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10/08/2021 às 11h50min - Atualizada em 10/08/2021 às 11h22min

Sociedade do cansaço: Se Sobrecarregue Enquanto Eles Dormem

A exigência e cobrança pelos resultados adoece jovens e adultos no país

Isabella Leandra - Revisado por Damáris Gonçalves
(Foto: Reprodução/ GettyImages)
A era tecnológica e da informação tem trazido inúmeras facilidades para as pessoas. Entretanto, ao invés de otimizar o tempo e diminuir o horário de trabalho, o que tem acontecido é um excesso de funções. Discursos de coach tais como “Trabalhe enquanto eles dormem e viva a vida que eles sempre sonham”, projetam uma pressão interna na mente de estudantes e trabalhadores, que enfrentam uma sociedade cada vez mais cansada, doente e sobrecarregada.
 

As Doenças do Século

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2017 indicam que cerca de 9% da população brasileira enfrenta transtornos e doenças mentais, sendo a ansiedade o principal deles. Além disso, estudos da Associação Brasileira de Psiquiatria mostram que houve aumento de cerca de 26% nos atendimentos psiquiátricos desde o inicio da pandemia de COVID-19.
 
Por outro lado, o que pode ser observado nas redes sociais vai de contramão aos dados apresentados: discursos altamente “motivacionais”, vidas felizes e prósperas, positividade excessiva, e principalmente, vários estímulos para produzir a qualquer custo. Em plataformas como o Instagram e YouTube, o que vemos são páginas que colocam o indivíduo como culpado do próprio “fracasso”, culpado por querer descanso, por não produzir e até por se sentir mal. “Seu futuro depende exclusivamente de você”.
 
Em “Sociedade do cansaço”, o filósofo Byung-Chul Han sinaliza justamente esse acentuação da sociedade atual: a autoafirmação e auto-exploração, que tem desencadeado doenças como a depressão, TDAH, ansiedade e outros transtornos. A chamada “sociedade do desempenho” é marcada pela positividade, motivação, iniciativa e “desejo de maximizar a produção”. Essas características podem surtir um efeito reverso quando estimuladas da forma errada.

“O que causa a depressão do esgotamento não é o imperativo de obedecer apenas a si mesmo, mas a pressão do desempenho”
Trecho de Sociedade do Cansaço

 

Não é Apenas Estudar

A época do vestibular é sem dúvidas uma das fases mais estressantes da vida dos adolescentes. Desde o primeiro dia do ensino médio, esses jovens são bombardeados com as palavras “ENEM”, “Fuvest”, “federal” e tantas outras na mesma linha. São feitos questionamentos constantemente como “Está estudando muito?”, “Vai cursar o que?”, “Tem que passar na federal, hein?” e varias outras pressões diárias para que decidam logo o futuro, e claro, não parem de estudar.
 
Aos 17 anos, a vestibulanda Beatriz Scarabelli conta sobre sua relação com os estudos e como esse período pode ser estressante na maior parte do tempo. Mesmo tendo uma rotina puxada, ela tem conseguido conciliar bem os estudos com outras atividades que gosta. Inclusive, a boa relação com os estudos, escola e colegas colabora bastante nesse processo.
 
Entretanto, nem tudo são flores. A estudante conta que a autocobrança é um fator que, infelizmente, se faz muito presente. Pelo fato de estar no 3° ano do Ensino Médio, a cobrança externa do vestibular e a decisão de escolher uma faculdade tão cedo gera tanto uma pressão externa quando acentua a interna. Por conta disso, Beatriz confessa que muitas vezes acaba se cobrando muito mais do que deveria.

“As vezes estudo o dia todo e ainda acho que está pouco, que não estudei o suficiente. Isso as vezes acaba me atrapalhando e causando problemas piores. A busca por bons resultados me assola também, mas isso não vem só de uma cobrança minha, vem, principalmente, da cobrança dos meus pais sobre mim", conta a estudante.


Há quem pense que a pressão para por aí. Depois da aprovação, isso pode persistir e ser ainda maior. Ana Clara Tolentino, de 19 anos, é graduanda de História e conta que sua relação com a faculdade é um eterno “amor e ódio”. Isso acontece  justamente pelas cobranças e planejamentos que vieram junto com a aprovação, em 2020, já durante a pandemia.
 
A universitária relata que sua rotina tem sido prejudicada pelo turno de seu curso (vespertino) o que faz com que ela acorde mais cedo para estudar para provas, e durma mais tarde realizando os trabalhos e montando apresentações. Ela explica como sua função de representante de turma colaborou para que ela tenha mais contato com os professores e entenda a rotina corrida deles.
 
Em relação a pressão, Tolentino assume que se cobra mais do que deveria, principalmente devido ao fato de ser a primeira da família a estar num curso superior. Isso lhe traz ambições e expectativas para o futuro, contando com o apoio da família e professores nesse processo. “Logo no primeiro semestre eu já organizei o básico da minha trajetória acadêmica e me esforço e cobro bastante para que futuramente eu consiga conquistar esses objetivos” , relata. Além disso, a estudante ainda experiencia transtorno de ansiedade, TOC e depressão.
 
Para isso, a psicóloga clínica Fernanda Moreira, 25, (@psi.fernandamoreira) conta como o período do vestibular e inicio da graduação podem trazer incertezas e inseguranças aos jovens em relação ao futuro profissional. A pressão familiar, dos amigos e sociedade no geral, traz cobranças constantes acerca da escolha profissional. Ela reconhece também que a soma do emprego, estágio, sono, vida social, relacionamentos e cuidado com a saúde, resultam num peso ainda maior para a sobrecarga da vida dos jovens.
 
“A sensação de ter que dar conta de todas essas responsabilidades, ao mesmo tempo, em igual nível de dedicação, tende a trazer como consequência o surgimento da ansiedade patológica e da sensação de frustração e incapacidade” , alerta a profissional. 


Trabalhe Enquanto Eles Dormem

A inserção no mercado de trabalho, no entanto, soma mais um agravante a pressão mental de desempenho: a necessidade de prover o lar. Pensando nisso, a vendedora de consórcios Daniele Leandra, 43, relata sua relação conturbada e ao mesmo tempo satisfatória com o trabalho que desenvolve. Ela relata seu gosto pela relação direta com o público e o trabalho com as vendas, mas reconhece que, sobretudo no comércio, a cobrança por resultados aumenta de forma gradativa: Quanto maior o resultado, maior é a cobrança.
 
 ​A vendedora afirma que é uma cobrança extremamente desgastante, pois mesmo que você desenvolva e dê o seu melhor, o resultado nunca é satisfatório ou suficiente para os gestores. Ela salienta, inclusive, a influência do home office nesse processo. Nesse contexto, as métricas de desempenho e vigilância tem se tornado cada dia maiores.
 
Por isso, Daniele admite que a autocobrança a faz trabalhar além da carga horária da empresa. Tal fator tem aumentando seus níveis de ansiedade, crises de enxaqueca e insônia. “Isso causa um desgaste físico e também emocional, deixando de ter um convívio familiar sadio, não me alimentando nas horas corretas, tendo um período de descanso reduzido para melhorar meus números", expõe a vendedora.

A psicóloga Fernanda Moreira salienta o aumento de profissionais diagnosticados com a “Sindrome de Burnout”, distúrbio emocional caracterizado pela exaustão extrema, estresse e esgotamento físico e mental, sendo o excesso de trabalho principal causador. "Sintomas como cansaço, dor de cabeça, alterações no humor e no apetite, sentimentos de fracasso e insegurança, dores musculares e pressão alta podem ser fortes indicativos da síndrome. Quando diagnosticada, é imprescindível o acompanhamento psicológico”, ressalta a psicóloga.
 

É Preciso Desacelerar

Byung- Chul Han afirma como a vida nos dias de hoje se transformou em sobrevivência. Esse fator acaba levando a histeria da saúde. Para isso, Fernanda Moreira ressalta o contexto atual de restrições, perdas e necessidades de adaptação. Isso demanda tempo e energia de todos.
 
Portanto, a psicóloga salienta a necessidade de “desacelerar” e se permitir sentir-se mal, com pouco ânimo. É necessário entender o próprio ritmo, ir no próprio tempo e fazer o que está ao seu alcance. Além disso, o estabelecimento de prioridades, criação de uma rotina e a preservação de momentos de lazer e ócio são extremamente importantes para que a pressão cotidiana seja lidada de forma melhor e mais leve.
 
“Através do autoconhecimento, conseguimos identificar o que dos dá prazer, quais são nossos objetivos e principalmente quais são os nossos limites pessoais e isso nos permite estabelecer com mais tranquilidade até que ponto deixo ou não o outro interferir”, garante a profissional.

 
 

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