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21/02/2021 às 11h54min - Atualizada em 21/02/2021 às 12h00min

A descentralização dos quadrinhos nacionais

Muito além dos super-heróis e grandes editoras. De onde vem as grandes promessas para o futuro?

Danilo Santos - Editado por Fernanda Simplicio
Fonte: Norte em Quadrinhos

O cenário nacional de quadrinhos é rico em talentosos ilustradores que trabalham dentro e fora do país. Nomes como: irmãos Fábio Moon e Gabriel Bá, Mike Deodato, Alexandre de Maio e Ivan Reis, são alguns dos mais conhecidos pelo público em geral que é aficionado por HQs. Porém, estes artistas são naturais do sul-sudeste do Brasil, onde o mercado é bem menos escasso e apresenta mais oportunidades. Criando assim uma bolha cultural, que no imaginário popular resulta em um pensamento de que apenas nessa região do país se concentram os grandes artistas que vemos hoje em dia nas redes sociais, páginas de quadrinhos, TV, etc.

 

O que poucos conhecem, são os diversos outros artistas espalhados pelo norte e nordeste do Brasil. Estes que acabam sendo pouco vistos, apesar do excelente trabalho com ilustração, roteiro e edição. Como por exemplo: Helô Ilustra, Os desenhos da Thai, Pongo e Sâmela Hidalgo, ambos nortistas. Porém a lista e bem mais extensa, e como objetivo desta reportagem, entrevistamos alguns deles para fazer essa ponte entre o artista e o leitor. Quebrando esse distânciamento e apresentando novos personagens do futuro nacional dos quadrinhos.

Thainá Rodrigues 

Thainá Rodrigues tem 25 anos, é amapaense e sempre foi apaixonada por desenhos e animações desde criança, desenhava personagens conforme seus estilos e gostos por cartoons, mangás e animes. De início era apenas um hobby que trazia consigo desde a época do colégio, até ingressar na faculdade de arquitetura e urbanismo. Onde utilizou bastante das aulas de desenho livre para aperfeiçoar técnicas e praticar sempre que possível.

 

Em 2017 Thai entrou para a Escola Cândido Portinari, onde fez cursos de desenho e decidiu criar o Instagram Os Desenhos da Thai. Foi então que algumas encomendas foram surgindo: 
 

Eu vou atrás das coisas e tenho várias ideias, não só artísticas. Então fiz esse e outros cursos e ia postando sempre. Até que alguém me perguntou se rolava encomendas, porém eram desenhos manuais em aquarela, vendi alguns mas eu ainda não estava satisfeita”.

 

Durante o TCC, ela passou a treinar no Adoble Illustrator, produzindo alguns desenhos com o mouse. Até que um amigo lhe presenteou com uma mesa digitalizadora, o que facilitou muito o seu trabalho. Surgindo muitas encomendas durante o dia das mães em 2018, Thai conta que precisou fechar a agenda, por conta da demanda. O que a motiva sempre a buscar melhorias no seu trabalho com ilustrações.
 

Quando eu vi que as pessoas se interessaram e eu estava vendendo meus trabalhos, comecei a pesquisar artistas e aprimorar meu trabalho. Durante o período da quarentena peguei um trabalho que deu uma grana boa e pude investir em um tablet e outros cursos para melhorar sempre. Surgiram novas comissões e fui tendo contato com outros artistas”. 

 

O boom das redes sociais

No mesmo período em 2020, surgiu a Ribeirinha Amapaense Lo-Fi. Um trabalho criado através de uma corrente entre vários artistas brasileiros, como representação de cada estado. O que deixou Thainá muito contente pela repercussão e identificação, principalmente no Amapá.

"Conseguir seguidores de outros estados, lugares. Embora o número de trabalhos não seja a mesma coisa, é mais por uma questão de visibilidade. Grandes marcas acabam indo atrás desses artistas para publicidade. Eu ainda trabalho muito com encomendas, então sempre publico essas artes que já fiz como exemplo, e também serve de influência para outros artistas", diz ela.

 

Como principais referências Amapaenses, Thainá tem na sua lista Moara, Lucinda Rodrigues e Bea. Mas também acompanha outros artistas de vários estados brasileiros.

Eu gosto muito do trabalho dos irmãos Fábio moon e Gabriel bá, também gosto da Isadora Zeferino, Paulo Moreira, Laura Athayde, Bryan o Lee maley, Rebecca sugar.”

 


Representatividade

Ao ser perguntada sobre a questão sair do Amapá em busca de maiores oportunidades fora, e o que espera para 2021, Thai diz que: 

 “O que incomoda de fato em ser artista e viver por aqui, são os materiais serem caros em lojas locais, fora o frete. Nem sempre tem o que a gente precisa. Falta também oportunidade de capacitação, já que não há quase nenhum curso da área específico por aqui, além do Cândido Portinari.”

“Se eu for sair daqui, seria pra me capacitar e participar de eventos. Não penso em sair do Amapá. Assim como o Paulo Moreira não saiu do nordeste, ele trabalha no estado dele, acho que se criou uma ilusão de que só conseguimos as coisas ali no Sul-Sudeste, e isso me dá mais vontade ainda de ficar aqui e provar que não é bem assim”, completou.

Para 2021, Thainá espera continuar crescendo no trabalho, estudar para melhorar seu alcance e conhecimentos. E assim como todos nós, está ansiosa pelo fim da pandemia, para poder voltar às feirinhas que acontecem nas praças da cidade, onde muitas pessoas participavam.

Sâmela Hidalgo



Sâmela Hidalgo tem 28 anos, é amazonense, e uma das peças fundamentais para o trabalho com quadrinhos no norte. Ela esteve à frente de grandes projetos durante os últimos anos. Participando do planejamento editorial de dois títulos de um dos quadrinistas mais reconhecido do mundo - Alan Moore. Sendo "A liga extraordinária 1898" e "A liga extraordinária: Dossiê Negro", Este que venceu o prêmio HQ Mix de 2017, pelo melhor projeto editorial. Atualmente Sâmela é idealizadora do projeto Norte em Quadrinhos, que trabalha com uma lista de pelo menos 42 artistas, desde ilustradores, quadrinistas e roteiristas do norte do Brasil.

Sâmela conta que sua paixão pelos quadrinhos surgiu durante o primeiro ano da faculdade de Produção Editorial, quando leu pela primeira vez "Maus'', de Art Spielgeman, e acabou seguindo por esse rumo profissionalmente. Um ano depois, foi indicada à uma vaga na editora Devir como assistente editorial. Mesmo com o pouco conhecimento que havia adquirido ainda no primeiro ano de faculdade, ela aceitou o desafio e começou a escrever sua história como editora.

"Lá eu percebi como a prática era muito mais complicada e ainda assim incrível! Aprendi sobre os maiores autores dos quadrinhos, me apaixonei pelos super-heróis, e a melhor coisa: descobri os quadrinhos nacionais. Isso, com certeza, foi o que a Devir me trouxe de melhor: essa descoberta do mercado de quadrinhos nacionais e essas histórias que ajudam a contar nosso ponto de vista”, diz ela sobre sua experiência.

Primeiros passos no mercado

Sâmela é grande fã da Kamala Khan, grande símbolo feminino nos últimos anos, dentro do universo dos quadrinhos, junto com Carol Denvers e Diana Prince. Então pergunto sobre as maiores dificuldades encontradas na carreira, em um mundo onde a maioria predominante sempre foram homens. 

 “No começo eu tive uma certa dificuldade de entender a narrativa e a linguagem dos quadrinhos. Eu vim da área de literatura, cresci lendo e me apaixonando pelos livros, então tudo o que eu conhecia era a estrutura narrativa de um romance. Quando comecei a trabalhar com os quadrinhos tive que entender que a nona arte era uma conexão entre palavras, imagem e cor e que ali tinha uma sequência que juntas, formam essa linha de raciocínio.”

E completou dizendo, “Então, foram muitas horas de estudo e leitura depois do trabalho, fazendo cursos e consumindo tudo o que eu podia do mundo dos quadrinhos para estar apta a ser uma profissional boa.”

Ela cita ter estudado autores como Scott McCloud, Will Eisner, Bárbara Póstema, Waldomiro Vergueiro, Paulo Ramos e etc. Para conseguir entender a diferença do literário para o roteiro em quadrinhos e mangás.

 Mas também tive a dificuldade de ser uma mulher do norte no meio da produção de quadrinhos em São Paulo, além disso. Muitas vezes os fatores: leitora de hqs a pouco tempo + ser mulher + ser jovem + ser do norte, é uma soma bem complicada nesse meio.”
 

A iniciativa Norte em Quadrinhos



O projeto Norte em Quadrinhos está ativo desde maio de 2020. A ideia surgiu durante a CCXP de 2019, quando Sâmela foi convidada para participar do painel Furiosas, onde falou sobre as heroínas dos quadrinhos. E durante o mesmo, após perceber o quão pouco haviam participantes do norte no Artist Alley, ela anunciou que o projeto seria uma realidade em breve. Unindo assim a sua carreira e origem amazônida.

 “O processo foi por indicação mesmo. Comecei pelo Amazonas, já que era onde eu tinha conhecidos envolvidos nos quadrinhos, então uma coisa foi puxando a outra. Os Artistas do Amazonas me indicaram quadrinistas de Roraima, que me indicaram os do Pará. Conheci o Pongo e ele me indicou vários outros artistas do Norte. No mesmo período, Thainá Rodrigues viralizou no twitter com a arte da amapaense ribeirinha lo-fi.  Daí fui formando toda essa rede de apoio e contato de quadrinistas do norte e chamando eles pra participar das lives no meu canal. Isso foi crescendo de uma maneira absurda!” 

Hoje o projeto conta com apoio do mercado editorial, um grupo com quadrinistas do norte, contatos, indicação de trabalhos, newsletter atualizada sobre a produção de quadrinhos da região. Além de servir como assessoria de imprensa enviando releases de lançamentos dos artistas e indicando os profissionais para editoras grandes.
 

Cursos profissionalizantes



No final do ano passado também passamos a profissionalizar esses artistas, oferecendo cursos onlines de produção de quadrinhos. Começamos o curso de colorização com o artista Alex Guimarães, que é colorista da Marvel e da DC. Tivemos uma aula completamente gratuita cheia de artistas do norte”, conta Sâmela.

Segue uma lista de artistas nortistas para seguir nas redes sociais:

O coletivo de quadrinistas feminino Mátinta - <
https://www.instagram.com/matintahq/>

Helo Ilustra - <https://www.instagram.com/heloilustra_/>

Pongo Comics - <
https://www.instagram.com/pongocomics/>

Os desenhos da Thai - <
https://www.instagram.com/osdesenhosdathai/>

Hipácia Caroline - <
https://www.instagram.com/hipaciacaroline/>

Ty Silva - <
https://www.instagram.com/tysilva_/>

Alvaro Maia - <
https://www.instagram.com/alvaro_maia_art/>


Descentralizar é preciso!


Por fim, pergunto a opinião dela quanto a sair do estado de origem para buscar oportunidades na região sul-sudeste do país.

“É ridículo que em pleno século 21 ainda temos essa centralização girando no eixo rio-sp. O Brasil, esse país enorme, não deveria ser tão centralizado. Acho que isso que eu pretendo com o projeto Norte em Quadrinhos: quebrar a roda (tal qual daenerys - mas de um jeito bom) e descentralizar essa produção. Não deveríamos ter que deixar nossa vida e origem pra trás pra conseguir viver e sobreviver. Isso serve para todas as áreas, mas na artística ainda somos muito condicionados a acreditar - pelo mercado e pela mídia - que só teremos sucesso e reconhecimento produzindo no sudeste”.

Por isso a luta da descentralização tem que ser de todos. Mas também é por isso que o Norte levanta tanto essa bandeira, porque historicamente, já somos a região mais invisibilizada em todos os meios. E é cansativo demais ter que sempre estar indo buscar novas oportunidades no lugar onde todos vão com o mesmo objetivo”, encerra Sâmela.
 

Referências:

RODINISTZKY, Rafaella. 8 ilustradoras e quadrinistas do norte brasileiro que você precisa conhecer. Delirium Nerd, 22 de jul. 2020. Disponível em: <https://deliriumnerd.com/2020/07/22/8-ilustradoras-e-quadrinistas-do-norte-brasileiro/>. Acesso em: 14 de fev. 2021.

Amazonense abandona faculdade e brilha em editora mundial de HQ's. A crítica, 16 de dez. 2019. Disponível em: <
https://www.acritica.com/channels/entretenimento/news/amazonense-abandona-faculdade-e-brilha-em-editora-mundial-de-hq-s>. Acesso em: 15 de fev. 2021.

FRANCO, Gabriela. Conheça a iniciativa NORTE EM QUADRINHOS. Minas Nerds, 02. de jul. 2020. Disponível em: <
http://minasnerds.com.br/2020/07/02/conheca-a-iniciativa-norte-em-quadrinhos/>. Acesso em: 18 de fev. 2021.


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