19/11/2021 às 11h20min - Atualizada em 19/11/2021 às 11h08min
Crônica: A vida é agora
Heloisa Helena de Paula Nogueira - Editado por Andrieli Torres
Fonte/Reprodução: Internet O que leva uma pessoa a baixar o Tinder? Não cabe apenas uma resposta para esta pergunta, quer dizer, depende das intenções de quem irá usar o aplicativo: seja para encontrar um amor ou só para curtição. Contudo, uma coisa é certa, o app é uma representação perfeita da contemporaneidade, é visual, fugaz; aproxima e distancia, ao mesmo tempo; e traz para as pessoas a ideia de que a vida é agora.
Estava Luana em seu quarto, muito ansiosa e aflita, não parava de pensar no que a amiga havia dito para ela na noite anterior: “Luana, a vida é agora, aproveita!”. O conselho da amiga ficava ecoando na mente da Luana e a transportava para o passado e o futuro ao mesmo tempo. Ela pensava, incansavelmente, em tudo o que, supostamente, fez de errado durante a vida e acreditava que iria levar as marcas desses “erros” para o futuro.
Luana é uma jovem de 25 anos que nunca viveu um relacionamento amoroso e, como se não bastasse o incômodo que ela sente por causa disso, ainda tem que lidar com a pressão social, é cobrança para todo lado: das amigas, da família, dos vizinhos... “Claro, eu era a esquisita do colégio”, “sou muito magrela”, “quem vai se interessar por alguém sem graça como eu?”, “desse jeito, eu vou ficar sozinha para sempre!”. Luana já não conseguia pensar baixo, mas gritava consigo mesma e colocava para fora todo o ódio que sentia dela própria.
Na adolescência, Luana era uma menina tímida que vivia com as músicas de Charlie Brown Jr. no fone de ouvido. A que ela mais gostava era “Me encontra”, que diz o seguinte: “hoje eu vou sair para encontrar o amor, espero há tanto tempo e ainda não rolou. O vento diz que hoje, no meio da multidão, que eu vou encontrar a dona do meu coração”.
Sair para encontrar um amor parece coisa de outra era, mas não, poucos anos separam a Luana de hoje daquela garota que ouvia Charlie Brown. Talvez, ela não tenha conseguido conciliar as mudanças internas durante a adolescência com a transformação do mundo que, de repente, virou outro.
“Eu tenho que dar um jeito nisso!”, “vou seguir o conselho que a Camila me deu ontem”. “Não posso colocar essa cara desnutrida na foto de perfil, já sei...”
“Avançar”, “aparência não agradou, vai pra esquerda, feia basta eu”, “esse parece exibido demais para o meu gosto”, “esse parece golpe”. Depois de passar algum tempo olhando a vitrine do tinder e jogando perfis para a esquerda: “Olha isso, Felipe, 25 anos, publicitário e músico, esse vai pra direita!”
“Do que seria esse feat, será que dá match ou não?”
“Tô me sentindo uma completa idiota de estar fazendo isso, parece que estou colocando pessoas na palma da mão e brincando com elas”. “Que bobagem, Luana, só assim pra conseguir alguma coisa”, “quer saber? A vida é agora!”, todos esses pensamentos intercalavam na cabeça dela.
Depois de tudo, Luana lembrou que precisava estudar, teve que assistir aula com vídeo acelerado no youtube, estava cansada e ainda precisava lavar a louça, marcar uma reunião e fazer a lista do mercado, tudo ao mesmo tempo, a vida não para, a vida é agora!
Depois de sair do looping de tarefas, ela olhou o tinder: caraca, deu match e ele já quer marcar o encontro para amanhã!
Chegado o dia do encontro: “Luana, quanto tempo!”
“Luiz Felipe, você por aqui!”
“Marquei com uma garota que, coincidentemente, se chama Luana.”
“E eu, com um garoto que se chama Felipe.”
Ambos: então é você! Mas você tá muito diferente da foto.
“Pois é, eu modifiquei algumas coisinhas no photoshop. Você sabe, né, no tinder, aparência é tudo”.
“Eu peguei fotos de uma garota aleatória que achei bonita e usei no meu perfil”.
“Mas aí, vamos colocar o papo em dia, a gente não se vê desde quando estudávamos juntos no colégio”.
O final desta história a Luana e o Felipe irão construir e eu não posso ficar aqui para vê-lo, tenho pressa em abraçar o mundo e postar em todas as redes sociais, afinal, a vida é agora!