O longa Marte Um, dirigido e roteirizado pelo cineasta mineiro Gabriel Martins, da produtora mineira Filmes de Plástico, estreou no dia 25 de agosto país adentro e já conquistou mais de 50 mil espectadores ao longo dos últimos meses. Premiado em circuitos de cinema mundo afora – Out On Film Festival e Nashville Film Festival –, o filme decola rumo à representação brasileira no Oscar, na categoria de Melhor Filme Internacional.
A família Martins – Tércia, Wellington, Eunice e Deivinho – se depara com a dura vida na cidade grande, ao passo que ascende ao Executivo um projeto de governo extremista e excludente. Entretanto, mais do que o simples retrato de uma família do conurbano mineiro, a direção sensível de Gabriel Martins expõe a realidade do brasileiro na busca pela sobrevivência e esperança de manter vivos os seus sonhos.
Tércia, mulher negra, mãe de dois filhos e esposa, ganha a vida como diarista e é o apoio da família ao lado do marido Wellington – fanático pelo Cruzeiro que trabalha como porteiro em um prédio e carrega no peito, literalmente, o orgulho de afastar-se do seu vício por álcool. Os dois filhos, Eunice – estudante de universidade pública prestes a se formar – e Deivinho – quem sonha em, algum dia, tornar-se astrofísico – lidam com as expectativas e frustrações dos pais. Esse não poderia ser um retrato mais fiel da "família brasileira”.
Cinema Político
Em paralelo ao cotidiano da família Martins, Marte Um aborda o momento em que o atual presidente e candidato à reeleição assume o cargo do Executivo e – de maneira explícita, porém sutil – tece críticas às repercussões do governo de extrema-direita nas famílias da classe média baixa. A partir daí, a conta não fecha, a compra do mercado fica cara e o lazer que a TV por assinatura proporciona a Wellington não é mais uma opção.
O projeto de governo que iniciou-se em 2018 não é aquele que governa para “os Martins” desse país, mas sim para a restrita classe média alta brasileira, que se relega ao confinamento da sua própria realidade, em condomínios fechados. O diretor, por meio da contraposição de planos e retratos de uma típica metrópole brasileira, alcança o objetivo de pôr em evidência a desigualdade social e o racismo estrutural presentes no cerne da sociedade.
Cinema sensível
Traumatizada após participar de uma pegadinha de televisão, Tércia carrega consigo o pânico e a iminência de uma mau presságio sobre a vida das pessoas que a cercam cotidianamente, inclusive a própria família. O disparo de uma dinamite falsa pela produção da equipe de TV responsável pela brincadeira de mau-gosto – como um código que insiste em ressoar nos ouvidos da matriarca – desvela o trauma da violência e intolerância no ar.
Mesmo em meio às dificuldades, Marte Um consola o espectador: “a gente dá um jeito”, diz Wellington ao filho Deivinho diante do cenário árduo em que a família se encontra. A direção e roteiro de Gabriel Martins não deixa de comover e nutrir esperanças ao proporcionar momentos acolhedores entre os membros da família, que resiste e mantém firme a sua fé em dias melhores.
A irmã, Eunice, que apoia os sonhos do caçula em tornar-se um renomado astrofísico, como Neil deGrasse Tyson, e protagonizar a colonização do planeta Marte, em 2030; O pai que, independente das diferenças, acolhe com amor e carinho os rumos da filha mais velha. Tércia, que finalmente pôde libertar-se do medo e insônia dos quais padecia.
Conclusão
Marte Um, de direção primorosa do diretor mineiro Gabriel Martins escancara o (des)governo brasileiro, mas encanta com a sensibilidade e esperança de um futuro melhor. Tércia – interpretada pela brilhante atriz Rejane Faria – torna-se o eixo central da trama, mas não deixa em segundo plano o trabalho de Cícero Lucas no papel do garoto Deivinho. O longa alça o cinema nacional ao status de prestígio e anuncia tempos de esperança para o país, que está mergulhado no caos e retrocesso.