Lab Dicas Jornalismo Publicidade 728x90
05/03/2023 às 11h52min - Atualizada em 05/03/2023 às 11h15min

Life is Strange e a construção da memória

Manu Barioni - Editado por Marcela Câmara
Se você fosse confrontado com a possibilidade de alterar algum evento passado em sua vida, você o faria?

Desenvolvido pelo estúdio francês Dontnod Entertainment e publicado pela SquareEnix em 2015, a proposta da franquia de jogos Life is Strange atingiu esse efeito na construção narrativa de seu universo. Apesar de se tratar de um jogo produzido há 8 anos, o seu estilo de jogabilidade e história marcantes tiveram um impacto fundamental na sua época de lançamento, considerado um dos grandes sucessos do ano e sendo lembrado até os dias de hoje.

As vendas do jogo ultrapassaram a marca de 1 milhão, antes mesmo do lançamento de seu último episódio, estando em quinto lugar de vendas na PlayStation, em fevereiro de 2015, e entre os 100 jogos mais vendidos da Steam, em 2016. O sucesso comercial de Life is Strange proporcionou visibilidade à Dontnod, sendo desenvolvidos outros três jogos da franquia: a prequel Life Is Strange: Before the Storm, a sequência Life Is Strange 2 e Life Is Strange: True Colors, o mais recente lançamento, em setembro de 2021.

Dessa forma, analisar a construção do enredo e temáticas abordadas ao longo do jogo são essenciais para compreender o motivo do sucesso histórico entre o público e a crítica.



Life is Strange é um jogo interativo do gênero adventure que teve sua narrativa dividida na forma seriada de cinco capítulos, disponibilizados ao longo do ano de 2015. Seu estilo de jogabilidade é em terceira pessoa e tem como foco a capacidade interativa dos jogadores na escolha das ações da personagem principal, Max Caufield, uma jovem estudante de fotografia da Academia Blackwell, em Arcadia Bay no Oregon, que descobre a capacidade de voltar ao tempo e alterar ações previamente executadas.

O enredo do jogo permeia pela transição da vida adolescente à vida adulta, trazendo uma série de camadas na representação do cotidiano de Max. Junto a isso, a mistura de uma nostalgia por meio da combinação de um passado e presente na construção da realidade da protagonista tem a trilha sonora e o design retro do jogo como contribuintes dessa atmosfera.

Como o jogo é pautado na interação direta do jogador com as escolhas e consequências causadas, é desenvolvido aqui um senso de autonomia diante a influência da narrativa a ser escolhida. Agora não mais o jogador tem a necessidade de seguir por uma única linha narrativa, mas lhe é dada a possibilidade de criação de sua própria realidade, influenciando não só o presente, como também seu passado e futuro.

Esse formato é essencial para a compressão da relação intimista que vai se construindo ao longo dos cinco episódios.  Por ser também um jogo que aprofunda as relações pessoais de Max com os demais personagens, sendo a principal delas sua melhor amiga Chloe Price, é desenvolvido um vínculo afetivo diante das ações realizadas, pois afinal é o jogador que possui o “controle” em suas mãos. A reação de causa e efeito mostrada ao longo da história é parte fundamental da Teoria do Caos que emaranha a jornada de Max em sua interminável semana em Arcadia Bay. Com o poder de alterar o tempo, Max se depara com diversos dilemas frente aos assuntos sensíveis abordados pelos desenvolvedores.

O cuidado criado para dar vida à temas como a depressão, o suicídio, o bullying, o abuso às drogas e a perca de entes queridos foi intencional para eles darem visibilidades a assuntos de um adolescente que muitas vezes não são discutidos com profundidade. Ainda, a forma como a relação de Max e Chloe Price é escrita traz uma das representações queer mais memoráveis e impactantes dos jogos, sendo expressa de forma nítida no finalização do jogo, quando é dada ao jogador a possibilidade de salvar Chloe ou Arcadia Bay.

Assim, como conta o diretor Michel Koch, o poder sobrenatural de Max, em contraste com sua realidade de estudante, acrescenta uma capacidade de lidar com os problemas expostos ao longo do enredo do jogo e conversa diretamente com o público jogador que vivencia ou vivenciou essas temáticas em sua vida real.



O papel que a memória exerce nesse jogo, capturado através da vocação que Max possui à fotografia, é utilizado de forma abundante, paralelamente semelhante ao filme de Eric Bress, J. Mackye Gruber com O Efeito Borboleta (2004), que se utiliza também dessa relação da teoria do caos para se mover através do tempo, sendo com Max a sua capacidade de voltar através de fotografias e pela suas capacidades psíquicas e pelo protagonista do filme (Ashton Kutcher) através dos seus diários. Aqui a memória das realidades que Max vai criando é vista como o guia para ela descobrir os mistérios que pairam no êxito de salvar Chloe ou Arcadia Bay do desastre climático provocado pela sua alteração temporal.

Portanto, a atmosfera e as técnicas criada na construção do enredo e os assuntos abordados, como também a capacidade de jogabilidade interativa e próxima proporcionaram o enorme sucesso que a franquia de Life is Strange obteve ao retratar a forma com tratamos o próximos e as consequências na escolha de suas ações.


 
REFERÊNCIAS
BARCELLOS, Roberto. Não é apenas um Efeito Borboleta. Zint. 30 jun. 2017. Disponível em: https://zint.online/jogo/life-is-strange/. Acesso em: 28 fev. 2023.

​INTERESSANTE, Super. O que é a teoria do caos? A teoria está presente em tudo que nos cerca e é a base do "efeito borboleta" 2020. Redação Mundo Estranho. Disponível em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/o-que-e-a-teoria-do-caos/. Acesso em: 04 mar. 2023.

LIMA, Isabela Vieira; FERREIRA, Helena Maria. Análise do jogo “Life is Strange” e suas potencialidades de interação com o sujeito-leitor/jogador. Revista Leia Escola, v. 20, n. 1, p. 41-61, 2020.

STRANGE, Wiki Life Is. Life is Strange. 2015. Disponível em: https://life-is-strange.fandom.com/wiki/Life_is_Strange. Acesso em: 04 mar. 2023.
Link
Notícias Relacionadas »
Comentários »