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17/12/2021 às 21h07min - Atualizada em 17/12/2021 às 21h06min

​Crianças do grupo de risco seguem em ensino a distância, enquanto aguardam a liberação da vacina

Em uma infância diferente do ideal, ouvimos como a pandemia e a espera pela liberação de uma vacina afeta suas vidas

Iamara Caroline Lopes - labdicasjornalismo.com
FreePik.com


Em salas de aula cheias, o ensino presencial voltou a funcionar em meio à pandemia. Mas, apesar das carteiras ocupadas, alguns estudantes, donos desses espaços, seguem em casa. Os alunos do Ensino Fundamental I - do 1° ao 5° ano da educação básica - seguem sem data para a vacinação. Dentro deste grupo em ensino remoto estão crianças com comorbidades, condições raras, inseridas no grupo de risco ou com familiares e cuidadores nessas condições. Para essas infâncias, as aulas são através das telinhas e em muitos casos a saudade dos colegas e professores, aperta. 

Por outro lado, professores preocupados com possíveis atrasos na aprendizagem enquanto os responsáveis seguem fazendo o possível, pensando em recuperar qualquer prejuízo lá na frente. Hoje a preocupação é outra: “Quando irão chegar as vacinas para os menores de doze anos?” Atrás dessa pergunta, a esperança de dias melhores e o resguardo de um bem valioso: A Vida. 

Dentro da Sala de Aula 

A professora da Rede Municipal de Osasco, Viviane Bizacha, de 35 anos, observa em seu dia a dia as dificuldades do pós-ensino remoto. “As principais dificuldades são os atrasos em relação a cada fase educacional que ficou restringida. Por exemplo, as crianças do 1° ano que não passaram pela pré-escola chegaram com dificuldades básicas em relação ao manuseio dos materiais e com pouca autonomia.”
Sobre os estudantes ainda em ensino remoto, ela orienta os pais para que adquiram uma rotina diária, com horário de estudo, para que o atraso seja o menor possível. A Professora Viviane também frisa a autonomia como componente essencial para o desenvolvimento infantil.

“Dêem autonomia aos seus filhos, oriente, mas deixe que eles realizem as atividades e ações.” 




Quanto às consequências dessa modalidade emergencial de ensino, ela observa pouca evolução dos menores no ensino remoto em comparação ao presencial. “Os alunos remotos tiveram pouca evolução de aprendizagem e pouca evolução cognitiva, não conseguindo realizar as atividades mais básicas.” Questionada sobre a possível recuperação destas perdas, cita a importância da participação dos responsáveis e sorrindo diz que seus alunos “estão engrenando agora”. 

O ensino Estadual também espera. 

Já em São Paulo, a professora da rede estadual, Natália Simão, 34 anos, concorda com a importância da socialização. “As crianças para se desenvolverem necessitam estar em contato com outras crianças, pois através das brincadeiras, das vivências na escola constroem muitos aprendizados. Também acredito que estar em casa traz uma liberdade enorme com relação a estar muito tempo no celular e no videogame.”

Quanto ao grupo de alunos que permanece em ensino remoto, os pais ou responsáveis assumem também o papel de tutores escolares, além de cuidadores. Ante essa realidade, Natália acredita ser desafiadora a posição de, além de serem pais e mães e terem de educar moralmente, ainda ter a obrigação e responsabilidade quanto à aprendizagem escolar.
 
“O conselho é ter paciência, tolerância, estar sempre ao lado fornecendo apoio para ajudar com as lições, mas sempre respeitando os limites de ambas as partes. É um momento complicado para todos.” 

Sobre o ensino presencial, ela observa uma maior atenção das crianças. “desenvolvem mais atividades, pois não tem distrações como em casa. Tudo flui melhor. Todos os dias, independente das atividades da escola, é importante fazer leituras, pois os livros nos ensinam muito, eles nos transportam para muitos mundos e culturas.”

Conciliando as aulas presenciais com os alunos do ensino remoto, Natália é professora do Gabriel de 10 anos. Biel, como gosta de ser chamado, é aluno do 4º ano do Ensino Fundamental e está em casa. Parte do grupo de risco, ele acompanha os amigos pelas fotos postadas em um grupo do Whatsapp, além de aprender a matéria por arquivos, vídeos e o Centro de Mídias São Paulo - CMSP, através do canal de televisão aberta ou Youtube. 

Fã assumido de jogos online, de vez em quando interage com os amigos da escola através do Roblox, febre entre essa faixa etária. Também realiza chamadas de voz e vídeo. Chegou a sair em caso de necessidade algumas vezes, enquanto a mãe está em home office, mas, não é a mesma coisa. “Não vejo os amigos e é diferente as aulas… [sinto saudades] de sair, de passear, brincar e como sou grupo de risco e não estou vacinado, eu não posso sair. Só de máscara e ainda assim tenho medo, pois sou grupo de risco.” Mesmo não questionado sobre o medo, ele abre o coração e fala: “Não quero morrer jovem. Tem muita vida para viver. Quero ter filhos um dia.” - sonha. 

Sobre a relação com sua mãe, “Ela me ajuda, minha mãe é mãe e pai. Só acho que ela deveria brigar menos comigo, apesar de que eu não tenho a mesma disciplina em casa do que tenho na escola presencial.”. Ele sente falta do ensino presencial, sorri e fala de voltar no tempo, para ficar com os amigos. Sobre a vacina, acha que está demorando muito e teme o fim da pandemia após o fim de sua infância.
 
“Pode acabar quando eu for um adolescente. E eu não quero isso. Eu gostaria de me vacinar. Eu gostaria que todos fossem vacinados e lembrassem das crianças. Sair sem máscara, brincar. Mas nenhuma criança abaixo de 12 anos… Não estão vacinadas.”


Maternidade solo e rara

A advogada Larissa Nobre, 43 anos, mora em Vitória, capital do Espírito Santo. Mãe de um menino de nove anos e uma adolescente de dezesseis, ela enfrenta a maternidade solo com os desafios da pandemia somados a questões de saúde. Entre as dificuldades, o impacto direto da suspensão das aulas, onde, segundo ela, as mães precisaram “assumir o papel de professor além de todas as atribuições que já desempenhavam”. Sobre a conciliação da rotina com os estudos do filho, a retomada ficará para depois.
 
“Infelizmente não consegui lidar por questões de saúde e meu filho teve que abandonar os estudos.”
 
Seu filho Pedro, está gostando de não ter aula. Ele sofre com hipersensibilidade a sons, estímulos e está investigando possíveis diagnósticos. “As crianças que têm alguma condição de saúde, como o caso do meu filho, que encontra-se em investigação para SED e autismo, regrediram muito e aumentaram as crises de ansiedade e isolamento social. É necessária uma readaptação especial para essas crianças. Além de acompanhamento psicológico e terapia ocupacional. No meu caso em específico fica difícil acompanhar, tanto pelo desinteresse e ansiedade aumentados.” As Síndromes de Ehlers Danlos (SED), são um conjunto de 13 doenças, de caráter genético,  com diferentes afecções do tecido conjuntivo. 


A saúde dessa infância

“A pandemia deixou muitas sequelas” - Assim começou a entrevista por telefone com a psicóloga Sirlene Ferreira - CRP 06647/73. Vivenciando a pandemia na cidade de São Paulo com seu esposo e o filho Pedro, de oito anos, e também no atendimento no consultório, a profissional explicou os impactos da pandemia na infância e adolescência. 
“As crianças pequenas, que não foram ainda vacinadas, sofrem de muitas formas”. Entre os sofrimentos citados, estão a ausência de interação com os colegas e suas consequências.

“A escola é um canal que permite muitos aprendizados para além da sala de aula.”




Seja através da interação com os colegas, o empréstimo de um material escolar, o recreio, o brincar, o refutar e o processo de aprendizagem, enriquecem e tornam possível o desenvolvimento dessas crianças. “O aprendizado da matemática pode ser mais efetivo no recreio, dividindo o lanche com o amiguinho, do que somente na sala de aula, recebendo conteúdo.” Existem aprendizados que somente uma criança consegue passar para a outra. “Conviver entre seus pares.” A expressão inglesa “ Peer Education” é usada para definir o trabalho em pares, ou seja, entre aqueles que são próximos, pertencentes a mesma faixa etária ou segmento. Falta a prática oferecida por uma vida dentro da normalidade. 

Durante todos os cuidados de prevenção contra o vírus, ainda mantidos, ante o medo de novas variantes, Sirlene pôde observar de perto o desenvolvimento de seu filho. Dividindo os atendimentos  com seu Site, página no Instagram e a maternidade, ela fala sob a ótica de profissional e mãe. 
Fazendo uso de uma rede de apoio e contratando uma professora particular para auxiliar no processo de aprendizagem, ainda assim observa habilidades que deverão ser recuperadas mais adiante. “Nessa fase ele deveria aprender novas brincadeiras e esportes.”, mas, convivendo somente com adultos, esse aprendizado terá de esperar. 

Em sua atuação dentro de uma escola municipal, a psicóloga  observou a alegria das crianças neste reencontro e também o medo. Na roda de conversa, dando boas vindas, os alunos falam sobre uma mistura de sentimentos. Estão felizes, ficam surpresos pelo crescimento de seus amigos e também demonstram medo do vírus, imprevisível e perigoso. Falam sobre o medo da morte. 

O brincar, antes natural, espontâneo, precisa lidar com muitas regras. Entre as demandas no consultório, crianças com medo de brincar, com medo de usar o banheiro, chegando a urinar nas calças. Solicitam atestados para não precisarem sair para o intervalo. Muito perceptivas, reparam no medo dos pais e os áudios entrecortados dos telejornais. E mesmo sem o noticiário, tudo mudou e elas sentem. 

Na volta dos pais para o trabalho presencial, as crianças precisam ficar com alguém. Entre a necessidade de trazer o sustento para o lar, ante uma crise, também econômica, muitos retornam para a escola, pela falta de rede de apoio dos pais. O trabalho remoto vai aos poucos voltando a ser presencial. Nessas mudanças de dinâmicas sociais e familiares, os pequenos podem se sentir culpados sem terem culpa alguma. Nos consultórios, também entre os adolescentes, aumentam a ansiedade e a depressão. Apesar desse cenário, ela reforça a importância das famílias continuarem a ter paciência.
 
“Devagar as coisas estão indo para o lugar, a ciência está evoluindo. É importante seguir com todos os cuidados. A higienização das roupas vindas da rua, o uso de máscara, álcool em gel, lavar as mãos… Pensar nas crianças.”
 
Ela finaliza concluindo que a puberdade é a mudança hormonal, enquanto a adolescência é o pertencer e ser parte do grupo. Há, com a pandemia, o risco de “amadurecer fisicamente, mas não psicologicamente”. 

O cuidado com a saúde não precisa de culpa

Em São Paulo, a psicóloga e CEO da PsicoPassRosângela Casseano, 53 anos, concorda sobre as perdas e consequências desse período pandêmico. “Sem dúvida a questão do afastamento da escola especialmente as crianças do ensino fundamental trará um déficit na formação acadêmica movida pela falta de entrosamento, atividades coletivas e a presença do professor para lidar individualmente com cada criança”. Rosângela cita também a vergonha de se expor nas aulas remotas, dificultando a retirada de dúvidas com os professores. “Além da perda do convívio social, a escola é também esse local onde aprendemos lições de cidadania.”
 


Quanto à relação com os pais, estes estão exaustos ou muitos abriram mão, simplesmente desistindo de tentar ajudar. Apesar desse cenário, ela reforça o quanto é importante desapegar de qualquer tipo de culpa, pois ninguém estava preparado para as mudanças radicais no processo escolar e educativo.
 
"Fizemos o melhor que podemos e formamos jovens que estarão muito mais conectados.”. Ela acredita que o “EAD veio para ficar”. 

Quanto às crianças e jovens, que ainda não retomaram as atividades escolares, ela observa que muitos estão desmotivados e ansiosos. O distanciamento social colaborou com a apatia por parte das crianças, mas ela tem fé quanto à reversão desse quadro: “(...) Crianças se adaptam muito mais rápido que os adultos, como pais temos que mostrar que somos sobreviventes e que está tudo bem”

Mesmo com o otimismo, ante o enfrentamento da pandemia, a psicóloga Rosângela Casseano frisa a necessidade de atenção dos pais aos seus filhos e também a busca de ajuda em caso de necessidade.
“[Estejam] sempre atentos a comportamentos estranhos, como observar se estão praticando algum tipo de automutilação, tiques nervosos, compulsões alimentares, ansiedade excessiva, irritabilidade… Nesses casos vale muito buscar ajuda psicológica.  Há serviços gratuitos como os CAPS e também serviço de atendimento social com valores mais acessíveis como a PsicoPass”. 
 
Através do Instagram é possível conhecer mais sobre seu trabalho de democratização do atendimento psicológico, além de diversos conteúdos para manutenção da saúde mental. 


Vacinação para os menores de 12 anos. Quando?

Em casa, a emoção dos adultos vacinados. As crianças menores, como as citadas nesta reportagem, se perguntam: “E a minha vez? Quando vem?”. 

Recentemente o Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) iniciou a pesquisa VacinaKids. Através dela o instituto pretende avaliar os motivos da hesitação de responsáveis por crianças e adolescentes em imunizá-los contra a covid-19. Em outro estudo, realizado em janeiro de 2021, o trabalho Trend contou com mais de 173 mil participações voluntárias e revelou o percentual de 89,5% de pessoas com intenção de se imunizar. 

A vacinação de crianças e adolescentes menores de 12 anos contra a covid-19 no Brasil ainda está sendo avaliada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em novembro os fabricantes da Pfizer/BioNTech pediram autorização à agência para o uso da vacina em crianças de 5 a 11 anos. Também em novembro, o Instituto Butantan divulgou estudo da fabricante Sinovac, com resultados preliminares indicando a possível segurança da Coronavac para crianças maiores de 3 anos e adolescentes.  No Brasil o uso das vacinas já foi liberado para o grupo acima de 12 anos. 

Diversos países do mundo já autorizaram o uso de vacinas em adolescentes com mais de 12 anos, entre eles o Brasil. Quanto à vacinação de crianças menores de 12 anos, até o momento, somente 9 países realizaram a imunização deste grupo. Segundo o levantamento da agência de notícias Reuters: Bahrein, Chile, China, Cuba, El Salvador, Emirados Árabes Unidos, EUA, Equador e Indonésia. 

O Brasil até o momento não tem uma data para liberação do imunizante para menores de 12 anos, sendo este fator, determinante na decisão da retomada para o ensino presencial por parte dos pais de estudantes do grupo de risco. A saúde impacta diretamente a educação. 
Com o surgimento da variante Ômicron e possibilidade de surgimento de novas mutações ao longo da pandemia, os sofrimentos apresentados nesta reportagem, ainda não possuem data para acabar. A rotina de cuidados, pensando na proteção dos não vacinados e esperança por dias melhores, permanecem. 

Autorização da Anvisa saiu
 
Após o fechamento dessa reportagem, nesta quinta-feira (16), a Anvisa autorizou o uso da vacina da Pfizer em crianças de 5 a 11 anos contra a Covid-19 no Brasil. A dosagem da vacina para crianças é menor (um terço) que a utilizada por maiores de 12 anos. Com proposta de frascos de cores diferentes, sendo roxo para adultos e laranja para as crianças, as vacinas se diferenciam também pela dosagem específica para cada grupo.

O Ministério da Saúde ainda não divulgou a data de início da imunização das crianças. A previsão de uma possível data depende da chegada das doses de uso pediátrico no Brasil. Neste momento a Anvisa avalia o segundo pedido do Instituto Butantan para uso da Coronavac em crianças e adoelscentes de 3 a 17 anos. O pedido foi recebido nesta quarta-feira (15) e tem prazo de avaliação de 30 dias. 

Além das preocupações com a Covid-19, um surto de gripe, próximo ao verão, atinge ao menos cinco estados brasileiros. Casos de Influenza têm alta em Rondônia, Bahia, Espírito Santo, São Paulo e Rio. Com transmissão e prevenção muito semelhante ao Coronavírus, os casos coincidem com o relaxamento nas medidas de prevenção. Durante a pandemia diversas vacinações foram negligenciadas, entre elas, a da gripe. Apesar da redução das mortes pela Covid-19, a realidade atual destaca a importância de cuidados básicos, tanto para não sobrecarregar o sistema de saúde, como para proteger os mais vulneráveis: Crianças ainda não vacinadas, idosos, gestantes e imunossuprimidos, com maior risco de uma evolução desfavorável, até mesmo em doenças consideradas simples nos dias atuais. 
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