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11/11/2021 às 11h05min - Atualizada em 11/11/2021 às 10h00min

Caso Eloá Pimentel: O compromisso da mídia com a audiência, o estrelismo da polícia militar e um desfecho fatal

Após manter Eloá Cristina de apenas 15 anos em cárcere privado durante quatro dias, o ex-namorado Lindemberg Alves, 22, disparou dois tiros, um contra a cabeça da jovem e outro acertando a região da virilha, o diagnóstico médico constatou morte cerebral

Vitoria Fontes - Editado por Andrieli Torres
Foto.: Eloá na janela de sua casa durante o sequestro | Reprodução.: Robson Fernandes - Estadão
O namoro começou quando Eloá tinha apenas 12 anos e Lindenberg 18; os dois haviam se apaixonado perdidamente, a diferença de idade entre o casal tornou-se um problema e os pais da jovem estabeleceram algumas regras que logo foram aceitas, assim, dando continuidade no relacionamento e fazendo a família gostar do garoto ao ponto de que Douglas, irmão mais novo de Eloá, criou um enorme sentimento de admiração por seu então cunhado Lindenberg. No entanto, os anos se passaram e aquela união que era cheia de amor transformou-se em um relacionamento conturbado, cheio de idas e vindas e crises de ciúmes por parte dele.
 
Eloá sempre foi uma garota muito simpática, extrovertida e comunicativa, tais características eram suficientes para despertar ciúmes em Lindenberg e esse era um dos principais motivos das brigas que acabavam resultando em diversos términos, tais rompimentos sempre foram protagonizados por ele, isso fazia com que a garota acabasse indo atrás pedindo uma reconciliação.
 
Após um enorme desgaste, Eloá se sente insatisfeita com toda a situação e em um desabafo com a mãe, confessa estar cansada do namorado que recentemente estava muito agressivo. Com o fim do relacionamento e revolto com a decisão de Eloá, Lindemberg passou a perseguir a jovem todos os dias durante o horário de saída da escola como quem queria avisar que estava por perto e de olho.

O início do fim

No dia 13 de outubro de 2008, a mãe de Eloá acordou com um pressentimento ruim e pediu ao filho mais novo, Douglas, que em hipótese alguma abrisse a porta para Lindenberg já que mesmo após ter passado um tempo do fim do relacionamento, ele não estava lidando bem com as circunstâncias
 
Eloá Pimentel e Nayara Cristina eram melhores amigas e estavam sempre ali participando uma da vida da outra, estudavam na mesma escola, então, passavam uma boa parte do tempo juntas. Naquele mesmo dia, as duas garotas juntamente com mais dois rapazes, Iago Vilela de Oliveira e Vitor Lopes de Campos se reuniram após a aula na casa de Eloá para fazerem um trabalho escolar de geografia.
 
Entre o tempo que Eloá estava na escola e sua mãe no trabalho, Lindemberg havia ligado inúmeras vezes para Douglas dizendo que estava nervoso e querendo conversar com ele, depois de muito ignorar, o irmão mais novo decide atender o ex-cunhado, se compadecendo da situação e o deixando entrar, nessa hora, faltava pouco tempo para que Eloá saísse da aula e retornasse para casa, assim, Douglas sugeriu que ele e Lindenberg saíssem para fazer algo, agora, Lindemberg começa a colocar seu plano em ação, convidando o garoto para darem um passeio de moto indo até a pastelaria, passado um tempo, Douglas pede para que o leve de volta, porém ao invés disso, Lindenberg o leva até uma represa, atendendo à um telefonema disse  precisava ir resolver um problema e voltaria para buscá-lo, o que era apenas uma desculpa para voltar à casa de Eloá e encontrá-la.
 
Passados 30 minutos de espera, Douglas decide caminhar a pé até em casa, chegando lá, se depara com a porta trancada, presumindo que sua irmã havia saído para fazer o trabalho escolar, decide esperar do lado de fora até que seu pai ou sua mãe chegasse.
 
Everaldo Pereira dos Santos, pai de Eloá, chega e ao se deparar com Douglas do lado de fora de casa, pergunta ao garoto o porquê de estar ali, ele responde que Eloá não estava em casa e ele sem a chave, com isso, Everaldo sobe até o andar onde mora para abrir a porta e se surpreende ao ouvir gritos de Lindemberg avisando que está armado e com Eloá, a melhor amiga Nayara e os dois garotos sendo Vítor namorado de Nayara. Foi a partir daquele momento que o terror começaria na vida daqueles jovens.
 
Após se deparar com essa situação, o pai de Eloá realiza contato com a polícia, o primeiro policial chega até o local e ao tentar conversar com Lindemberg sobre a liberação dos reféns, ele é recebido com tiros e decide chamar reforço, nessa altura do campeonato o sequestro já durava cerca de 7 horas e além do reforço policial a imprensa também comparece em peso.

Senhoras e senhores, o espetáculo irá começar!

O primeiro dia de sequestro nos reservou surpresas, Lindenberg decide liberar os dois garotos e é a partir desse momento que a imprensa começa a agir, assim, abordando cada um para saber detalhes sobre essas primeiras horas e tudo o que estava acontecendo dentro do apartamento. Iago e Vitor contam que, após se darem conta que Lindemberg estava armado e que a situação era séria e de extremo descontrole, foram obedientes a todas as ordens impostas por ele e em alguns momentos chegaram até mesmo a serem agredidos.
 
Após a libertação, o foco virou-se para Eloá e Nayara. O sequestro já durava um tempo considerável, Lindenberg assumiu a posição de protagonista e com o auxílio de um celular que tinha junto a si, entrou em contato com a polícia para falar sobre as negociações, aproveitando o momento quis conversar diretamente com a mãe de Eloá e usando um bordão muito conhecido – “Se não ficar comigo, não vai ficar com ninguém” - confessou que não libertaria sua a filha e que de lá ela só sairia morta.

Depois de consideráveis horas de sequestro, a população que acompanhava a cobertura do caso juntamente com a mídia começou a procurar uma justificativa para a polícia não ter invadido o apartamento e tomado as rédeas da situação. O argumento de defesa foi que por tratar-se de um caso envolvendo vítimas menores de idade, o infrator não possuir antecedentes criminais e ter um histórico relativamente positivo em relação ao seu ciclo social, querem conduzir da maneira mais pacífica possível, a estratégia era uma só: vencer Lindenberg pelo cansaço e para isso utilizaram de macetes, como: cortar a luz do local e não realizar o envio de comida assim deixando-os sem alimentação – o que não passou de uma ideia fracassada, uma vez que a família havido feito compras recentemente, então, tinham suprimentos suficientes.

 A imprensa fazia plantão do lado de fora do prédio onde o cárcere acontecia, estavam transmitindo todos os detalhes em tempo real, a população ligava a TV e independente da hora ou o canal que escolhessem, a única coisa que se falava e noticiava era sobre o sequestro de Eloá. Os estabelecimentos da cidade acolhiam seus clientes e todos que estavam ali ficavam com os olhos vidrados na TV acompanhando todo aquele terror como se estivessem esperando o gran finale da novela das nove.
 

Essa cobertura em tempo integral foi o estopim para o descontrole da situação, foi possível notar a elevação dos ânimos após Lindemberg disparar um tiro contra a imprensa; horas mais tarde todos puderam presenciar a primeira aparição de Eloá e Nayara por meio da janela do apartamento, o ato durou segundos e o intuito maior era mostrar que as jovens estavam bem, para isso, a todo momento Eloá sinalizava positivo com as mãos e pedia calma a todos.

Com a transmissão em tempo real do cárcere privado e o auxílio de uma televisão que tinha no apartamento, Lindemberg assistia e tomava conhecimento de cada passo e estratégia que a polícia traçava, logo, estava sempre um passo à frente e por conta disso conduziu de forma autônoma e soberana todo o crime.

Totalizando 50 horas de sequestro, o programa “A tarde é sua” exibido pela RedeTV e apresentado por Sonia Abrão, conseguiu com que Lindemberg entrasse ao vivo e concebesse uma entrevista à nível nacional com o cárcere ainda em desenvolvimento e as jovens sob o domínio do criminoso.

Naquele momento, a então apresentadora estava desenvolvendo um papel de negociadora, a todo momento tentando convencer Lindemberg de pôr um ponto final naquela história, afinal, segundo ela – “você não é uma pessoa do mal, nunca foi e até o momento não fez nada de ruim contra ninguém”. Ainda não satisfeita e enfatizando a transmissão ao vivo, a apresentadora consegue também conversar com Eloá que indica estar apreensiva e nervosa.

O que faz com que nos questionemos: “Se a polícia e o GATE (Grupo de Ações Táticas Especiais) que recebem treinamento e prepara envolvendo situações de negociação não estavam conseguindo obter êxito, como que uma apresentadora estava se colocando naquela posição?”

A cobertura do caso envolvendo o sequestro de duas jovens tornou-se um grande espetáculo por parte das grandes emissoras de TV que tinham como objetivo sempre trazer mais informações sobre a situação, logo, uma notícia inconclusiva dependia de uma subsequência, o que fazia com que os telespectadores ficassem sempre no aguardo de um próximo capítulo e consequentemente as emissoras conseguiam manter o pico de audiência. Nesse momento, o direito à informação ultrapassou limites de um que era mais importante ainda: o direito à vida!

A polícia também colaborou com o espetáculo, a estratégia de conduzir o caso de forma pacífica deu a oportunidade de Lindemberg sentir que a situação estava inteiramente sob o seu comando, inclusive reconhecer que a polícia também estava ali como refém de suas inúmeras promessas que nunca foram cumpridas envolvendo a libertação das duas. Uma das condutas apontadas como despreparo da polícia foi a falta de um atirador de elite, afinal, a presença de um policial altamente capacitado em situações especiais como a que estava acontecendo juntamente com as várias aparições de Lindemberg na janela ficando visivelmente na mira acarretaria o cenário erfeito para um disparo, a retomada do controle por parte da polícia e quem sabe um desfecho diferente. 

O cárcere já durava tempo suficiente até que a polícia, a mídia e a família foram surpreendidas com a liberação de Nayara Rodrigues da Silva, amiga de Eloá, porém, as surpresas não acabam por aí, atendendo à uma exigência de Lindemberg que se compromete a liberar as duas posteriormente, com a orientação do Coronel Eduardo Félix, do Batalhão de Choque da PM e um dos responsáveis pelas negociações, Nayara que conversa com Lindemberg através do celular, sobe até o andar do apartamento e é surpreendida ao vê-lo abrir a porta com a arma apontada para a cabeça de Eloá, logo, Lindemberg puxa Nayara para dentro do apartamento, assim, levando a vítima novamente ao cárcere

Muito se falou sobre a postura da polícia no retorno de Nayara ao apartamento, de acordo com informações cedidas pelo jornal Gazeta do Povo, o Coronel afirma ter recebido autorização de Andréa, mãe de Nayara, para usá-la na negociação.

Apesar da reviravolta, a polícia garantia que a situação estava sob controle e quando perguntado sobre o porquê não terem invadido o local, a resposta é uma só: “Não faremos isso por que ele disse que vai se entregar”.

Chegado o 4º dia de sequestro, no último telefone entre Lindemberg e polícia ficou acordado que neste dia ele liberaria as jovens, o que não aconteceu. A verdade é que desde o início, Lindemberg se compromete com muitas coisas e até então não havia cumprido nenhuma, muito pelo contrário, estava conduzindo o cárcere e as ações da polícia de acordo com as próprias vontades.

Após mudar de ideia e falar que precisava conversar com Eloá, e por isso não a liberaria mais, somando quase 100 horas de cárcere, Lindemberg decide arrastar uma mesa até a porta o que ocasionou um enorme barulho já que o móvel era pesado, consequentemente, a polícia explode a porta na tentativa de adentrar ao local, porém, a explosão não foi suficiente para que a mesa que segurava a porta caísse e desse passagem, assim, ouve-se barulho de disparos no lado de dentro do apartamento, Lindemberg acerta doisp tiros contra Eloá, um na cabeça e outro na virilha, enquanto Nayara é atingida de raspão na boca.

Nesse meio tempo entre tentativa de invasão e o disparo dos tiros, depois de muito insistir a polícia consegue entrar no apartamento e logo dispara uma bala de borracha na direção de Lindemberg mas o alvo não é acertado, Nayara aproveita a porta aberta e consegue sair correndo para o lado de fora onde logo é socorrida pelos paramédicos que ali estavam, por fim, minutos depois a polícia sai carregando um corpo sobre a maca, o que a princípio fez com que todos que estavam acompanhando o crime achassem que Lindemberg havia sido atingido, mas foi engano, ali, por decorrência de inúmeros erros, despreparo, negligencia,  Eloá em estado gravíssimo estava sendo levada às pressas ao hospital.



Os policiais que estavam dentro do apartamento conseguindo imobilizar Lindemberg que em momento algum demonstrou interesse em atirar para se defender, o que mostra que desde o início o objetivo era matar Eloá e que no momento que ele entrou no apartamento, aquele momento era o início do fim da vida da jovem.

Lindemberg, polícia e a imprensa no banco dos réus

“A imprensa deve ter acesso a qualquer evento público, essa é uma cláusula pétrea em qualquer democracia, mas há uma contrapartida com a sociedade que a imprensa geralmente esquece de atender.  A cobertura jornalística não pode interferir no desenrolar de um acontecimento, sobretudo quando se trata de uma cobertura ao vivo em tempo real de um acontecimento onde a vida de inocentes está sob ameaça”. – disse Alberto Dines em seu programa Observatório da Imprensa, transmitido pela Tv Brasil em 28/02/2012.

Os apartamentos vizinhos ao de Eloá estavam abrigando a imprensa, logo, as equipes ali presentes não escolheram o local como forma de proteção, mas sim para obterem uma visão e consequentemente registros privilegiados do andamento do crime. Para além de informar, o objetivo naquele momento era conseguir um furo de reportagem.

Em suas aparições para os canais de televisão, Lindemberg sempre é levado pelos repórteres e apresentadores a colocar um fim naquele episódio de forma pacífica, soltando Eloá e Nayara. Ele chega a prometer a equipe de direção do programa “Hoje em Dia” que iria soltar as garotas com vida. A realidade é que naquela altura o cárcere privado já se encaminhava para 100 horas, assim, tornando-se o sequestro mais duradouro, com isso, era notório que Lindemberg estava sob o controle da situação e que a mídia juntamente com a polícia eram coadjuvantes naquele filme, Lindemberg foi protagonista do começo ao fim, e infelizmente Eloá que deveria ser o centro não passou apenas de uma figurante.

De acordo com o psicanalista Jorge Forbes, o contato estabelecido entre imprensa e Lindemberg fez que com tudo aqui se tornasse uma espécie de praça pública, partindo do pressuposto que a exposição ali apresentada transformava o diálogo que deveria ser restrito em algo muito generalizado, com toda essa publicidade em volta, a polícia sentiu a obrigação de tomar proveito da situação, afinal – “como assim o sequestro durava cerca de 100 horas e a polícia ainda não havia feito nada?”

Coincidência ou não, a polícia decide agir no momento em que todos os programas de TV estavam com seu audiência elevada, portanto, aquele seria a oportunidade de "mostrar serviço" para toda a comunidade brasileira e seus governos sua eficácia no caso, expondo que toda a estratégia desenvolvida resultaria em um final feliz, entretanto, não foi isso o que aconteceu.

A polícia relata ter invadido o apartamento após ouvir um disparo, Lindemberg e Nayara em seus depoimentos dizem o contrario, apontam que o disparo da arma conduzida por Lindemberg foi efetuado somente após a invasão da polícia.

O executivo de televisão tem que ser muito mais jornalista do que executivo de televisão”. – disse o crítico de Tv e jornalista, José Armando Vannucci em uma entrevista para o Observatório da Imprensa.

A liberdade de informar tem condicionamento de ordem moral e social que não devem ser violados para que não justifiquem as limitações ao acesso de informações.
 

Um erro para não ser cometido nunca mais 

Eloá, foi vítima! Vítima de feminicídio, foi agredida de inúmeras formas juntamente com Nayara, violência psicológia e moral, violência social, violência sexual onde muitas vezes ouvimos em depoimentos que Lindemberg Beijava Eloá e a mesma retribua contra sua vontade, somente para que o pior não acontecesse.

Após a confirmação do óbito e levando em consideração a escolha da doação de órgãos, Eloá foi retratada como heroína após cinco pessoas terem sido beneficiadas com seus sete órgãos. Sim, foi um ato nobre da família tomar tal decisão em um momento tão difícil, porém, é necessário lembrar que o desfecho ideal seria Eloá com vida, se defendendo e optando ou não por uma reconciliação junto à Lindemberg.

Diferentemente da forma como foi noticiado, o carcere privado não foi movido por amor, longe disso, foi movida pelo sentimento de poder, onde o homem acredita que sem ele à mulher é rebaixada a zero. Esse era o sentimento de Lindemberg, tirar a autonomia de Eloá, tanto era seu objetivo principal como acabou concluindo com êxito sua missão.

A mídia e a polícia foram sim co-responsáveis pela trajetória que o crime resolver trilhar. A imprensa por sua vez erroneamente transmitindo o crime exclusivamente para o próprio réu, a polícia sendo inteiramente manipulada pelas ações e pedidos. O fim foi trágico! Lingemberg foi condenado a 90 de prisão, essa sentença foi reduzida, chegando a 39 anos de reclusão. Nayara foi entrevistada por inúmeras emissoras, sendo levada a contar detalhes do que viveu e sofreu dentro daquele apartamento e posteriormente moveu uma ação na justiça solicitando a condenação do Estado de São Paulo em relação aos danos morais causados, assim sendo indenizada no valor de R$ 150 mil em 2018, 10 anos após a tragédia.

 


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