org.br/sites/default/files/images/cnte_relatorio_da_pesquisa_covid_gestrado_v02.pdf

Acordar, tomar seu café da manhã, ligar seu smartphone e se preparar para mandar mensagem no grupo da turma no WhatsApp, enviar algumas atividades e explicá-las por áudio e, por fim, lembrar aos alunos - e os pais inseridos no grupo - da reunião via Google Meet às 14 horas. É assim que começa o dia da professora Joselita Espínola, que leciona em uma escola pública de ensino fundamental, no interior da Bahia. Com vinte e oito anos de profissão, o formato remoto fez a docente ter uma maior dependência do uso da tecnologia, algo inesperado para a educadora.

“Para mim foi muito difícil, nunca precisei estar tão dependente da tecnologia para ensinar e ainda estou me adaptando a essa nova modalidade do ensino remoto. É tudo muito novo, não sei usar tão bem assim a internet, é difícil ter que aprender tudo de uma hora para outra”, relata Joselita.

Primeira filha entre os seus 13 irmãos a ter um diploma, Joselita sempre enfrentou muitos desafios, e se formar professora, em meio às dificuldades financeiras em que cresceu, foi um deles. Hoje, se adaptar ao uso do smartphone para dar aulas faz a professora ter que vencer mais um obstáculo.

“É realmente desafiador, principalmente pela falta de recursos, pois não tenho um computador, faço tudo pelo meu celular e ainda tenho dificuldades para mexer em algumas ferramentas do aparelho. Além disso, a jornada de trabalho aumentou muito. Nós, professores, estamos nos virando nos trinta, precisamos estar conectados o dia inteiro para atender alunos e pais de alunos no WhatsApp, isso é muito cansativo”, afirma.

Assim como Joselita, inúmeros professores encontram dificuldades em lidar com a nova realidade durante a emergência de saúde provocada pelo coronavírus. Além das questões pedagógicas, sociais e de saúde referentes ao ensino remoto, esses profissionais da educação precisam enfrentar os desafios relativos às novas condições de trabalho. Uma pesquisa feita pelo Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente da Universidade Federal de Minas Gerais (Gestrado/UFMG) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), mostra a dificuldade dos docentes com o novo método de ensino e o esforço pessoal desses profissionais para transmitir a aprendizagem aos alunos. Além disso, a pesquisa aponta para a falta de um auxílio do poder público neste momento emergencial para garantir a isonomia do acesso à educação.

 
Os dados da pesquisa mostram que:

82% dos docentes disseram que as horas de trabalho aumentaram;
80% dos entrevistados afirmam que a principal dificuldade dos estudantes é a falta de acesso à internet e computadores; seguida pela dificuldade das famílias em apoiar os estudantes (74%); a falta de motivação dos alunos (53%) e o desconhecimento dos alunos em usar recursos tecnológicos (38%).
82% dos professores estão dando aulas dentro de casa;
O estado emocional dos professores também está sendo colocado à prova: 69% declararam ter medo e insegurança por não saber como será o retorno à normalidade e 50% declaram ter medo em relação ao futuro;
84% dos professores afirmam que o envolvimento dos alunos diminuiu um pouco ou diminuiu drasticamente durante a pandemia.

A falta de um apoio para os estudantes também tem interferido no desempenho escolar. O formato a distância afeta o envolvimento e a aprendizagem dos alunos, isso porque muitos não têm um ambiente apropriado para estudar, além da falta de condições de se ter um dispositivo tecnológico e acesso à internet para acompanhar as aulas.

“Existem alunos que eu não consigo ter contato, pois eles não têm acesso a um celular ou computador. Por isso, deixo um material com as atividades da semana na escola para eles. Mesmo disponibilizando esse material, alguns deles não buscam. É uma realidade muito difícil ter que ensinar a distância”, desabafa Joselita.

Desde 2012 trabalhando em uma escola particular em São Vicente (SP), a professora do ensino fundamental Juliana Oliveira também sentiu o impacto da nova realidade. Se adaptar aos novos recursos foi um processo difícil, apesar do auxílio da escola no uso de uma plataforma para o desenvolvimento das atividades e aulas.

“Foi um desafio, visto que nós professores sabíamos o básico do word. Nós tivemos uma semana de curso para aprender a usar a plataforma de ensino, o Meet e o Classroom. Aprendemos a fazer slides e compartilhar durante as aulas para ficar mais dinâmico e ilustrativo, aprendemos também a gravar as aulas e enviá-las para os alunos", afirma Juliana.

Baiana e morando em São Paulo há 11 anos, Juliana tem uma rotina corrida. Além de dar aulas em dois turnos, a professora é mãe e precisa dividir seu tempo entre os afazeres da escola, da casa e da sua filha de dois anos, mesmo contando com a ajuda do marido.

“Muitas vezes pensei em desistir devido a pressão psicológica em ter que fazer o ensino a distância dar certo. No primeiro momento foi horrível utilizar uma ferramenta que eu não conhecia, mas com o tempo fui me acostumando e consegui concluir 2020. Consegui ver o retorno dos alunos, a aprendizagem de cada um, o que valeu a pena, pois foram horas dedicadas na elaboração de atividades que pudessem ensiná-los”, relatou.

Através dos seus smartphones e computadores, os jovens estão sempre ligados na internet e antenados sobre tudo que acontece à sua volta, principalmente em suas redes sociais. Os stories, reels, tweets, fazem parte da rotina da nova geração e essa facilidade com que se tem por meio da tecnologia, proporcionou vários benefícios para a vida de milhares de estudantes. Mas e quando ela se torna o único meio de aprendizagem? E quando é necessário ficar horas em frente a uma tela, tanto para as aulas, quanto para a realização de atividades?

O ensino remoto também trouxe desafios aos estudantes. A tristeza, o estresse, a ansiedade e a depressão são alguns dos problemas que muitos discentes têm enfrentado em decorrência do isolamento social. Somada a estes fatores, manter as atividades escolares, uma rotina de estudos, se preparar para provas e assistir aulas virtuais tem sido cada vez mais difícil para esses alunos. Assim como a falta de renda para adquirir equipamentos para acompanhar o EAD.

A pandemia tem sido um momento difícil na vida de todos. Na educação, lidar com tudo que tem acontecido e ter que estudar, ensinar e aprender é um desafio tanto para docentes quanto para discentes. O mundo inteiro se encontra em um cenário de perdas e continuar com uma rotina de estudos é extremamente desafiador neste momento de crise sanitária. O momento pandêmico trouxe um alerta para o despertar de inúmeros problemas, e a urgência de uma política pública que possa incluir a criação de plataformas gratuitas e cursos a fim de auxiliar educadores no domínio da tecnologia é uma delas. O olhar também precisa estar voltado para os estudantes e a sua saúde emocional, bem como aqueles que se encontram muitas vezes à margem, invisíveis, sem apoio e sem auxílio para um acesso digno à educação. Toda a comunidade escolar necessita ser assistida, afinal, tudo começa pela educação e fortalecer a sua estrutura segue sendo o melhor caminho.


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