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09/12/2021 às 13h37min - Atualizada em 09/12/2021 às 13h22min

Noticiário da indiferença

Imersos em nossos próprios universos, estamos esquecendo cada vez mais de olhar o outro com os olhos da empatia

Letícia Aguiar - Editado por Andrieli Torres
Reprodução/Direcional Escolas
Todos os meus dias são marcados por uma rotina muito específica, eu acordo, tomo meu café, exercito-me, corro para o trabalho e, ao despontar das primeiras estrelas, volto para casa. Não tenho filhos, nem sou casada, vivo sozinha por gostar da minha própria companhia e do silêncio que me cerca.

Porém, todas as noites, religiosamente às 20h30, eu me junto a um companheiro fiel detentor de todas as informações do mundo ao meu redor: o noticiário. Ele me fala sobre os mais variados assuntos, às vezes me deixa feliz, às vezes me dá um aperto no peito. Ultimamente, tenho sentido o aperto aumentar.

Não sei bem quando comecei a reparar no estado de indiferença das pessoas pelo mundo afora. Contudo, no meu ato rotineiro frente à televisão, tenho visto muitas indiferenças que me deixaram com um embrulho no estômago. Tudo começou com George Floyd, o “I Can´t Breathe” estrondoso que nunca mais vai me sair da cabeça. Ver aquele policial matar um homem à sangue frio será uma cena que eu nunca esquecerei.

Depois, infelizmente, os casos continuaram a se repetir. Assim, 20h30 acabou virando o espelho de uma sociedade indiferente. Em Porto Alegre, outro homem foi morto. Esse, espancado até a morte por seguranças de um supermercado. Ao seu lado, apenas a mulher e mais ninguém para ajudar. Com essa notícia, pude ver claramente que nenhuma pessoa se mobilizou a encerrar o momento agonizante.

Isso mesmo, NINGUÉM. E a filmagem de onde veio? De um alguém interessado em alimentar o noticiário com imagens comprobatórias, sem ter parado um segundo a gravação para tomar uma atitude sequer. Com o passar dos meses essa rotina continua, mais recentemente, fora do meu hábito das oito de todos os dias, no noticiário do domingo, um outro episódio me deixa com o coração angustiado.

Um jovem de 18 anos foi algemado e arrastado por um policial em sua moto, na grande e movimentada São Paulo. Aqui, a revolta preencheu o meu ser, à luz do dia pessoas filmam a cena e, novamente, nenhuma delas age. Na filmagem, uma voz ao fundo diz “agora nunca mais ele rouba” e “ele está andando que nem um escravo”. Pensar em ajudar? Longe de cogitação.

Depois desse dia, eu decidi desatar o meu relacionamento com o noticiário. Afinal, tudo que ele me diz envolve uma gritante indiferença da sociedade. Mais além, também demonstra raízes muito profundas de um racismo que insiste em perpetuar, pois, TODAS as vítimas citadas eram negras.

Na internet, tento buscar mais dados, acabei deixando de te falar, mas sou Jornalista. E como tal, fui tentar achar mais informações a respeito desse tipo de ocorrência ao longo dos anos. No Atlas da Violência de 2020 os números me dizem que nos últimos 10 anos os assassinatos de pessoas negras aumentaram em 11,5%. Só em 2018, essas pessoas representaram 75,7% das vítimas de todos os homicídios.

Logo após me deparar com esse cenário alarmante, deito-me no sofá à procura de qualquer coisa que me conforte o coração, porque viver nessa realidade tem me deixado cada vez mais amargurada. Todavia, preparo um café e tento recobrar as minhas energias, afinal, a minha humanidade clama por mudança. Embora saiba que mudar o mundo é uma tarefa árdua e não consigo dar conta dela, eu continuarei com a minha trajetória da empatia, da justiça e do “ser humana”, pelo menos, ao meu redor, conseguirei tocar algumas pessoas. Quem sabe eu os consiga chamar a atenção e dizer um: BASTA de preconceito e de indiferença, olhe nos meus olhos, olhe nos olhos das pessoas ao seu redor, nós ainda precisamos uns dos outros!

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