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18/11/2021 às 16h55min - Atualizada em 18/11/2021 às 16h29min

True Crime: o gênero que desperta cada vez mais o interesse do público

A necessidade de entender o anormal e desvendar mistérios, unida a curiosidade das pessoas em relação ao comportamento humano leva cada vez mais pessoas a se apegarem aos documentário, livros e podcasts criminais, gênero esse que vem dominando a cultura pop

Emily Prata - Editado por Larissa Bispo
Reprodução: BBC

No ano de 1966, o escritor e jornalista Truman Capote publicou um dos mais populares livro reportagem da história - A Sangue Frio, que relata o assassinato brutal de uma família na cidade de Holcomb, no interior do Kansas (EUA), e traça uma tragetória desde a ideia inicial do crime até a execução dos assassinos. A Sangue Frio é o exemplo perfeito de um dos gêneros mais populares da atualidade, o True Crime, que se traduz como “crime real” ou “crime verdadeiro”. O gênero se caracteriza principalmente por trazer casos verdadeiros, expor os detalhes dos crimes e o passo a passo das investigações. 

 

Além disso, diferente das obras baseadas em fatos reais, o true crime possui conteúdo majoritariamente jornalístico, como entrevistas, áudios de processos, gravações feitas no tribunal e cobertura da imprensa. Apresentam ainda uma tendência de produto que é dar voz aos criminosos e acusados, para que eles possam falar seu lado da história e traçar o passo a passo dos crimes com maior precisão. Essa categoria vem ganhando cada vez mais espaço no mundo do entretenimento, assim como o interesse no público pelos detalhes dos crimes, contexto e repercussão na época dos crimes fazem o gênero ganhar maior espaço dentro da cultura pop. 

 

CULTURA POP

As obras inspiradas no serial killer Ted Bundy são um bom exemplo da diferença entre o true crime e as obras baseadas em fatos reais. Conversando com um serial killer: Ted Bundy (2019) é uma série documental, disponível na Netflix, que durante quatro capítulos traz a trajetória dos crimes de Bundy, além de conversas com o assassino com o intuito de se aprofundar na mente do serial killer. 

 

Já o filme Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal (2019), também disponível na Netflix, é um filme ficcional, mas baseado em fatos reais. A obra recebeu duras críticas por romantizar e glamourizar o assassino, além de distorcer alguns fatos para que soassem melhor ao longo da narrativa. Vale lembrar ainda que o filme estrelado por Zac Efron transmite a história pela visão de Elizabeth Kloepfer, namorada de Bundy, e como ela acaba lidando com a descoberta dos crimes cometidos por ele.

 

Os produtos do gênero se apresentam nas mais variadas formas como livros, filmes documentários, séries e minisséries documentais, como: Jeffrey Epstein: Poder e Perversão (2019), Amanda Knox (2016), O Desaparecimento de Madeleine McCann (2019), Gênio Diabólico (2018), além dos podcasts que vem se tornando cada vez mais populares, como o Quinta Misteriosa e o Modus Operandi. 

 

A Sangue Frio abriu portas para diversos outros livros do gênero, como Helter Skelter (1974), que narra os crimes da seita criada por Charles Manson, os assassinatos cometidos por eles, além de toda a investigação e processo legal. A editora DarkSide é uma das que mais investem nos gêneros, com capas e artes bem produzidas, além de trazer imagens e documentos que fazem parte do processo investigativo. Alguns dos pais populares são: Columbine (Darkside, 2019), Killer Clown Profile: Retrato de um Assassino (Darkside, 2019), BTK Profile: Máscara da Maldade (Darkside, 2019) e Ted Bundy – Um Estranho ao Meu Lado (Darkside, 2019). 

 

COMPORTAMENTO

O gênero se tornou tão amplamente abraçado no mundo do entretenimento, que afeta até mesmo a vida real, tanto no comportamento dos espectadores, quanto o rumo das investigações. Um grande exemplo disso é o caso da minissérie The Jinx (2015), da HBO, na qual Robert Durst, então suspeito de três assassinatos, falava sobre o caso, quando, assumiu a autoria das mortes, sem saber que estava sendo ouvido. Os efeitos e causas da popularidade desse gênero acabam convergindo quando olhados um pouco mais de perto.

Segundo estudo realizado pela Universidade de Nebraska, o consumo do true crime está relacionado com o medo dos espectadores de se tornarem vítimas dos crimes expostos, assim como uma crescente desconfiança do sistema penal e um apoio cada vez maior às penas de morte. É essencial ressaltar também que, apesar de apresentarem fatos verdadeiros, essas obras possuem também o poder de influenciar a opinião pública, através de como essas histórias são contadas, de como as entrevistas e narrativas dentro do produto são distribuídas e montadas, seja este literário ou audiovisual.

 

Para o professor e doutor Avelino Rodrigues, do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da USP, o interesse existe por se tratar da natureza humana e, ao ser consumido por meio de filmes, livros e séries, passa por um processo de sublimação, quando o conteúdo, não os crimes propriamente ditos, passa a ser aceito e valorizado pela sociedade.

 

“Estes conteúdos destrutivos tendem a ser reprimidos, até para permitir o convívio social. Mas isto não faz que desapareçam. É aí que surge o mecanismo da sublimação. […] O ser humano contém muitas possibilidades construtivas, mas, também, destrutivas. Os conteúdos destrutivos emergem mas transformados em obras de arte — por exemplo, na forma dos filmes. […] Se este mecanismo fosse consciente seria rejeitado, mas não é assim que ocorre”, afirma Rodrigues. 

 

Já para a criminóloga e autora dos livros Arquivo Serial Killers – Made in Brazil (reeditado pela editora DarkSide Books em 2014) e Casos de Família (DarkSide Books, 2016), Ilana Casoy, o que faz aumentar a procura pelo gênero é a curiosidade e o interesse pela mente humana. 

 

Percebi que o público que gosta desse tipo de assunto ficou mais exigente e anseia por análises de comportamento das pessoas envolvidas com aquele crime – quem comete, investiga e reflete sobre eles, sem o velho maniqueísmo de polícia boa, bandido mau”, conta Casoy.

 

MIDIATIZAÇÃO

 

Além de todos os fatores citados anteriormente, tem-se também a grande midiatização dos casos criminais, quando crimes considerados chocantes pela sociedade, que possuem características criminais e sociais muito específicas. Ao chocar as autoridades e a mídia esses casos recebem uma grande cobertura midiática que deixa o espectador cada vez mais ligado e interessado pelos mínimos detalhes do crime, seja ele feminicídio, crimes em série, desaparecimentos e até mesmo assassinatos infantis. 

 

É esse crescente interesse que ajuda a popularizar não só o gênero true crime, mas também os produtos ficcionais que reproduzem ou se inspiram nesses crimes ganham um público cada vez maior. Como, por exemplo, os seriados CSI, Criminal Minds e Law & Order. O especialista em Psicologia Jurídica e pós graduando em Psicologia Investigativa e Criminal, Matheus de Oliveira Silva, destaca um fenômeno que ele chama de “efeito CSI”, que traz um efeito positivo que é o interesse das pessoas nessa realidade. Além de causar uma valorização de profissões ligadas ao meio criminal, como peritos e investigadores, mas também traz um lado negativo, que é a tentativa de trazer a ficção para o mundo real.

“Acaba até prejudicando porque as pessoas chegam exigindo que o caso seja resolvido em 45 minutos porque o caso dela é parecido com o que ela viu na série e lá foi resolvido nesse tempo, esse é o ônus que o efeito CSI acaba causando”, explica o psicólogo. 

Os mistérios e crimes despertam o interesse do público desde o início dos tempos, mas é importante saber separar os casos reais da ficção; o true crime e os filmes baseados na realidade trazem premissas diferentes que devem estar claras para o público. Além disso, não deve-se esperar que os casos próximos a nós sejam resolvidos da mesma maneira e no mesmo espaço de tempo mostrado nas séries ficcionais ou nos documentários, afinal, cada caso ou crime possui suas individualidades que são essenciais para que suas soluções sejam encontradas. Para os que não conhecem o gênero, procure dar uma chance. Não se tratam apenas de crimes brutais, mas de histórias de famílias, vítimas e comunidades afetas por um acontecimento; suas reflexões e pontos de vistas podem ser engrandecedores.

 

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