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26/02/2023 às 16h15min - Atualizada em 26/02/2023 às 15h34min

“Abre alas que eu quero passar” – as marchinhas de Carnaval e suas problemáticas

Acabou o Carnaval e muitas marchinhas voltaram a fazer parte deste período que muitos brasileiros adoram. No entanto, tais músicas carregam em suas letras falas problemáticas, estereótipos e preconceito.

Vitória Barbara - Revisado por Danielle Carvalho
Marchinhas de carnaval e suas problemáticas. (Fonte: Reprodução / Vitória Barbara)
O Carnaval se trata essencialmente de uma festa livre e democrática, que destrói barreiras e reúne classes e gêneros diversos no período em que as cidades se permitem abrir para celebrar a comunhão e alegria. De forma específica, o carnaval de rua é uma das expressões populares que mais fazem parte daquilo que compreendemos como a identidade cultural brasileira. Todo ano as pessoas se reúnem em blocos carnavalescos, a maioria fantasiados, com participação de cantores que vem fazendo sucesso recentemente.

Durante décadas as pessoas cantaram, com muita força, músicas que hoje passam longe do que chamamos de politicamente correto. Certas marchinhas possuem traços racistas, homofóbicos, sexistas ou misóginos que se tornaram desconfortáveis à luz dos direitos conquistados por mulheres, negros e da comunidade LGBTQIA+. Entre os anos 1950 e 1960, muitas marchinhas de carnaval foram lançadas com uma conotação machista e homofóbica. Atualmente, por estarmos vivendo em um período de conscientização política e social, muitos jovens passaram a refletir e evitar esse tipo de música que incita o preconceito.
 
Abordar sobre a existência do racismo ou o incômodo com a misoginia ou homofobia presentes nas músicas, principalmente nas marchas carnavalescas antigas, pode ser para muitos um ato de censura. É importante lembrar que o debate sobre o preconceito em canções não é de hoje e nem muito menos é uma tentativa de censurá-las, mas sim, um exercício a um olhar crítico de forma democrática – uma posição. Debater este assunto é uma forma de escutar o lado daqueles que são atingidos por tal ofensa, o que se torna essencial antes de decidir se vai concordar ou não com os apontamentos.
 
É claro que as marchas não ditam, necessariamente, que o autor das canções é preconceituoso ou machista de alguma forma. Mas nos faz perceber que, em um passado recente, esse tipo de tratamento em músicas era comum e o quanto isso ainda pauta e influencia as relações sociais na atualidade.

Para começarmos analisar as marchinhas antigas, é necessário que a gente veja e escute como se estivermos presentes na época em que elas foram produzidas. As pessoas não tinham a noção do politicamente correto que nós temos hoje. Na época, fazer piada com mulheres ou o preconceito racial era naturalizado e tinha um grande apelo humorístico. Se devemos ou não cantar tais marchinhas no carnaval, vai depender de cada pessoa – o que abre portas para um segundo debate. Mas o que não podemos fazer é negar que exista racismo, misoginia, homofobia e outros traços de preconceito. A permanência da negação é uma barreira para o desenvolvimento social.

Para exemplificar o que o texto aborda, foram selecionadas 5 marchinhas de carnaval que contêm um sentido preconceituoso:

1 – “Teu cabelo não nega”, Lamartine Babo

A marchinha traz em sua letra o preconceito racial contra a mulher negra. No refrão, o trecho “Mas como cor não pega, mulata, mulata, eu quero o seu amor”, diz, de forma bem explícita, que se a cor da mulher fosse “contagiosa” o homem não iria querer o amor dela.
 
Música 'Teu cabelo não nega' de Lamartine Babo. (Reprodução: Lamartine Babo Topic - YouTube)
 

2 – “A bolsinha do Waldemar”, Alberto Ribeiro

A marchinha de carnaval contém um tom homofóbico. A letra esclarece a desconfiança sobre a sexualidade do personagem, ao insinuar que ele seria gay por usar uma bolsa, como no trecho “A bolsinha do Waldemar, dá pra desconfiar”.

A bolsinha do Waldemar / Dá pra desconfiar/ A bolsinha do Waldemar/ Dá pra desconfiar/ Bolsinha à tira-colo (olha aí!).

3 – “Dá Nela”, Ary Barroso

Esta marchinha claramente mostra a violência contra a mulher. No trecho “Esta mulher, há muito tempo me provoca. Dá nela! Dá nela! Agora deu para falar abertamente. Dá nela! Dá nela!”. A música fala de uma mulher que provoca homem, caracterizada na letra como “pata choca”, e que isso é motivo para que alguém “dê” nela (no sentido de bater).
 
Música 'Dá Nela' de Ary Barroso.  (Reprodução: Ary Barroso Topic - YouTube)

4 – Maria Sapatão, João Roberto Kelly

Popularmente conhecida na voz de Chacrinha, há muitos anos “Maria Sapatão” foi uma música indispensável no carnaval de rua, mesmo menosprezando a sexualidade do personagem, que se identifica como Maria e como João. A canção utiliza o termo “sapatão” para afirmar a homossexualidade de Maria, uma expressão antiquada e pejorativa. O segundo refrão da música, na tentativa para amenizar o preconceito, afirma que ser lésbica “está na moda”.
 
Música 'Maria Sapatão' reproduzida por Chacrinha.  (Reprodução: Faber Azevedo - YouTube)

5 – Mulata Bossa Nova, João Roberto Kelly

A inclusão dessa marchinha na lista não se dá por algum trecho em especial, mas sim pelo uso da palavra ‘mulata’, que tem sua origem etimológica na derivação da palavra ‘mula’ – “animal híbrido, estéril, produto do cruzamento do cavalo com a jumenta, ou da égua com o jumento” e que até hoje, o termo é usado para descrever filhos de pais de etnias diferentes, sendo um negro e outro branco.
 
Música 'Mulata Bossa Nova' reproduzida por Crisanto Show Banda. (Reprodução: Crisanto Show Banda Tema - YouTube)




 
As marchinhas de Carnaval: discussão

As músicas tidas como politicamente incorretas foram produzidas a partir da dinâmica social do passado. É necessário que nós tratemos essas músicas como algo de seu tempo e que as use para exemplificar as mudanças que aconteceram na sociedade a respeito desses temas.

As opiniões sobre o certo e o errado sempre vão existir na humanidade. Apesar de existir elementos difíceis de se aceitar hoje em dia é impossível apagar essas canções, já que elas tiveram um papel importante na construção da festividade carnavalesca que conhecemos hoje.

Se as marchinhas fazem parte da história do carnaval, não há necessidade de omiti-las. Podemos sim, aproveitar tais canções de maneira nostálgica, mas não podemos deixar de discutir o que tais músicas provocam nas relações sociais hoje em dia e de como elas podem ser usadas para ofender determinados grupos sociais.

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