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26/06/2021 às 19h05min - Atualizada em 22/06/2021 às 11h31min

Festivais Juninos: mesmo na pandemia, a arte resiste na vida de três quadrilheiros

Mais um ano sem São João. Entenda as vertentes dessa festividade e a potencia sentimental que ele desenvolve na vida de três quadrilheiros.

Juliete Fechine - Revisado por Isabela dos Santos
Arte de Anita Malfatti (Foto/reprodução)
No Nordeste do Brasil principalmente, o São João chega carregado de sentidos e significados para as pessoas. (Foto: Reprodução)

Principalmente para o nordeste do Brasil, o mês de junho é sinónimo de alegria e simplicidade espontânea. O São João chega carregado de sentidos e significados para as pessoas, unindo pequenos bairros, vizinhos e até estranhos, despertando um sentimento comum a todos de celebração. É uma forma de acender a folia e esquecer a seriedade da vida.

As festas juninas chegaram ao Brasil trazidas pelos portugueses, tendo como característica forte a dança denominada de quadrilha e o que antes era uma dança ‘chique’ de salão composta por quatro casais, se tornou no Brasil uma dança popular e uma festa com aspectos de muita originalidade. 

As melodias dançantes e a simplicidade das vestimentas, o banquete à base de milho, e os casamentos caipiras ocuparam socialmente e culturalmente uma parte muito importante - mas mesmo com as modificações a essencia permanece. Essa festa trouxe simbologias, significados e religiosidade, conquistando as pessoas, tomando rapidamente popularidade.

Atualmente, após muitas mudanças, a quadrilha se modificou, se tornando mais “estilizada”, começando a serem realizadas por grandes grupos juninos com coreografias mais detalhistas, complexas e também de forma mais automática. As vestimentas também se aperfeiçoaram e são bem mais elaboradas. 

Pelo segundo ano, o São João não acontecerá presencialmente, por conta desse período pandêmico tudo precisou se adequar. Assim como os festivais de quadrilha, comuns de acontecerem em quadras e serem caracterizados pela presença de multidões, unidas pelo mesmo interesse - a apresentação dos grupos juninos. Os festejos juninos e tudo que o compõe e o caracteriza, entre tradições e continuidades, permanecem se transformando e resistindo.

Raízes e bagagem cultural

O São João em suas muitas ocasiões anuais, além de conseguir desenvolver ações significativas em particular para as pessoas, atua como facilitador da aproximação, comunicação social e na efetivação de pertencimento identitário e conhecimento regional, conforme acontece com os três personagens quadrilheiros, que contam suas histórias como participantes do mundo junino e como contribuíram para a resistência dessa tradição.

“A arte sempre foi algo que me agradou demais”, conta Ícaro Bastos, servidor público. “Como a quadrilha junina é uma arte que envolve várias vertentes artísticas – teatro, dança, música e artes visuais, me apaixonei à primeira vista". Ele relata que participar de grupos juninos é também contribuir de uma forma sociocultural com seu município ou estado, o que acarreta em uma responsabilidade imensa.

“Participar dos festivais traz uma felicidade enorme em poder apresentar minha arte e levar o nome do meu município a várias cidades do estado do Ceará e estados vizinhos. Ao me apresentar nos arraiás, sinto uma paz, uma felicidade que só quem participa é que pode dizer como é. Apesar do stress, preocupação, cansaço, ansiedade, em compensação lhe ensina a ter paciência, trabalhar em grupo, saber entender as pessoas. Também traz uma bagagem enorme de conhecimento cultural.” 

Morador de Várzea Alegre, no interior do Ceará, a caminhada de Ícaro no mundo junino é de muito tempo, começando em 2003 com a participação de uma quadrilha junina no bairro do seu município. Um ano depois, junto com os amigos aconteceu a fundação da Quadrilha Arriba Saia, Ícaro ajudava na produção. Depois de uma breve pausa, Ícaro voltou em 2010 para a Arriba Saia como brincante e dois anos depois foi par de rainha, saindo em 2012 para formar seu próprio grupo – Encanto Junino. Retornando novamente em 2013 para a quadrilha que ajudou a fundar com os amigos, passando a coordená-la em 2016, e está até os dias de hoje como presidente da mesma.

A pandemia trouxe muitos desafios para este meio artístico, pois, já que as festividades juninas reúnem um público muito grande de espectadores, as mesmas foram proibidas de acontecer em todo Brasil. Foi necessário buscar outros meios, a fim de manter firme a tradição que vem de muito tempo. 

“Nesse período pandêmico estamos tendo que nos reinventar para poder manter o grupo aceso e não deixar a tradição morrer. Infelizmente, aquele contato de forma direta que tínhamos não pode mais ocorrer. Nos resta realizar e participar de lives com temática junina. O sentimento é de angústia e incerteza, pois não podemos realizar eventos, ensaios... Temos contas ainda  de aluguel  de sede, manutenção de instrumentos musicais a quitar. Faz muita falta os ensaios, o contato com pessoas. Só fica a esperança que tudo melhore e que possamos voltar logo a festejar nossos santos  juninos como sempre foi festejado."

Encantamento à primeira vista

“Já tinha envolvimento com a dança desde a época de escola, dancei de tudo menos quadrilha. Achava que só valia dançar se fosse pra competir”, conta Juliana Sampaio, design de moda, 35 anos. Convidada por um amigo em 2004 para participar de um pequeno grupo junino - chamado de Arraiá do Tio Antônio - foi encantamento à primeira vista.

Depois que foi conquistada, Juliana diz que o São João a escolheu. “A quadrilha não saí, tá nas minhas entranhas. Parece que eu sei voar... nada de ruim passa pela minha cabeça nesse momento. Quero transmitir a melhor energia, cada movimento é um convite para quem está assistindo entrar no arraiá junto comigo,” relata sobre o sentimento que a invade quando está dançando.

Para a fortalezense e outros amantes de São João, esses festivais estão muito além de coreografias e competições, o sentimento de pertencimento é muito forte, é mais sobre entender e valorizar a nossa cultura nordestina. Depois da participação no pequeno grupo, Juliana passou por outras três, chegando ao ano de 2016 e se estabelecendo até hoje na Junina Babaçu. Para se doar a  essa paixão pelo período junino, foi necessário conciliar trabalho, estudo e maternidade. “Quando a gente consegue passar por tudo isso é a maior conquista,” diz.

Juliana contou ainda, que quando a pandemia chegou, foi necessário uma programação através das redes sociais, tudo para manter os corações cheios e esperançosos daqueles que pulsam pelo São João e pela quadrilha.

“Foram lives, concursos, reuniões online, tudo para não deixar a chama apagar. Porém, se adaptar foi difícil e levou um tempo, já que todo esse processo precisa de dedicação, entrega e presença. A ausência do público, sorriso e o brilho dos olhos daqueles que estavam a nos esperar, a fumaça, as luzes, os cheiros e as cores.. Quando chegava a hora de ir fechava meus olhos e podia me imaginar na quadra.”

Conexão e coragem

Do Ceará e moradora da regional metropolitana de Fortaleza, Rebeca Luna, faz parte do mesmo grupo atual de Juliana, mas o mundo junino a selecionou ainda no ventre materno. “Minha mãe já dançava, e junto com ela me levava na barriga. Tá no sangue”, ela conta e ri. Quando cresceu, continuou acompanhando a mãe e o amor pelo São João foi aumentando, conhecendo bem os motivos, os sentimentos eram muito familiares como quando estava nos primeiros meses de vida. De certo, que o São João tem uma potência muito grande que atravessa gerações, e suas raízes continuam fortes nas conjunturas sociais.

Dançar quadrilha para ela, significa amor. “Existe uma mistura de sentimentos, de emoções, significa o poder de se expressar de todas as infinitas formas, significa doação por inteiro de si mesmo”, afirma. Rebeca é uma dama trans e começou em 2018, mas dançava desde 2013, ela conta que ainda existem quadrilhas que não aceitam pessoas transsexuais, porém por sorte conheceu uma junina que a aceitou e a acolheu muito bem, concretizando seu destino Rebeca. 

Ela participou de concursos de Rainha G e por três anos consecutivos foi a melhor do seu município. “Me sinto feliz e alegre ao dançar, me sinto forte! Conquistar algo é muito gratificante,” afirma. Após esse longo período longe da folia dos festivais juninos, Rebeca conta que sente a ausência de tudo, desde os iniciais processos até a apresentação em quadra com a presença palpável do público.

“Na pandemia seguimos com as lives, no virtual. A gente segue nossa vida normal sem ensaios... A diferença é não poder sentir a vibração do público, o amor que eles também tem pelo São João e por estar nos assistindo. Tudo me faz feliz nesse meio junino, mas os ensaios, o processo de criação, sinto muita falta.”


Fontes:
ABREU, Martha e Soihet, Rachel, Ensino de História, Conceitos, Temáticas e Metodologias. Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2003.
NÓBREGA , Zulmira. A festa do maior São João do mundo : dimensões culturais da festa junina na cidade de Campina Grande, 2010.


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