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02/12/2021 às 16h40min - Atualizada em 02/12/2021 às 16h32min

Maria do Carmo Ferreira: uma poetisa escondida

Aos 82 anos, ela ainda não possui livros publicados

Ianna Oliveira Ardisson - Editado por Andrieli Torres
Fonte: Jornal de poesia
“APRENDER A MORRER”
Maria do Carmo Ferreira

Olhar compadecido para as coisas
que nunca foram vistas, por se olhar
distraidamente, tentando-se adiar
o dom da vida que se faz presente.
 
Olhar com os olhos, mas internamente.
Olhar com o coração, mais que os sentidos
que tudo captam e a tudo dão ouvidos
salvo ao mistério que circunda a gente.
 
Olhar como uma criança desarmada
que no colo dos pais mais se abandona
ao fruir do instante que a contém e capta
toda a alegria de viver avante.
 
Olhar intensamente para dentro,
mas com a sabedoria de quem sabe
que não se nasce pra morrer, mas sempre
se morre a cada instante em que se nasce
 
para ressuscitar gloriosamente
em outras dimensões que não nos cabe
viver antes que a morte nos frequente
a cada passo, desde a eternidade.

 
 
 
O eu lírico nos convida a olhar de forma nova ao que nos rodeia e perceber as coisas de forma diferente da usual. Faz um alerta para aproveitar esse olhar antes da chegada da morte. Uma poesia que nos leva a refletir e perceber de forma diferente como temos vivido e nos desperta a perceber melhor o mundo que nos cerca. Uma poesia sensível e bela, mas que, provavelmente, muitos de nós não conhecia. Não conhecíamos porque a autora é alguém que resiste aos apelos por publicações.

Em uma sociedade em que estamos acostumados aos holofotes e à constante exibição é de se estranhar uma poetisa que aos 82 anos não possui livros publicados e optou por uma forma discreta de viver. Maria do Carmo Ferreira nasceu em 1938 na cidade de Cataguases em Minas Gerais. Ela dedicou mais de 50 anos de sua vida à poesia, entretanto são poucas as pessoas que a conhecem.  Em entrevista a revista “Piauí” a poetisa explica que sua reclusão surgiu de forma natural e que esta é a maneira pela qual gosta de viver, sem se exibir, distante da exposição pública e sem vaidades.

Em idade escolar, Maria do Carmo transferiu-se com parte da família para a capital mineira, formou-se e trabalhou por um tempo nessa localidade. Entre 1969 e 1972 viajou para Europa e Estados Unidos para aprimorar mais seus conhecimentos acadêmicos. Quando retornou ao Brasil viveu por quatro anos em São Paulo. Já na década de 1980 mudou-se para Niterói, Rio de Janeiro, e foi nessa fase da vida que se aproximou mais do catolicismo e afastou-se do meio literário. Ainda em entrevista à “Piauí” declarou também cultuar apenas a religião atualmente e que a poesia não lhe trouxe “a resposta”. Ela trabalhou na “Rádio Ministério da Educação e Cultura” durante 30 anos como criadora, pesquisadora, tradutora, redatora e coordenadora de programas literários e lítero-musicais, Técnica em Assuntos Culturais.

Serão lançados em 2022, três volumes com as poesias de Maria do Carmo por iniciativa e muita insistência de Silvana Guimarães e Fabrício Marques, uma dupla de admiradores da poetisa. Os livros cobrem o período de 1966 a 2009 e serão os seguintes: Coram populo, Cave Carmen e Quantum Satis.  Como poderíamos imaginar não haverá noite de autógrafos no lançamento dos livros.

Silvana Guimarães, uma das organizadoras das publicações, definiu a poesia de Carminha:
“É uma poesia plena de assombros e reflexões, que oferece itinerários incoerentes ao leitor. Para o céu ou para o inferno. O conjunto de seus livros vai compor a surpresa poética de 2022.” ( “A Reclusa”, p.77, Piauí 182, novembro de 2021.)
 
 

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